Você já deve ter ouvido histórias sobre um ser encantado chamado saci. O menino negro, que tem uma perna só e está sempre fazendo brincadeiras e travessuras por onde passa, é uma das principais figuras da cultura brasileira. Mas você sabia que existem pessoas especializadas em estudar essa criatura?

São os “sacyólogos”, pesquisadores que estudam diversas espécies de saci (há cerca de 300 delas) e se dedicam a compartilhar seus conhecimentos com os outros. Em entrevista à repórter mirim Maria Rita S., de 11 anos, Radamés da Silva, sacyólogo, professor e doutor em artes visuais pela Universidade de São Paulo (USP), contou um pouco sobre sua trajetória como estudioso da cultura popular brasileira e revelou algumas curiosidades sobre o saci. Confira.

Qual é o seu trabalho?
Eu sou sacyólogo, professor de artes e pesquisador. Alguns estudiosos preferem dizer que o folclore não se reduz apenas a seres como saci, curupira, boitatá, e sim a todo conhecimento que vai passando de geração em geração, como as brincadeiras de rua, comidas típicas… Tudo isso é folclore. E, quando a gente fala sobre os seres encantados (saci, curupira, Comadre Fulozinha, Matinta Perera…), nós estamos falando do que chamamos de imaginário popular brasileiro.

#pracegover: Radamés está diante de uma pintura e de uma imagem de um saci. Ele usa blusa branca e calça preta. Crédito de imagem: Arquivo pessoal

Como você começou a se interessar pelo folclore brasileiro?
Eu sempre tive muita curiosidade por essas histórias. Quando eu era criança, morava na zona rural da cidade de Areia, na Paraíba, e sempre ouvia falar das lendas urbanas e dos seres encantados do imaginário popular brasileiro. Até que, em 2014, participei de um encontro de protetores da saciada e, a partir dali, passei a ser um sacyólogo. Como esses seres estão dentro de uma questão mitológica, algumas pessoas acham que é lenda, mito. Mas outras acreditam de verdade que eles existem. Eu deixo que cada um entenda como achar melhor.

Por que a maioria das histórias do folclore são de origem indígena?
Quando a gente olha para os indígenas, vê que eles são protetores das florestas e têm muito respeito pela natureza. Quando a gente olha para seres encantados, vê que eles também têm essa relação com as matas. O saci-pererê, por exemplo, sabe muito sobre plantas medicinais e é um grande protetor das florestas. Outra semelhança entre esses seres e a cultura indígena é que a maioria deles anda descalço, assim como alguns indígenas andam até hoje, mantendo contato direto com a terra — apesar de, na atualidade, ter alguns que usam calçados. Mas no imaginário popular brasileiro, há também alguns casos de seres que são misturas de culturas, como o saci, que é um misto da cultura indígena com a negra.

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#pracegover: Maria Rita S. usa camisa jeans e faz um sinal de “joia” com o dedão da mão direta. Foto: arquivo pessoal

Qual é o personagem do folclore de que você mais gosta?
Eu gosto de todos, mas acho que é do saci. Existem mais de 300 espécies deles, e a mais conhecida é a do saci-pererê. Há algumas curiosidades sobre esse ser. Quando a gente vê um redemoinho mexendo as folhas ou a poeira, a tradição diz que há um saci ali. Outra coisa interessante são as técnicas que, segundo a crença, são usadas para caçar saci. Para atrai-lo, temos que usar as comidas que ele mais aprecia (grão de café, cocada e mingau de fubá) e preparar alguns instrumentos, como peneira de palha (no trançado dela tem que ter um X) e uma garrafa escura com uma rolha com X. Quando ele vier para pegar a comida, você joga a peneira, para que ele fique embaixo dela. Então, tem que levantar a peneira com muito cuidado e abrir a tampa da garrafa. Nesse momento, ele vai ser sugado para dentro dela. Com ele lá dentro, você pode ouvi-lo contar histórias, fazer campeonatos de assobio com ele… Mas o saci não pode passar mais do que uma noite dentro da garrafa, ele não gosta de ficar preso.

Qual é a importância do folclore para as crianças?
Quando estudamos sobre esse assunto, aprendemos sobre a importância da preservação do meio ambiente. Existem vários seres que são protetores da natureza: a iara, que é a protetora das águas; o saci, da floresta; e o curupira, que protege os animais terrestres. Além disso, é importante que a gente tenha conhecimentos sobre a cultura brasileira. Eu acredito que nós temos que saber das tradições e histórias de outros países também. Mas, aqui no Brasil, a gente conhece vários personagens tradicionais de outras nações, como gnomos e fada do dente, mas não sabe, por exemplo, que a tradição diz que existem mais de 300 espécies de saci. Os brasileiros têm mais contato com a cultura de outros países do que com a própria. A gente tem que valorizar mais as nossas raízes.

O uso da palavra Folclore
De acordo com Radamés da Silva, quando queremos nos referir a personagens como o saci, o melhor termo a se usar não é “folclore”, e sim “seres encantados do imaginário popular brasileiro”.

Por que “sacyólogo”, com Y?
“Sacy” foi a primeira forma da escrita para o termo que, em tupi-guarani, quer dizer “olho de mãe” – o ser é um eterno vigilante e protetor das crianças e da grande mãe chamada floresta.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 177 do jornal Joca

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