Foto: Agência Brasil / Ricardo Stuckert

Há um ano, em 25 de janeiro, a barragem B1, da mineradora Vale, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, rompeu-se. Uma onda de lama deixou centenas de motos — 259 encontrados e 11 ainda desaparecidos — e grandes prejuízos ao meio ambiente, como a poluição do rio Paraopeba (saiba mais na edição 133 do Joca).

Em 21 de janeiro, pouco antes do marco de um ano, o Ministério Público (MP) de Minas Gerais denunciou 16 funcionários da Vale e da companhia alemã TÜV SÜD, além das próprias empresas, por crime ambiental e homicídio doloso, quando existe intenção de matar. A barragem era operada pela mineradora brasileira e teve a segurança certificada pela empresa alemã.

Durante a investigação, feita pelo MP e pela Polícia Civil de Minas Gerais, foram coletados milhões de documentos, ouvidas 183 pessoas, cumpridos 23 mandados de busca e apreensão e analisados 94 dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores.

Perguntas e respostas sobre a acusação e a situação atual em Brumadinho.

Quem foi acusado?

Diretores, gerentes, consultores, coordenadores e engenheiros das empresas, incluindo o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, e o gerente-geral da TÜV SÜD, Chris-Peter Meier.

Segundo a investigação do MP, essas pessoas estavam diretamente envolvidas na criação de certificados falsos de segurança para a barragem que se rompeu e para outras barragens. Pelo menos dez estruturas estavam em “situação inaceitável de segurança” e, de acordo com o MP, as empresas sabiam disso desde 2017, mas esconderam a informação e não tomaram as medidas de segurança necessárias. Ainda segundo o MP, a atitude tinha como objetivo não causar prejuízos econômicos à Vale, já que a reputação da companhia (o que a sociedade, clientes e investidores pensam) e o lucro poderiam cair.

Essas pessoas podem ser presas?

Sim, mas isso depende da Justiça, que irá decidir se aceita a acusação. Só em um eventual julgamento a Justiça decidirá se elas irão ou não para a prisão.

Alguém já havia sido acusado pela tragédia antes?

Sim. Em setembro de 2019, a Polícia Federal (PF) indiciou (quando se encontram indícios/sinais de que alguém cometeu um crime) 13 funcionários da Vale e da TÜV SÜD, além das duas empresas, por uso de documentos falsos para atestar a segurança da barragem B1. No mês seguinte, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Brumadinho, da Câmara dos Deputados, pediu o indiciamento de 22 pessoas por homicídio doloso. Até agora, ninguém foi responsabilizado.

A causa do rompimento da barragem já foi descoberta?

Não. Todos os investigadores e especialistas concordam que a liquefação (quando material sólido se transforma em líquido) levou ao rompimento. Mas, segundo a PF, ainda falta determinar a causa da liquefação. Entre as hipóteses estão chuvas, explosões perto da barragem, problemas de drenagem (retirada de água) e tremores na terra. O relatório final é esperado para junho.

O que diz a defesa?

A Vale e a TÜV SÜD declararam que as investigações oficiais ainda não foram concluídas e que, portanto, é cedo para indicar culpados. As empresas reafirmaram o compromisso de fornecer informações às autoridades para que as causas do rompimento sejam esclarecidas.

Homenagens

A cidade foi palco de homenagens no dia 25 de janeiro. Entre elas, uma passeata do Movimento dos Atingidos por Barragens. Durante seis dias, mais de 350 moradores afetados pela lama percorreram a pé 300 quilômetros de Belo Horizonte até Brumadinho, relembrando a tragédia.

Já a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina do Córrego do Feijão de Brumadinho (Avabrum) anunciou um memorial a ser construído em homenagem às vítimas.

Fontes: Folha de S.Paulo, G1, UOL, Piauí, Agência Brasil, Estado de Minas, Prefeitura de Brumadinho, O Globo, Exame, Valor Econômico e Jornal GGN.

Brumadinho hoje

Sara Silva, brumadinho“A situação vai só piorando. Parece que estamos aprisionados. Minhas galinhas seguem morrendo — de cem estou com apenas 30 por causa da contaminação da água. Toda semana, a Vale entrega água mineral porque não podemos utilizar a água da torneira. As famílias estão indo embora. Não tem onde comprar alimento porque a única mercearia da comunidade está fechada. Minha loja também fechou e não fui ressarcida. Entrei com processo contra a Vale, que disse que a resposta viria em 30 dias, mas já faz seis meses e nada. Minha vida está paralisada. Reduziu o número de alunos na escola onde minha filha estuda. Todas as turmas serão em um horário só.” Sara Silva, 39 anos, vive no Córrego do Feijão, onde fica a mina da barragem que se rompeu

Tanara Silva, 37 - Brumadinho“O rio, onde a gente pescava, se banhava, brincava e lavava roupa, continua poluído. Muitas crianças passaram mal e tiveram que deixar a aldeia — e não pretendem voltar. Nós recebemos toda semana 1.020 litros de água mineral da Vale porque a água da rua não presta. Vamos receber benefício em dinheiro da mineradora por mais dez meses.” Tanara Santos, 37 anos, vive na reserva Naô Xohã, São Joaquim de Bicas (a 22 km de Brumadinho)

Soraia Nunes, 43 anos - Brumadinho“Quase todos os agricultores entraram em acordo individual com a Vale. O dinheiro é bom, mas só dá para comprar um terreno sem a estrutura toda de agricultura que a gente tinha aqui, com máquinas. Estamos dependendo da água mineral e do salário emergencial da Vale para sobreviver. Enquanto houver desaparecidos, Brumadinho continua de luto.” Soraia Nunes, 43 anos, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), vive no Parque do Lago, em Brumadinho

Natalia de Oliveira, 48 anos - Brumadinho“Sou irmã da Lecilda de Oliveira, uma das vítimas mortas nessa tragédia/crime da Vale, e ela ainda não foi encontrada. Há 365 dias espero por essa graça. O memorial [que será criado, conforme informação do texto principal da reportagem] foi pensando desde o começo porque toda a tragédia é um marco na vida das pessoas e vai servir para honrar a memória dos que foram e para que todas as pessoas lembrem daquilo para que isso nunca mais aconteça. Ele tem que ser impactante, assim como esse crime foi, para que todas as pessoas para que ali olharem vejam que, muito mais do que um número, são e histórias. Ali tem mães que não vão ver a formatura dos filhos. Filhos que não vão ter as mães nas suas formaturas.

(…)

A dor que tomou conta da nossa cidade, da nossa vida, da nossa alma, dos nossos conterrâneos, destruiu uma parte da nossa infância e uma parte do nosso futuro e fez o nosso presente ficar insuportável. Vai ser difícil para a gente reconstruir a nossa história, porque vão estar faltando peças insubstituíveis nesse nosso quebra-cabeças da vida.

(…)
O memorial é dor, é honra, é memória daquele dia que nunca vamos esquecer, mas também a memória de que aquele dia vai fazer parte da história e mudar toda a história da mineração em Brumadinho, no Brasil e no mundo.” Natália de Oliveira, 48 anos, vive no bairro Jota, em Brumadinho, e faz parte da Avabrum

Gabriel Parreiras“Faz 1 ano que mataram 270 pessoas e ainda não enxergamos uma luz no fim do túnel. Não vemos Brumadinho sobrevivendo sem o minério de ferro [atividade praticada pela mineradora Vale no município], como vivendo de cultura. A população segue enfrentando diversos problemas, como os psicológicos. Apenas no nosso grupo, 2.500 pessoas já foram auxiliadas.” Gabriel Parreiras, co-fundador e coodernador do grupo Amigos de Brumadinho, que reúne voluntários – clique aqui para saber mais.

João Luiz Murta, Brumadinho“Hoje vivo em Belo Horizonte, mas nasci em Brumadinho e cresci na cidade. Fui para lá no dia seguinte do rompimento da barragem e comecei a ajudar como voluntário (…). Ficava rodando as comunidades o dia todo para ajudar no que fosse preciso. Qualquer local que passe por algo como Brumadinho passou necessita de um processo de recuperação longo, de um trabalho de anos… Cinco, 10, 20 anos. Pois não há só o desastre físico, há o desastre social com suas consequências. Estamos unidos para superar as dificuldades e crescer com elas. O que nos move até hoje é contribuir com essa causa. É olhar para frente, manter a união e a cooperação, em conjunto pela cidade.”
João Luiz Murta, co-fundador e tesoureiro do grupo Amigos de Brumadinho

O que diz a Vale?

A mineradora declara que gastou 24,1 bilhões de reais em reparações pela tragédia, incluindo indenizações aos moradores, aluguel de casas temporárias, atendimento psicológico, entrega de 560 milhões de litros de água, projetos ambientais — como a recuperação do rio Paraopeba e abrigo a animais — compra de equipamentos para os bombeiros e desativação de barragens com risco de rompimento.

Um ano em números

Os dados da maior operação de resgate já realizada no Brasil

4.176 horas de ações de busca e salvamento

A área atingida pelos rejeitos equivale a 1,6 a área da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte

O volume de rejeitos da área de busca é de 10,5 milhões de metros cúbicos — cerca de 4,2 mil piscinas olímpicas. Com essa quantidade, seria possível fazer quatro pirâmides de Quéops, a maior do Egito.

3.214 bombeiros militares, entre mineiros e de outros 16 estados (além de Israel), já atuaram na ação

Já foram usados:

150 máquinas
31 aeronaves
7 drones

68 cães e tutores

Fonte: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

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