No interior ou nos centros urbanos, eles enfrentam dificuldades para manter distância do vírus, uma novidade não só para os povos tradicionais, como para toda a humanidade
Atualmente, o Brasil possui cerca de 900 mil indígenas, que vivem de diversas formas e em várias regiões do país. De acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria (57,7%) mora em terras indígenas em áreas rurais, enquanto uma parcela menor (36%) vive nas cidades, onde busca acesso à saúde, à educação e a trabalho. No interior ou nos centros urbanos, eles enfrentam dificuldades para manter distância do novo coronavírus, uma novidade não só para os povos tradicionais, como para toda a humanidade.
Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, até o fechamento desta edição foram confirmados 85 casos e 4 mortes entre indígenas na área rural. Na área urbana, foram três mortes. Entenda os impactos da covid-19 para os indígenas, suas possíveis soluções e descubra como os jovens estão lidando com a quarentena.
Dificuldades
O que o governo federal está fazendo?
No dia 13 de abril, o governo anunciou o investimento de 4,71 bilhões de reais até junho em ações para os indígenas, incluindo:
As medidas são suficientes?
Segundo Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as medidas são importantes para evitar que o vírus se espalhe entre os indígenas. Mas é preciso garantir que os benefícios cheguem às aldeias de forma segura e higienizada, evitando que os povos tenham que buscar itens nas cidades. Além disso, de acordo com ele, é preciso que uma equipe médica fique nas aldeias durante o isolamento social e disponha dos equipamentos necessários para atender doentes. Em longo prazo, o especialista recomenda melhorias gerais na estrutura das aldeias, como a instalação de internet para acompanhar a saúde a distância, além de laboratórios para a realização de testes e implantação de saneamento básico.
Outro ponto importante está na fiscalização para manter garimpeiros e madeireiros longe das terras indígenas. “Não adianta as aldeias estarem de quarentena se os invasores continuam entrando de forma ilegal nos nossos territórios e trazendo doenças”, diz Ângela Kaxuyana, coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
O que os indígenas estão fazendo?
Organizações estão produzindo cartilhas, podcasts e vídeos nas línguas nativas e em português para alertar sobre os perigos e as medidas de proteção. Entre essas ações estão a campanha #fiquenaaldeia e “vaquinhas” na internet para a compra de cestas básicas e kits de higiene. Alguns líderes indígenas negociaram a saída de madeireiros e garimpeiros de suas terras, colocaram placas na entrada das aldeias e chegaram a bloquear estradas para evitar a circulação de pessoas de fora. As festividades que acontecem em abril — conhecido como mês indígena — foram adiadas para evitar aglomerações.
Histórico
Antes da chegada dos portugueses, 5 milhões de indígenas habitavam o território hoje chamado Brasil. Além de disputas por território, outro motivo levou ao desaparecimento de diversas etnias: as epidemias. Por aqui, não havia certos microrganismos, como determinados vírus e fungos, que foram trazidos pelos estrangeiros. A novidade pegou os indígenas de surpresa, já que o organismo deles não tinha imunidade, ou seja, defesas contra esses seres. Assim, sarampo, varíola, gripe, tuberculose e outras doenças provocaram milhões de mortes entre os povos tradicionais desde o ano 1500.
O que os jovens indígenas dizem?
“Minha família é indígena, da etnia borari, e tem um sítio no meio da floresta. Somos em 12 pessoas morando em casas separadas no sítio. A gente está aqui o dia inteiro e planta muita coisa na roça para comer. Eu fico na rede jogando no celular do titio e vendo vídeos no YouTube. Minha tia já fez máscara para todo mundo: até para o meu cachorro Bob! Quando eu quero liberar minha cabeça das notícias do coronavírus, coloco uma música bem alta no fone de ouvido. Eu tenho vontade de abrir o portão e gritar para o coronavírus: ‘Sai daqui!’.” Renato B., 9 anos, mora em Alter do Chão, no Pará
“Eu sou da nação baré, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, mas estou com a mamãe, em Manaus — ela trabalhando e, eu, estudando. Todo ano volto para a minha aldeia, eu me sinto mais confortável lá porque tem muita natureza e é mais fresco — na cidade faz muito calor porque o homem branco destruiu as nossas árvores, que fazem nosso vento. Aqui em Manaus tem pouca gente na rua, e eu também estou ficando em casa. Parei de ir à escola e tenho aula on-line. Sinto muita falta dos meus amigos.” Adanna Maria S., 9 anos, mora em Manaus (AM)
“Sou da aldeia kamayurá, no Mato Grosso. Aos 5 anos, vim com a minha família para a cidade em busca de tratamento para a minha irmã, que sofre de distrofia muscular, mas todo ano volto para a aldeia. Agora, com o coronavírus, não estamos conseguindo falar muito com eles porque na aldeia não tem internet e os parentes não podem sair nem deixar ninguém entrar. Só conseguimos falar com meu tio quando ele foi comprar os mantimentos na cidade antes da quarentena. Ele disse que os parentes estavam se informando pela TV, se cuidando e cobrando dos enfermeiros da Casai (Casa de Saúde Indígena) porque nada tinha mudado na aldeia. Ficamos sabendo que a Funai (Fundação Nacional do Índio) agora está se mobilizando para levar coisas: cestas básicas, roupas e máscaras.
Aqui na cidade, a gente só sai para o necessário, como ir ao mercado e à farmácia, e, quando volta para casa, não toca em nada, vai direto banhar. Estamos apreensivos porque isso é muito novo para a gente, e meus irmãos estão no grupo de risco. Eu não estou tendo aula, meu pai parou de trabalhar e minha irmã mais velha também. Eles recebem alguns benefícios sociais, como seguro-desemprego, mas não é suficiente para a nossa família de oito pessoas. Vejo muita gente desrespeitando a quarentena por aqui: crianças brincando, adultos fazendo exercício e jovens jogando bola na quadra.” Caminairu K., 17 anos, mora em Gama, no Distrito Federal
No site do Joca, confira os depoimentos completos: jornaljoca.com.br.
Fontes: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Amazonas Atual, BBC, Brasil de Fato, Catraca Livre, El País, Estadão, Fiocruz, Folha de S.Paulo, IBGE, Instituto Socioambiental, Ministério da Saúde, Ministério Público Federal, Mongabay, National Geographic, O Globo, Pública – Agência de Jornalismo Investigativo, revista Galileu, Terra, Toda Hora e UOL.
Esta matéria foi originalmente publicada na edição 148 do jornal Joca
amei a historia mesmo sendo longa kkkkkk
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