A pandemia do novo coronavírus causou uma redução no número de adoções de crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os casos de adoção determinados pelas autoridades caíram 26,4% de 2019 para 2020. Isso quer dizer que, para cada quatro jovens que receberam uma família adotiva ou voltaram para a família de origem em 2019, apenas três foram adotados no ano seguinte.

Enquanto esperam para ser adotados, muitos jovens ficam em casas de acolhimento. Eles são levados a esses lugares por não terem responsáveis para cuidar deles ou por estarem em situação de medida de proteção ou de risco pessoal e/ou social — em vários casos, os responsáveis foram denunciados por não atender às necessidades dessas crianças e adolescentes, por exemplo.

Um desses abrigos é a Associação de Munícipes para o Amparo ao Menor Osasquense (Amamos), em Osasco (SP), onde são atendidos jovens de zero a 17 anos e 11 meses. De acordo com a psicóloga Jéssica Marques Ferreira, uma das especialistas da instituição, foi possível sentir a queda do número de adoções durante a pandemia no abrigo. “Acredito que não só na Amamos, como em todos os acolhimentos, as adoções caíram, pois as famílias habilitadas a adotar precisam estar presentes [na vida] do acolhido [ou seja, da criança ou adolescente que será adotado] para criar vínculos, intimidade e confiança”, explica.

“Durante os momentos mais críticos da pandemia, os adotantes não tiveram contato com as crianças nem com os adolescentes, até pelo distanciamento social. Quando a família chega ao acolhimento, tem que fazer passeios e conviver com as crianças, e isso não foi possível”, diz a psicóloga. Jéssica também explica que outro fator que impactou a situação é que a Vara da Infância, responsável pelos processos de adoção, teve que fazer os preparos com as famílias adotantes de forma virtual.

Nos momentos em que os números de casos de infectados pela covid-19 estavam mais altos, os acolhidos da Amamos foram levados para as residências das cuidadoras da instituição como forma de evitar o contágio. “Isso foi feito com autorização judicial e, assim, as crianças e adolescentes foram vendo modelos familiares diferentes”, comenta Jéssica. Nesses períodos, como as escolas estavam fechadas, os jovens atendidos tiveram atividades on-line dos colégios. Além disso, os funcionários da instituição retiravam apostilas e atividades complementares na escola e levavam até os alunos.

Serviços de acolhimento familiar
Já no serviço de acolhimento familiar da Associação Brasileira Beneficente Aslan (Abba), em São Paulo (SP), os reflexos da pandemia nos jovens atendidos foram diferentes. Nesse modelo, o acolhimento é feito por famílias voluntárias, que são selecionadas, capacitadas e acompanhadas pelos técnicos para receber as crianças e adolescentes em casa, até que a Justiça dê uma solução definitiva para o caso.

Por isso, essas famílias ficam responsáveis por identificar quais são as necessidades dos jovens e atendê-las. “A família acolhedora os acompanha, tanto nas rotinas de saúde (indo ao médico) como na educação, por exemplo. Esta modalidade de acolhimento busca assegurar a garantia da convivência familiar e comunitária”, explica a psicóloga Damaris Teixeira, uma das técnicas de referência que acompanha as famílias do serviço de Acolhimento Familiar.

De acordo com ela, esse acompanhamento não foi impactado pelos efeitos da pandemia. “As adoções e processos de aproximação continuaram, mas talvez em uma modalidade diferente quando estava tudo mais restrito [quando havia riscos mais altos de contaminação]. A aproximação acabou sendo feita de maneira virtual, porém, continuou acontecendo”, diz. “Para os que já estavam nas famílias, nada parou: os mais velhos se mantiveram na escola, em modalidade on-line, e sendo acompanhados pelas famílias, então não tiveram tantos prejuízos. Esse é um benefício da convivência em família”, defende.

Como funciona o processo de adoção dos jovens em abrigos?

1) A Justiça investiga se as crianças e adolescentes podem voltar para a família de origem (pai e/ou mãe).

2) Caso não seja possível retornar aos pais, é investigado se o jovem pode ser adotado por outros membros da família, como avós, tios ou primos.

3) “Não tendo resultados [nas opções acima], o jovem sai do poder familiar e será preparado para ser inserido em uma nova família”, explica a psicóloga Jéssica Marques Ferreira.

Números de adoção e acolhimento no Brasil*

Existem cerca de 29.100 crianças e adolescentes acolhidos
Isso ocorre quando a Justiça afasta a criança ou o adolescente da família porque seus direitos não estão sendo respeitados nesse ambiente — o menor pode estar sofrendo abusos ou maus-tratos, por exemplo. É o caso
dos jovens que vivem em abrigos ou com famílias substitutas, mas que ainda não o adotaram oficialmente.

Existem em torno de 4.200 crianças e adolescentes disponíveis para adoção
Quando não há mais nenhuma chance de o menor ficar com a própria família. Ele, então, passa a aguardar até que uma nova família resolva adotá-lo.

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#pracegover: gráficos mostram números de adoção no Brasil. Por faixa etária, a maior quantidade de jovens acolhidos está entre os maiores de 15 anos, com 7.626. Por etnia, a maior concentração é a de “não informado”, com 54,1%, seguida por parda, com 23,3%. Por região, há mais jovens nessa situação no Sudeste: 13.541. Imagem: reprodução jornal Joca

Situação de medida de proteção: série de medidas tomadas para garantir a segurança e os direitos de crianças e adolescentes que não tenham pais ou responsáveis ou que estejam afastados deles por determinação da Justiça.

História de adoção

“Eu sou muito grato por ter esses pais [adotivos]! Às vezes, penso que a minha mãe [biológica] me largou porque eu não fui feito para ficar naquela família. Então, minha mãe e meu pai [atuais] vieram para cuidar de mim. Muitas vezes, esqueço de tudo o que já aconteceu comigo e penso que essa é a minha família mesmo, que eu sou filho biológico deles. Nós fazemos várias coisas juntos: passeamos, ficamos em casa conversando, assistimos à televisão, alugamos bicicleta para pedalar no parque… Para as outras crianças e adolescentes que sonham em ser adotadas, eu digo para terem fé e saberem que, se não deu certo com uma família, pode dar com outra.” Juliano C., 10 anos, de Osasco (SP)

#pracegover: Juliano e seus pais, que o adotaram com cerca de um ano. Eles usam roupas leves, como camisetas e bermudas. Crédito de imagem: Arquivo pessoal

“A minha prima, que é a mãe biológica do Juliano, perdeu o direito de cuidar dele [a Justiça avaliou que ela não estava atendendo às necessidades da criança]. Para que ele não fosse para o abrigo, tentaram achar alguém da própria família que pudesse ficar com ele. Então, primeiro, ele foi entregue para a minha tia. Ela acabou ficando muito doente e foi para o hospital. Nisso, deixou o Juliano, que era um bebê, com uma criança que tinha 10 anos. Como isso não é permitido, o conselho tutelar [órgão da Justiça que tem como objetivo proteger os direitos dos menores de idade] tirou os direitos da minha tia de cuidar do Juliano. Um dia, eu recebi uma ligação perguntando se eu queria ser mãe dele. Eu não pensei duas vezes: respondi que aceitava sem nem falar com o meu marido (risos). Depois de dois ou três dias da ligação, virei mãe, com um bebê de um ano e três meses nos braços. Eu e meu marido começamos a correr para comprar berço e roupas, matricular na escolinha… Desde o dia em que ele chegou, sempre morou com a gente, mas precisamos dar entrada em um processo para conseguir a adoção definitiva [os pais adotivos precisam passar por várias etapas até que a Justiça permita que se tornem, oficialmente, os responsáveis pelo menor de idade]. O processo como um todo só foi terminar quando ele tinha uns 7 anos. Adotar não é fácil, mas é muito gratificante. Acho que é uma experiência que modifica positivamente a pessoa para sempre. Hoje, não penso que ele é meu filho adotivo. Ele é meu filho e pronto. É o amor da minha vida e do pai.” Ana Paula Capella, mãe do Juliano, de Osasco (SP)

“Fui abandonado quando tinha 4 anos. Eu e meus irmãos moramos mais um menos um ano na rua. Então, alguém denunciou a situação para o conselho tutelar, eles foram nos buscar e nos levaram para morar no LAM (Lar de Assistência ao Menor*). Foi bem assustador. Era um monte de gente que eu não conhecia, não sabia como o lugar funcionava… No abrigo, nós tínhamos horários para acordar, dormir, comer. Quando eu tinha 8 anos, fui adotado pela primeira vez. Fiquei um ano morando com a família, construindo vínculos com os parentes e amigos. Até que o casal resolveu se separar e me devolveu para o abrigo. Eu fiquei muito triste e a minha autoestima, muito baixa. Eu já tinha sido abandonado pela minha mãe biológica e, quando fui adotado, achei que finalmente teria uma família que não iria me deixar, mas não foi o que aconteceu. Quando retornei para o abrigo, fui morar na Casa Crescer e Brilhar, para pessoas de 8 a 17 anos — eu já tinha 9 anos. Uma das primeiras coisas que as funcionárias do abrigo disseram foi que eu tinha que correr atrás da minha vida porque dificilmente seria adotado, já que as pessoas preferem crianças de até 5 anos. Isso acabou com todas as minhas esperanças. Depois de ser devolvido, comecei a usar drogas. Aos 12 anos, fui enviado para o abrigo Arco-Íris, para que superasse o vício. Fiquei uns seis meses lá. Depois que me recuperei, voltei para a Casa Crescer e Brilhar. Eu já não tinha muitas esperanças de entrar em uma família quando fui adotado pela segunda vez. Aos 15 anos, comecei a frequentar a casa de uma moça chamada Thaís, que era quem iria me adotar inicialmente. Mas, depois de um tempo, ela resolveu ir para os Estados Unidos, e a gente não conseguiu oficializar a adoção. Foi aí que eu comecei a passar os fins de semana e as férias na casa da melhor amiga dela, que acabou me adotando. Quando tinha que voltar para o abrigo, as filhas dela (hoje, minhas irmãs) choravam porque eu ia embora. Então, quando eu tinha 17 anos e seis meses, a família pegou a minha guarda temporária. Quando ela venceu, eu já tinha 18 anos e não podia mais voltar para o abrigo [o limite para morar nesses locais é de 18 anos]. Acabei ficando de vez na casa da família. Eu sou muito próximo da minha família, é como se eu tivesse nascido nela. Sou formado como técnico de segurança do trabalho e estou fazendo faculdade de serviço social. Com base em tudo o que eu vivi, acho que posso fazer algo para ajudar crianças e adolescentes que, assim como eu, foram abandonados. Quero gerar uma mudança.” Antonio da Silva Filho, 22 anos, de São Vicente (SP)

*Hoje, o local se chama Lar de Assistência a Meninos e Meninas.

#pracegover: Antonio da Silva Filho, que, por causa da história de abandono e adoção, hoje estuda para atuar profissionalmente nessa área. Ele usa camiseta azul e sorri. Crédito de imagem: Arquivo pessoal

Fontes: Conselho Nacional de Justiça, Extra, G1, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TV Cultura, Instituto Brasileiro de Direito de Família e UOL.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 177 do jornal Joca

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