No fim de 2023, a coordenadora pedagógica Fernanda Gomes, da Escola Parque, no Rio de Janeiro (RJ), entrou em contato com a equipe do Joca para expressar seu receio em relação a “Maluquices”, antigo nome da seção em que o Joca traz notícias divertidas, inusitadas ou extraordinárias. No colégio, há uma rede de familiares que defende a luta anticapacitista, e Fernanda trouxe o questionamento de que o termo iria contra os princípios de inclusão da escola. 

O anticapacitismo defende a inclusão e o respeito às Pessoas Com Deficiência (PCD), seja ela qual for. No capacitismo, alguns grupos da sociedade julgam, erroneamente, que esses indivíduos não são capazes de atividades como trabalhar, divertir-se, competir e se relacionar. Já o anticapacitismo acredita que o Estado, a sociedade, lugares públicos e privados devem se adequar para receber todas as pessoas e lhes oferecer os mesmos serviços, independentemente de suas características. 

O capacitismo também acontece quando se expressa preconceito por uma pessoa em virtude de sua condição, utilizando palavras que possam ofendê-la. Uma das frentes do movimento anticapacitista defende a ideia de que termos como “retardado”, “maluco” e “debiloide” — utilizados por décadas para se referir de maneira preconceituosa aos neurodivergentes — devem ser evitados, mesmo quando usados em outros contextos. 

“Inusitices”, novo nome da seção
O Joca conversou com especialistas nas áreas de psicologia, neuropediatria e etimologia (estudo da origem das palavras), além de representantes do movimento anticapacitista, para entender melhor o assunto. 

Nathalia Amarante é assistente social, com mestrado em direito da Pessoa Com Deficiência, coordena o Instituto Novo Ser, que promove projetos na área da inclusão, já publicou um livro sobre o assunto, além de fazer parte da Rede Anticapacitista da Escola Parque. Para ela, a cada vez que termos como “maluquice” são usados, de alguma maneira a visão preconceituosa é perpetuada. “Historicamente, o maluco era aquele que tinha alguma disfunção psíquica e, hoje, a gente entende que ele não é maluco, é neurodivergente”, explica. 

Segundo Israel Almeida, ativista do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA), a sociedade vive um momento de avaliar o que realmente pode machucar diferentes grupos de pessoas. “De certa forma, [o termo] ‘maluquices’ não parece tão pejorativo assim, mas tem essa questão da comunidade que acaba sofrendo a violência em razão dessas minimizações provocadas por piadas”, diz. “Então, eu acho que caberia (…), demonstrar que vocês ouviram o movimento.” 

Considerando a opinião de cada especialista entrevistado e reafirmando o papel do Joca enquanto agente comunicador, que forma e informa leitores de diferentes idades, optou-se por escolher um novo nome, que não ofendesse ou mantivesse violências do passado: “Inusitices”. 

Glossário 

ANTIMANICOMIAL: mais de 20 anos atrás, existiam no Brasil os manicômios, onde pessoas neurodivergentes eram internadas, separando-as das demais. Com o tempo, entendeu-se que o local impunha uma marca negativa sobre esses indivíduos e ia contra os princípios de inclusão. Assim, nasceu o movimento antimanicomial, que prega o respeito e a integração dessas pessoas na sociedade. 

NEURODIVERGENTES: pessoas cujo funcionamento cerebral difere do que é considerado típico. São os casos, por exemplo, de dislexia e Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

CONSULTORIA: NATÉRCIA TIBA, PSICÓLOGA CLÍNICA, PSICOTERAPEUTA DE CASAL E FAMÍLIA; ISRAEL ALMEIDA, REPRESENTANTE DO MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA ANTIMANICOMIAL; DRA. JULIANA ARITA, NEUROPEDIATRA E MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE NEUROLOGIA (APAN); PROF. BRUNO MARONEZE, DA UFGD, VINCULADO AO NÚCLEO DE APOIO À PESQUISA EM ETIMOLOGIA E HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA (NEHILP), DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP); E NATHALIA AMARANTE, ASSISTENTE SOCIAL E ESPECIALISTA EM DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. 

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 218 do jornal Joca.

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