Crédito de imagem: arquivo pessoal/reprodução

No Brasil, 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra — que marca a morte de Zumbi dos Palmares, quilombola negro, ex-escravizado, guerreiro e líder do Quilombo dos Palmares, ao lado de Dandara. A data é uma oportunidade para ações de reflexão e aprendizado antirracista. Muitas escolas, no entanto, não promovem a cultura afro-brasileira apenas nesse dia; acreditam, na verdade, que a educação étnico-racial deve estar presente ao longo de todo o ano.

A Emef Padre Benedito de Jesus Batista Laurindo, em São Paulo (SP), elaborou em 2023, com apoio do currículo da Secretaria Municipal de Educação (SME), dois projetos paralelos: um com educadores e outro com estudantes. O primeiro usou como base a cultura do hip-hop (movimento artístico negro) para preparar os professores para o combate ao racismo e promoção da história afro-brasileira. Já o segundo projeto, Vidas Negras Importam: reconhecendo a história e cultura dos antepassados, rendeu ao colégio o Prêmio Paulo Freire, promovido pela Câmara Municipal de São Paulo.

A escola trabalhou com o ensino fundamental I diversos elementos da cultura negra, como capoeira, obras etnorraciais, jogos e brinquedos africanos, como o tabuleiro mancala awelé e a boneca abayomi. A instituição recebeu, desde março, visitas de diferentes profissionais, como mestre de capoeira, poeta, escritor e rapper. Os estudantes também puderam sair para diferentes excursões, como o Museu das Favelas, o da Imigração, e até mesmo participar de uma ação de entrega de alimentos à população em situação de rua, com a qual aprenderam um pouco mais sobre aporofobia (aversão a pobres).

Para Maria Julia, do 5º ano A, o projeto ajudou as pessoas a reconhecer o valor de cada cor de pele e seus direitos. “Nós trabalhamos com hip-hop, grafite, painéis e recebemos o Ronne, do grupo musical Monarckas, que relatou suas vivências e mostrou que devemos lutar por nossos objetivos (…) e que o que importa são os nossos sonhos”, conta a aluna.

Veja mais depoimentos de estudantes da Emef Padre Benedito de Jesus Batista Laurindo ao final da matéria.

Conhecendo artistas e figuras afro-brasileiras

A turma estudou as referências de um quilombo para elaborar os combinados da sala. Crédito de imagem: arquivo pessoal/reprodução

Na unidade do Morumbi da Escola Lumiar, em São Paulo (SP), os professores realizam semanalmente um espaço para formação e partilha de experiência entre os educadores. Nesses encontros, a pedagoga e tutora do primeiro ciclo do fundamental Giovanna Amabile promove, em 15 minutos, as pílulas antirracistas, momentos de reflexão, estudo de casos e repertórios para que os professores possam encontrar caminhos de trazer personalidades e elementos da história negra em toda e qualquer disciplina, de maneira contextualizada.

“Eu, enquanto mulher negra de pele clara, tenho encontrado, na escola, a pequena Giovanna do passado, entendendo o lugar da criança negra dentro da sala de aula”, conta a educadora. A partir das formações, o colégio aplica o letramento racial com os estudantes, ou seja, apresentam artistas, figuras históricas e demais especialistas negros, de acordo com o assunto a ser estudado.

“Em matemática, por exemplo, nós trazemos mulheres negras que atuaram na área; ao estudarmos sobre a água, eu trouxe a música ‘Chove, Chuva’, do Jorge Ben Jor”,

explica a professora.

Na chegada dos estudantes, a tutora desenha capas de álbuns musicais na lousa e coloca canções, muitas vezes de artistas negros, para tocar enquanto os estudantes brincam e desenham. Vinicius, aluno de 6 anos, diz que gostou muito de Emicida, especialmente da música “Quem Tem um Amigo Tem Tudo”.

“A gente aprendeu inglês com a música ‘ABC’ do The Jackson 5, e foi muito divertido, porque a gente fazia jogos, brincadeiras, cantávamos e, aí, na hora da apresentação foi mais leve e fácil. Fizemos nossos combinados inspirados no Quilombo dos Palmares, porque lá era um lugar muito organizado e, a partir de Dandara e Zumbi, foi muito rico em cultura e história para o nosso país. A gente falou do Basquiat e fez uma exposição inspirada nele, porque ele é um artista negro muito especial, que fez pinturas que parecem não ter sentido, mas no fim são inspiradoras.”

Bia, 10 anos

Depoimentos de estudantes da Emef Padre Benedito de Jesus Batista Laurindo

“Eu aprendi que toda cor é bonita. Não importa se é amarelo ou branco ou preto. A gente tem que se orgulhar. Todo mundo é especial.”

Esther B., 1º ano A

“Eu aprendi que não pode fazer bullying pela cor. Não pode xingar. Todas as cores são legais. Não julgar pela cor.”

Murilo S., 1º ano A

“Eu aprendi que não pode xingar. Tem vários tipos de cabelo: liso, cacheado, crespo. Todos são lindos! A gente pode ter qualquer cor. cor da pele não importa. É feio ter preconceito.”

Arthur E., 1º ano B

“Eu achei o projeto muito legal e importante. Gostei muito de participar porque ensina sobre o respeito à vida negra.”

João Pedro M., 2º ano A

“Eu gostei porque é legal conhecer outras pessoas e ser amigo de outras pessoas negras, porque todos nós somos importantes.”

Valentina M., 2º ano A

“É muito chato [ver] essas injustiças. Se for para contar todas as injustiças, você conta pelo resto da sua vida! O racismo é a pior coisa que existe. O hip-hop é uma forma de denunciar o racismo, o preconceito e muitas outras coisas.”

Davi Luiz P., 2º ano B

“Fiz parte do projeto Vidas Negras Importam. Eu aprendi que todo mundo é diferente. Que a maioria das pessoas tem nojo de pobres, isso se chama aporofobia. O padre Júlio é uma pessoa humilde que entrega comida aos que moram na rua e não têm condições de comprar.”

Arthur S., 3º ano A

“O nosso projeto Vidas Negras Importam me ajudou a descobrir quem eu sou. Vindo de descendência indígena, eu entendo as diferenças entre cabelos, cor, roupas e até mesmo religião. Antes eu era um menino que vivia de touca, por vergonha do meu cabelo. Hoje eu gosto dele como realmente é. Esse projeto deve ter interferido não só em mim, como em algumas pessoas também, mostrando o que realmente é a vida negra e o racismo. Minha mãe e minha avó falam que racismo não é como antigamente. Antes podia ‘zoar’ sem medo de tomar um processo. Hoje não pode mais nem falar que uma pessoa é feia, porque está fazendo bullying. Espero que esse projeto chegue a muita gente fora da escola, até fora da cidade. Os trabalhos que fizemos foram funcionais para algumas pessoas.”

Miguel Christino P., 4º ano A

“Eu amei esse projeto que me fez perceber que não preciso ligar para quem ri da minha cor ou zomba de mim. Agora estou bem melhor. Eu agradeço por esse lindo projeto e, parabéns, [Emef] Padre Batista! Vocês são a melhor escola em que eu já entrei. Desde o primeiro ano, eu já sabia ler e escrever por causa dessas lindas professoras. Obrigada, Cícera, Luciana e Lucileide, vocês são as melhores ‘prôs’ do mundo!”

Lara A., 4º ano A

“Eu reparei que mudou muita coisa na escola, na minha vida, na sala etc. Eu aprendi que você tem que respeitar o próximo (…) Esse trabalho me ajudou a aprender as culturas sobre os negros e projetos. No dia em que a professora falou: ‘Faça um rap sobre o que você mais gostou de aprender’, eu fiquei com muita vergonha. Ela falou: ‘Devemos ter vergonha só de fazer coisa feia!’ (…) Tem uma aluna na minha sala que, na educação física, falou: ‘Sua cabelo-duro!’, aí eu disse para ela: ‘Não importa se eu tenho cabelo duro, para mim não importa’. Esse projeto me ensinou que cada um é bonito do seu jeito. Lute contra o preconceito!”

Nicolly Gabrielly G., 4º ano B

“Eu achei que esse projeto ajudou a gente a ver as diferenças e cultura de outras formas. No dia em que a professora propôs a seguinte lição: ‘Escreva um texto ou uma música ou uma poesia falando sobre o racismo, preconceito ou discriminação’, pensei que não ia conseguir, mas fiz e até que ficou legal. Todos gostaram. Outro dia, uma aluna do 5º ano fez uma discriminação com o meu colega, ela deu um tapa nas costas e a professora viu e foi conversar com ela, e a aluna disse para a professora: ‘Só porque eu briguei com aquele menininho?’. Nós ficamos muito chateados com ela. Notei que, na minha sala de aula, a convivência entre os alunos melhorou muito: o respeito, a amizade, o comportamento, os relacionamentos em geral. Também tem uma frase que a ‘prô’ falou assim: ‘Se você que ter respeito, tem que dar também’. Eu acho esse projeto tão importante que vou lembrar dele para sempre.”

Laura G., 4º ano B

“Olá, jornal Joca! Somos alunos da Emef Padre Batista, 5º ano A e estamos trabalhando o projeto Vidas Negras Importam. Esse projeto ajuda as pessoas a reconhecer seu valor, sua cor de pele e seus direitos. Nós trabalhamos com hip-hop, grafite, painéis e recebemos o Ronne, representante do grupo Monarckas, que relatou suas vivências, mostrou que devemos lutar pelos nossos objetivos, dizer não ao racismo e o que importa são os nossos sonhos. O que nos deixa mais felizes é ter recebido o Prêmio Paulo Freire e saber que a cor da pele não importa. Um abraço dos alunos do 5º ano A.”

Maria Julia L., 5º ano A

“Todos os projetos foram voltados contra o racismo. Aprendemos muito com a produção Monarckas. Também fomos para o Museu das Favelas e aprendemos que as favelas são muito importantes para nós. Depois eu aprendi com o jogo de mancala. Eu aprendi que não pode fazer bullying com os negros. Aprendi muito com a professora Nice. Ela falou muito sobre os povos africanos.”

Melissa Victória L., 5º ano B

“Os projetos foram voltados à conscientização e ao combate ao racismo. Foram muitas ideias boas, como jogar mancala, um jogo de origem africana. Um jogo que ensina a dividir. Experiência tão boa como o hip-hop, que veio das periferias.”

Nathan F., 5º ano B

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