Foto: Andressa Anholete/Getty Images

Nas últimas semanas, a crise sanitária (relativa à saúde) dos yanomami, que vem afetando esse povo em diferentes graus há alguns anos, deixou o Brasil em alerta. Segundo entidades do governo federal que visitaram a região ocupada por eles de 16 a 20 de janeiro, os habitantes da Terra Indígena Yanomami (TIY) têm sofrido por desnutrição, malária, contaminação e doenças consideradas facilmente tratáveis com auxílio médico.

O cenário atual é consequência, principalmente, do atendimento inadequado de saúde e do impacto causado pelo garimpo ilegal na região.

De acordo com dados do Ministério dos Povos Indígenas e da plataforma de notícias Sumaúma, 570 crianças abaixo de 5 anos morreram de causas evitáveis (que não seriam um grande problema em condições normais) entre 2019 e 2022. Além disso, só no ano passado, 99 crianças faleceram em decorrência do avanço irregular do garimpo.

Para reverter o cenário e prestar socorro aos yanomami, o governo federal decretou Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Foi criado também um comitê de coordenação nacional para discutir e elaborar um plano de enfrentamento à crise. O grupo terá duração máxima de 90 dias.

Como o garimpo ilegal afeta a TIY?

O garimpo é uma atividade de exploração e extração de substâncias minerais presentes no solo e se diferencia da mineração industrial por ter pouca infraestrutura e baixo nível de mecanização (uso de máquinas). Nem sempre essa atividade é ilegal, mas a exploração em terras indígenas não é permitida por lei. De acordo com um monitoramento feito pela Hutukara Associação Yanomami, o garimpo irregular aumentou cerca de 54% em 2022, alcançando um total de 5.053 hectares de área degradada pela atividade na região.

O Joca conversou com Adeilson Lopes, coordenador do programa de negócios florestais da Organização Não Governamental (ONG) SOS Amazônia, para entender quais são os principais prejuízos gerados pela atividade garimpeira em terra indígena e como solucionar essas questões. Leia a seguir.

Foto: redes sociais da Força Aérea Brasileira

Contaminação por mercúrio e desnutrição

Para extrair minerais, o garimpo libera mercúrio em rios e grandes poças d’água que surgem durante a atividade. Essa substância é capaz de atrair magneticamente o ouro e retirar o metal do solo. No entanto, o mercúrio é altamente tóxico e, durante o processo, parte dele se espalha pelos solos, rios e até mesmo na atmosfera, contaminando animais terrestres, peixes e aves.

Os indígenas acabam se contaminando com o mercúrio quando ingerem animais e água dos rios, por exemplo, o que gera graves consequência à saúde. Além disso, o barulho das máquinas e a movimentação dos garimpeiros espantam os animais que seriam caçados pelos nativos, reduzindo ainda mais a quantidade de alimento disponível.

Por essa razão, em nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) divulgou uma série de recomendações sobre os alimentos doados para essas comunidades. “Considerando o alto índice de déficit nutricional e insegurança alimentar na terra indígena, a demanda mais urgente no momento é por distribuição de alimentos saudáveis e culturalmente adequados, os quais são indispensáveis para a recuperação nutricional das crianças”, diz a Funai.

É importante também, segundo o coordenador da SOS Amazônia, que seja oferecida uma dieta exclusiva para os contaminados pelo mercúrio, a fim de desintoxicá-los. “Deve-se ter uma atenção a alimentos apropriados, por exemplo, nas merendas escolares, na comida oferecida nos centros de saúde e pelos programas do governo federal para ajudá-los na descontaminação do organismo”, explica Lopes.

Em 21 de janeiro, o governo anunciou ações emergenciais de ajuda à população yanomami. Foto: Ricardo Stuckert/PR/Fotos Públicas/reprodução

Conflitos com garimpeiros

Muitos garimpeiros são hostis com os indígenas e prestadores de serviço locais, como médicos e outros agentes de saúde. Frequentemente, representantes indígenas fazem denúncias de ataques e ameaças feitas por parte dos exploradores. Nos últimos anos, foram relatados casos em que postos de saúde e pistas de aviões foram tomados por garimpeiros, enfraquecendo o sistema de saúde local e o acesso aos povos mais isolados. Quando as unidades de atendimento ficam mais distantes, os yanomami têm mais dificuldade de ser atendidos e chegam a morrer por doenças tratáveis.

As entidades oficiais calculam que, atualmente, a TIY tenha cerca de 20 mil garimpeiros circulando. Para combatê-los, o Exército, em parceria com a Polícia Federal, a Força Aérea e outros órgãos públicos, dará início a um intenso plano de retirada desses garimpeiros da região.

Essa força-tarefa, entretanto, não é o suficiente para zerar o garimpo ilegal. De acordo com Adeilson Lopes, é preciso que o governo crie programas sociais que ofereçam oportunidades de trabalho para quem, sem muitas opções, envolve-se com a atividade irregular. “Outra ação seria o governo desenvolver maneiras de rastrear e certificar produtos feitos de ouro e outros minérios de modo regular”, diz o coordenador. “Muitas vezes, as joias e peças que compramos nas cidades vêm de um cenário de destruição e ilegalidade.”

Malária

O garimpo também está diretamente relacionado ao aumento de casos da malária. Ao explorar uma área, a atividade deixa para trás um acúmulo de água parada que favorece a procriação de mosquitos responsáveis por transmitir malária aos humanos. A intensa circulação dos garimpeiros faz com que a doença alcance aldeias mais afastadas, levando também outras infecções não tão comuns para os povos nativos.

Para restaurar essas áreas degradas serão necessárias ações de recuperação vegetal, a médio e longo prazo. “Nós já temos muitas tecnologias e técnicas de recuperação florestal disponíveis. O governo deve investir nessas ações, oferecendo inclusive oportunidades de emprego para indígenas e comunidades ribeirinhas [que vivem à beira de rios]”, conta Lopes.

Assim que boa parte dos garimpeiros for removida da TIY, o governo federal deve fortalecer e reabastecer as unidades de saúde voltadas para os povos indígenas, investindo em novas tecnologias e tratamentos.

Por fim, o governo deve assegurar que, solucionadas as urgências, esses povos não sejam mais deixados de lado pelo próprio Estado. “Nós temos um documento que é o nosso contrato de convivência no território brasileiro: a Constituição. E a principal mensagem dela diz que é dever do Estado cuidar do meio ambiente, dos mais vulneráveis e de toda a população brasileira. Esse é um pacto para nossa existência enquanto sociedade, e deve ser respeitado”, finaliza Lopes.

Foto: redes sociais da Força Aérea Brasileira

Quem são os yanomami?

Os yanomami são um povo indígena da América do Sul que habita regiões de fronteira entre Brasil e Venezuela. No Brasil, as aldeias ficam em Roraima e no Amazonas, em uma área de 192 mil quilômetros quadrados no norte da Floresta Amazônica.

Eles são um coletivo de caçadores e agricultores com cultura e religião fortemente conectadas à natureza. Os yanomami se comunicam em quatro línguas diferentes (pertencentes à mesma família de idiomas): yanomae, yanõmami, sanima e ninam.

Vivem em yanos ou shabonos, que são grandes casas circulares e comunitárias. Enquanto os homens caçam na mata, as mulheres preparam o alimento. Na comunidade yanomami, a igualdade é valorizada e não existe ordem hierárquica, com chefes e pessoas que os obedecem. As comunidades são independentes e têm organizações próprias, comunicando-se entre si.

O contato dos yanomami com não indígenas pode ser considerado recente: começou em 1940, quando o governo brasileiro enviou pessoas para um processo de delimitação de fronteira com a Venezuela. Desde então, surgiram outros tipos de intervenções governamentais na área, como a construção da rodovia Perimetral Norte, o que acabou abrindo as portas para o garimpo ilegal.

Como ajudar os yanomami? 

Existem três associações atuando em Roraima para isso, trabalhando com o envio de alimentos e outros tipos de auxílio. São elas: Hutukara Associação Yanomami, Associação Ypasali Sanuma e Urihi Associação Yanomami. Nos sites e perfis em redes sociais oficiais das instituições é possível encontrar dados bancários para doações financeiras e outros meios de colaborar.

Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) está recebendo a inscrição de médicos voluntários para atuar na Força Nacional do SUS, no atendimento emergencial aos yanomami. Outras organizações, como Associação Médicos da Floresta, Ação da Cidadania, Central Única das Favelas (Cufa) e Frente Nacional Antirracista, também estão atuando com o envio de alimentos e auxílio médico para a comunidade.

Estrada e maquinário ilegais na TIY na Amazônia. Foto: Valentina Ricardo/Greenpeace/reprodução

Os indígenas no Brasil

De acordo com o último censo demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, existem cerca de 897 mil indígenas no país.

A maior parte vive em uma área chamada Amazônia Legal, que abrange os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão. Também existem terras indígenas em outros estados brasileiros, porém em menor quantidade e espalhadas por regiões distintas.

A situação é variada. Alguns povos continuam isolados, outros mantêm uma relação próxima com o Estado brasileiro e há os que foram destituídos de suas terras (em virtude de atividades que exploram essas áreas) e lutam pela sobrevivência.

Demarcação de terras indígenas

Parte das terras indígenas é demarcada legalmente pelo Estado brasileiro, garantindo o direito indígena à terra. Desde a criação do Estatuto do Indígena, em 1973, é dever do governo garantir que as áreas demarcadas sejam protegidas e tenham o território livre de invasões de não indígenas.

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), existem 726 terras indígenas no Brasil, totalizando um território de 117.377.553 de hectares. Desse número, cerca de 490 estão oficialmente regularizadas e demarcadas — a demarcação acontece após um processo longo, envolvendo diversas pessoas e órgãos, como a Funai e o Ministério da Justiça.

No entanto, em consequência do garimpo ilegal e da falta de proteção e garantia da demarcação das terras, nos últimos anos, a invasão desses territórios e a violência contra povos indígenas vêm aumentando.

“A terra é uma parte inseparável da vida dos povos indígenas. Se não forem demarcadas, serão muito mais facilmente invadidas, com a mata derrubada e os recursos naturais roubados. Esse povo, assim, não terá mais condições de sobreviver conforme seus costumes e tradições”, afirma Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA, político e ativista pelos direitos dos povos indígenas.

O que eu penso sobre…

“Quando recebemos as notícias pelos jornais, eu fiquei muito surpresa e triste, porque é uma situação que você não sabe nem como reagir. Ver crianças, adolescentes e adultos sofrerem por causa da fome é uma coisa muito triste.

Além da fome, várias crianças adoecem por falta de cuidados, malária, dengue e outras tantas doenças. Um dos fatores que mais afetou e criou tudo isso é o garimpo em excesso. Além de acabar com a floresta e os animais, afetou várias comunidades indígenas; as substâncias químicas que foram soltas nos rios em que eles se banham e pescam contribuíram para que várias pessoas ficassem doentes.

É uma situação horrível, que deixou em choque todo mundo, e eu acho que nós deveríamos tomar mais cuidado com as consequências dos nossos atos. Aliás, os primeiros habitantes do Brasil foram os próprios indígenas.” Clara A., 12 anos, Boa Vista (RR)

“O que está acontecendo é uma falta de respeito completa da nossa parte. Nós temos que pensar mais nas consequências antes de agir, para ter um mundo melhor. É preciso preservá-lo para as gerações futuras.” Isadora I., 13 anos, Boa Vista (RR)

Fontes: Brasil de Fato, Instituto Socioambiental, National Geographic Brasil, Portal de Educação Ambiental, Survival, Terras Indígenas no Brasil e Um Só Planeta.

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Comentários (1)

  • Samara Amaral de Oliveira

    1 ano atrás

    temos que parar com o garimpo

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