A Persistência da Memória (1931), obra de Salvador Dalí, um dos maiores representantes do movimento surrealista*. Foto: Divulgação

Por Joanna Cataldo

Com o que andamos sonhando durante a pandemia? Com base nessa pergunta, três psicanalistas brasileiros estão desenvolvendo o Inventário de Sonhos, plataforma na qual voluntários registram os sonhos que têm tido neste período.

A ideia, segundo Denise Mamede, mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e uma das responsáveis pelo projeto, é, a partir dos sonhos, descobrir o que está passando pela cabeça das pessoas durante a pandemia, que mudou a vida de milhões em todo o planeta. Confira a entrevista que ela deu ao Joca.

Qual é o objetivo principal do Inventário de Sonhos?
O inventário nasceu no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Agora, durante a pandemia, decidimos voltar com esse projeto. Qualquer pessoa, de qualquer idade, pode enviar seu sonho, de forma gratuita e anônima. A gente só pede que a pessoa coloque o gênero, data em que teve o sonho, idade, região onde mora, narração do sonho e como ela relacionou o momento que vivemos com o que sonhou. As pessoas podem mandar quantos sonhos quiserem. Já temos mais de 900.

Como vocês pretendem trabalhar com esse material?
Coletamos os sonhos para entender um pouco melhor o que tem se passado na cabeça das pessoas. Nós estamos diante de um momento em que temos muitos “não saberes” pela frente: quando a pandemia vai acabar, quando virá uma vacina… Além disso, tivemos que mudar drasticamente a nossa vida, ficar mais em casa… Então, o que será que está na cabeça de cada um nessa coisa tão singular e privada que é o momento do sono? Quais são os afetos que aparecem nesses sonhos? Quais são os medos? Os sonhos nos ajudam a entender o que está ocorrendo no presente e o que as pessoas projetam que pode acontecer no futuro. Diante de um momento em que sabemos pouco sobre o que vai acontecer, nos sonhos, aparecem possibilidades boas ou ruins para lidar com isso.

Por que nós sonhamos?
De acordo com Freud, um dos primeiros a estudar os sonhos da maneira como estudamos hoje, nós não temos apenas a consciência, ou seja, aquilo a que temos acesso quando estamos acordados. Também temos o inconsciente, que é onde estão os pensamentos mais inacessíveis: tudo aquilo com que temos dificuldade de lidar, aquilo que a gente ouviu, viu, as sensações que nós tivemos… Já as coisas que a gente é (quem sou eu, com que eu trabalho…) ficam na nossa consciência. Segundo Freud, uma das formas mais eficientes que o inconsciente tem para deixar escapar o material que está dentro dele é por meio de sonhos. Basicamente, os sonhos são uma união dos conteúdos que estão no nosso inconsciente com restos de coisas que a gente viveu durante o dia, quando estávamos acordados. O inconsciente usa essas duas coisas para montar imagens que de algum modo nos ajudam a entender conteúdos que a gente não consegue compreender ou aceitar quando estamos acordados. Os sonhos podem, por exemplo, atuar como uma maneira de a gente lidar com os nossos medos (como no caso dos pesadelos) ou de mostrar conteúdos que a gente não gosta, não quer ver. Mas eles também podem apontar saídas para algumas questões, algo que não estávamos conseguindo enxergar quando estávamos acordados.


Muitas pessoas têm relatado que estão lembrando mais dos sonhos agora, durante a quarentena, do que antes, quando estavam em sua rotina “normal”. Por que isso acontece?
Talvez tenha relação com o fato de que, agora, a gente tem mais tempo para dormir, para olhar para nós mesmos…Os conteúdos dos sonhos chamam a nossa atenção, e nós conseguimos nos lembrar deles depois que acordamos. Além disso, talvez tenha a ver com o fato de que não sabemos o que vai acontecer, quando a vacina vai ser criada… Muita gente está sem esperança, com medo. Essas coisas impactam as pessoas. Então, nos sonhos, elas tentam achar algumas saídas para as questões que estão acontecendo. O sonho é o momento em que podemos ser mais livres na vida. Não há barreiras.


Por que às vezes lembramos de nossos sonhos e outras vezes, não?
Algumas vezes, lembramos dos nossos sonhos porque conseguimos lembrar daquele conteúdo quando estávamos acordados. Aquele conteúdo de alguma forma serviu para entendermos alguma coisa, refletir sobre algo, trazer algum elemento que fará sentido na nossa vida, no período em que estivermos acordados. Muitas vezes, a gente não lembra dos nossos sonhos porque são conteúdos muito difíceis para a gente entrar em contato quando estamos acordados. Às vezes, pode ser um conteúdo com que nós não concordamos, que a gente não quer que aconteça ou no qual não consegue pensar sem sofrer. Por isso, esse material é esquecido. Os sonhos dão muitos indícios para a gente, de como nós estamos encarando a nossa vida, de como estamos encarando nossos medos, as nossas possibilidades de futuro, as coisas que queremos…


Quer enviar o seu sonho para o Inventário dos Sonhos? Acesse: cutt.ly/dyVUt4B.

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Comentários (4)

  • Retrospectiva de notícias | 2020 - Jornal Joca

    3 anos atrás

    […] Malala comemora formatura na Universidade de Oxford, no Reino Unido• Plataforma reúne sonhos durante a pandemia• Escravidão e […]

  • LARA RUTCKEVISKI

    3 anos atrás

    imagine que tudo isso acontece na nossa cabeça enquanto dormimos

  • sofiasaqueti

    3 anos atrás

    eu adorei esta reportagem joca!

  • Daniel Beltrame

    3 anos atrás

    Joca eu adorei essa reportagem achei super legal chamar os sonhos de conteúdos mais eu queria saber por que ela acaba com três pontinhos

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