De 24 a 28 de abril, foi realizada, em Brasília (DF), a 19a edição do Acampamento Terra Livre (ATL), um encontro anual de indígenas de todo o território brasileiro. Iniciado em 2004, o ATL é coordenado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em parceria com sete organizações regionais, e serve como um momento de debate e celebração dos direitos e culturas desses grupos étnicos. 

O tema deste ano foi “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”. Cerca de 5 mil representantes, de mais de 200 povos indígenas, estiveram presentes no acampamento, montado no Setor Cultural Norte, em Brasília, próximo à sede do governo federal. 

Mesa de debate com autoridades políticas indígenas, como Sonia Guajajara, em 25 de abril, no ATL | #pracegover: na imagem estão diversos indígenas de costas. Eles olham para uma apresentação que acontece no palco do Acampamento Terra Livre. Crédito de imagem: YANA_CONSELHOTERENA, FABIOBISPO_INFOAMAZONIA, PAULA DESANA_APIA, KAMIKIAKISEDJE_APIB

“Este é um momento histórico de celebrar os povos indígenas ocupando espaços de poder e decisão. Estamos aqui juntos e juntas para lutar em defesa dos nossos direitos, territórios e modos de vida”, disse Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, durante a abertura do ATL. Além dela, autoridades indígenas como Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Célia Xakriabá, deputada federal, e Weibe Tapeba, líder da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), integraram a programação. 

A seguir, veja alguns destaques do ATL 2023 e saiba mais sobre os povos indígenas do Brasil. 

O QUE É DEMARCAÇÃO DE TERRAS? 

A demarcação é o processo pelo qual uma área tem que passar para ser oficialmente Território Indígena. Esses grupos étnicos acreditam que, por viver nessas terras antes da chegada dos europeus, no século 16, têm o direito de mantê-las livres da exploração e ocupação de outras pessoas e empresas. Para demarcar é preciso envolver diversas entidades, como Funai, Ministério da Justiça e Presidência da República, e até mesmo quem é contrário. “A demarcação teria que ter acontecido há muito tempo, mas, como estamos nos inserindo com mais força só agora na política, precisamos declarar a urgência o quanto antes”, disse o indígena Doplei Kaingang. 

Hoje, porém, algumas pessoas não indígenas defendem a tese do marco temporal. Ela determina que uma área só pode ser demarcada caso os indígenas a estivessem ocupando no ano em que a Constituição (conjunto de leis de um país) brasileira foi publicada, em 1988. Entre os apoiadores do mar- co temporal há uma parcela relevante do agronegócio (atividade econômica ligada à agricultura e pecuária), que vê nas demarcações o risco de perder terras que poderiam ser usadas em sua produção. Em resposta ao Joca, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) enviou nota com o posicionamento da entidade sobre o marco temporal, em que afirma defender a tese. “O objetivo não é a extinção dos direitos indígenas, e sim (…) garantir a compatibilização dos direitos dos índios com o dos produtores que já possuem o direito de propriedade”, explica Rudy Ferraz, chefe da Assessoria Jurídica da CNA. 

Os indígenas consideram essa tese inconstitucional, pois a própria Constituição afirma que os direitos deles são originários, ou seja, anteriores à própria formação do Brasil enquanto país. 

O movimento indígena ainda declara que a demarcação é uma das soluções de que o Brasil dispõe diante da crise climática. Segundo o cacique Naô Xohã Pataxó, da Terra Indígena de Barra Velha do Monte Pascoal (BA), o fato de muitos dos povos originários dependerem da na-tureza para sobreviver faz com que tenham um cuidado grande com ela. “A nossa preocupação é preservar a floresta, mantendo- -a viva e suas águas saudáveis (…). Essa é uma preocupação grande que meu povo tem com a mata atlântica (…)”, comentou. 

O USO DA PALAVRA “ÍNDIO”

O termo adequado para se referir aos integrantes dos diversos grupos étnicos brasileiros é “indígena”, que está relacionada à palavra “originário”, ou seja, aquele que está ali antes dos outros, valorizando a diversidade de cada povo.

#pracegover: homens do Xingu estão apoiados em grades em frente a prédios do governo federal, Brasília (DF). Do outro lado da grade, de frente para eles, há policiais. Crédito de imagem: YANA_CONSELHOTERENA, FABIOBISPO_INFOAMAZONIA, PAULA DESANA_APIA, KAMIKIAKISEDJE_APIB

OUTROS TEMAS DEBATIDOS NO ATL 

AUTORIDADES INDÍGENAS NA POLÍTICA: durante o evento, houve muitas conversas sobre a relevância de os indígenas ocuparem cargos políticos do país. “É importante que a gente construa nossa história juntos. Mal chegamos a esses espaços e muita gente já quer nos ver falhando, para afirmar que um indígena não é capaz de assumir responsabilidades. Mas essa luta e esses espaços são nos- sos também”, declarou Joenia Wapichana em uma mesa com autoridades indígenas. 

MULHERES INDÍGENAS: a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) marcou presença no evento denunciando a violência que muitas ainda sofrem. Joenia, Sonia e Célia, principais figuras políticas indígenas atualmente, foram celebradas ao longo dos dias. 

LÍNGUAS ORIGINÁRIAS: “Ancestralmente, fomos obrigados a nos comunicar com a língua portuguesa, mas o acordar da língua originária nos fortalece, por- que ela carrega nossa história e identidade”, declarou a professora Tayra Jurum Tuxá, representante do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (Fneei) da Bahia, depois de participar do debate sobre Edu- cação Escolar Indígena (saiba mais na edição 205). 

TECNOLOGIA: indígenas de diferentes territórios afirmam sofrer preconceito por utilizarem equipa- mentos como smartphones, pois pressupõe-se que, ao usar esses aparelhos, eles se tornam menos indígenas. “O mundo inteiro tem evoluído, por que nós não podemos também?”, disse Fiiko Camargo, representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), durante mesa sobre comunicação e tecnologia indígena. “Não é um celular que vai dizer se somos indígenas ou não. É muito importante produzir conteúdo dentro de nossos territórios para nos fortalecermos.” 

POVOS INDÍGENAS NO BRASIL 

Até o fechamento desta edição, o número total de indígenas no país era de 1.652.876 pessoas. O dado foi gerado a partir do Censo 2022 (entenda na edição 191), porém ainda é preliminar — ou seja, pode vir a aumentar após os cálculos finais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, responsável pelo levantamento). Segundo o censo anterior, de 2010, há no Brasil 305 povos indígenas e 274 línguas originárias. Conheça alguns dos povos presentes no ATL. 

MEBÊNGÔKRE (KAYAPÓ) 

• NOME: kayapó é como denominaram esse povo e significa algo como “aqueles que se assemelham aos macacos”, em razão de um ritual em que os homens usam máscaras de macaco. No entanto, o próprio povo se intitula mebêngôkre, que significa “homens do buraco/lugar d’água”. 

• POPULAÇÃO: 4.548 pessoas vivem na Terra Indígena Kayapó, porém há indivíduos em outros locais do Mato Grosso e Pará. 

“Cada aldeia kayapó tem seus tipos de festa cultural. Temos, por exemplo, as festas da mandioca, do bêmp (peixe), da pintura de homens e a de mulheres.” Bep Punu Kayapó 

#pracegover: diversas mulheres mebêngôkre caminham juntas durante o ATL. Elas usam vestimenta vermelha e têm o corpo pintado de preto. Crédito de imagem: YANA_CONSELHOTERENA, FABIOBISPO_INFOAMAZONIA, PAULA DESANA_APIA, KAMIKIAKISEDJE_APIB

KAINGANG

• NOME: significa “povo da floresta”. 

• POPULAÇÃO: espalhada por mais de 30 Terras Indígenas, nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Segundo dados da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) de 2014, há cerca de 45.620 indivíduos dessa etnia. 

“A maioria dos torés (cantos) kaingang traz a realidade do que já aconteceu com nossos povos e que ainda acontece com alguns indígenas, principalmente sobre a retomada de terra. Traz também o fortalecimento dos clãs que existem em nosso povo e das florestas, águas e tudo mais.” Luis Kaingang 

PATAXÓ

• NOME: significa “barulho das águas”. 

• POPULAÇÃO: essa etnia está espalhada pelo extremo sul da Bahia e norte de Minas Gerais, em diferentes Terras Indígenas, e soma, no total, 12.326 pessoas, segundo a Sesai (2014). 

“Um item importante que produzimos e usamos nas comunidades pataxó é o óleo de amescla. Nós extraímos como uma ‘massinha’ da árvore e, dessa substância, obtemos o óleo, que tem muitas propriedades medicinais.” Mairi Pataxó 

XUKURU DO ORORUBÁ 

• NOME: significa algo como “respeito à natureza”. 

• POPULAÇÃO: há cerca de 7.600 pessoas na Terra Indígena Xukuru, além dos demais indivíduos que vivem em outras localidades de Pernambuco. 

“Nós usamos colares com ‘sementes do milagre’. Dona Zenilda, que é a cacique da minha aldeia e grande guerreira, fala que essa semente dá força e vem da Mãe d’Água.” Marivânia Xukuru 

Fontes: Apib, IBGE, Povos Indígenas no Brasil e Terras Indígenas no Brasil.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 206 do jornal Joca.

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