Índios
Kleykeniho Fulni-ô, de 33 anos, faz parte do povo indígena fulni-ô

Hoje se celebra o Dia do Índio. Em 1940, lideranças indígenas decidiram participar do I Congresso Indigenista, no México, no dia 19 de Abril. O evento discutiu temas sobre a qualidade de vida dessa população. A participação dos indígenas no evento motivou a criação da data comemorativa três anos depois pelo então presidente Getúlio Vargas.

A data é comemorada pelos indígenas com eventos de esportes tradicionais como corridas e canoagem, além de festas com comidas típicas e manifestações em defesa dos seus direitos.

Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, estima-se que havia cerca de 8 milhões de habitantes na região amazônica. Hoje, 900 mil pessoas declaram-se indígenas, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Para comemorar este dia, confira a entrevista com Kleykeniho Fulni-ô, de 33 anos, que faz parte do povo indígena fulni-ô, uma tribo que vive em Águas Belas, Pernambuco.

Sua principal missão de vida é mostrar aos homens brancos a importância e a riqueza da cultura indígena. A entrevista foi publicada na edição 93 do Joca.

O seu nome tem algum significado?
Na aldeia, todos os índios têm o seu nome indígena e o nome da aldeia, que é como se fosse um sobrenome. Meu nome é Kleykeniho Fulni-ô. Kleykeniho significa “filho da onça” na minha língua, o iatê. Fulni-ô é minha tribo.

Como é a aldeia onde você vive?
Atualmente, há entre 7.500 e 8 mil índios. Nós temos duas aldeias: a ouricuri, que é um lugar religioso, onde nós ficamos de setembro a novembro e ao qual só os índios fulni-ô têm acesso; e a outra, no povoado, onde passamos os outros nove meses do ano e o homem branco pode entrar. Nesta aldeia nós trabalhamos, estudamos e vivenciamos nossa cultura.

Como vocês começaram a entrar em contato com o homem branco?
Nós tivemos que entrar em contato com o homem branco por causa das dificuldades da alimentação em função da seca no Nordeste. Águas Belas é considerada a terra do feijão e do milho, mas, em razão das constantes secas, nós não conseguimos mais plantar nenhum dos dois. Isso já acontece há muito tempo. Por isso, muitos índios precisaram estudar para ter emprego e conseguir sobreviver. Mesmo assim, grande parte da tribo vive da cultura, do artesanato. Nós vamos para cidades de todo o Brasil para levar os nossos conhecimentos, mostrar a nossa língua, nosso artesanato. Queremos que as pessoas saibam que no Nordeste há índios que têm muita cultura.

O que os índios podem ensinar, por exemplo?
Por mais que o índio tenha contato com o branco hoje, tenha acesso à tecnologia, aos meios de transporte, ele ainda tem a sua cultura. Nós saímos da aldeia mostrando como é possível ter mais respeito pela natureza, cuidar da água e ensinando como extraímos matéria-prima, como a palha. Nós também temos um grande conhecimento de ervas medicinais, que usamos em nosso dia a dia. Explicamos sobre as ervas medicinas do sertão. Muitas pessoas acham que lá não há ervas medicinais, mas isso não é verdade. Usamos as ervas para fazer chás que curam indisposição, dor de cabeça, dor de barriga, febre e vários outros tipos de doença. Quando não conhecemos uma doença, nós usamos a medicina do branco.

Todo mundo que mora na aldeia fala a língua materna?
Eu diria que 80%, 90% das pessoas que vivem na aldeia são falantes. Dentro da aldeia há escolas bilíngues, que ensinam português e a nossa língua, para reforçar esse contato com a língua materna, para que não se perca. Há índios que saem da aldeia, que são casados com brancos e perdem o contato com a língua materna.

Como os costumes são aplicados no dia a dia?
Nós vivenciamos o máximo que podemos de nossa cultura no cotidiano. Fazemos nossos cantos em casa ou em grupo, cantamos para agradecer a chuva que caiu do céu, falamos nossa língua materna, fazemos nossos artesanatos, como o arco e flecha, o cocar e o bodoque, que é um arco que atira pedras, entre outras práticas. O pai tem a obrigação de ensinar tudo o que sabe ao filho, e a mãe tem a obrigação de ensinar tudo o que sabe à filha. O pai ensina técnicas de caça, pesca, ervas medicinais, língua materna, costumes religiosos e outros. Já a mãe ensina a língua materna, ervas medicinais, artesanato e muito mais.

Vocês sempre moraram nas terras em que vivem atualmente?
Antes da chegada dos brancos ao Brasil, o índio já vivia ali. O povo fulni-ô é originário de cinco etnias. Todas viviam nessa mesma região. Ao entrar em contato com os brancos, elas começaram a contrair doenças que quase exterminaram essas comunidades. Assim, elas se juntaram e criaram o povo fulni-ô. Como as tradições das etnias eram muito semelhantes, fizeram isso para que a cultura não se perdesse.

Como essas terras foram dadas a vocês?
Os índios fulni-ô participaram da Guerra do Paraguai (1864-1870) – 66 índios foram para a guerra. Destes, só um retornou. Na época, os índios pediram que, pelo sangue derramado, aquele local não fosse tirado deles, e a princesa Isabel (1846-1921) deu a garantia das terras aos índios. Eles já eram donos, e isso foi reafirmado. Porém, como o branco tinha um poder de fogo muito maior, começou a tomar essas terras. Com isso, a Polícia Federal, a pedido dos índios e do presidente da Funai [Fundação Nacional do Índio], fez uma demarcação e constatou que essas terras realmente eram dos índios fulni-ô. Mas ainda temos lutas constantes para que os grandes proprietários entendam isso.

Você faz muitos trabalhos em escolas. O que os alunos podem esperar desses encontros?
É muito importante ir às escolas para mostrar ao branco brasileiro como é a cultura indígena, que muitas vezes não está no seu dia a dia. Há uma lei brasileira que obriga todas as escolas a vivenciar a cultura indígena. Como muitos professores não têm muitos conhecimentos sobre a tradição indígena, os próprios índios atuam como professores, levando a cultura para alunos de todo o país.

Para entrar em contato com os índios fulni-ô e aprender mais sobre sua cultura: grupofowafulnio@hotmail.com | (11) 949328011 | (87) 96236136

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