Enquanto a ajuda humanitária chega de todo o Brasil, especialistas explicam as condições climáticas e geográficas que provocaram a inundação histórica
Desde abril, as enchentes no Rio Grande do Sul (RS) já afetaram mais de 2 milhões de pessoas, deixaram 581 mil desalojados, 806 feridos, 157 vítimas fatais e 86 desaparecidos, segundo balanço divulgado no dia 20 de maio, pela Defesa Civil do estado. Mais de 75 mil habitantes estão em abrigos. Agora, com o recuo de cursos d’água como o Guaíba, na capital Porto Alegre, autoridades se preocupam também com serviços de limpeza e avaliação dos danos.
A repercussão da tragédia gerou uma onda histórica de mobilização de cidadãos, empresas e governos em todo o Brasil. A solidariedade chega ao RS por meio de doações distintas, como recursos financeiros, alimentos, água e roupas, além da atuação de inúmeros grupos voluntários. Segundo o governo federal, as doações recebidas chegaram a 2 mil toneladas. O Pix (meio eletrônico e instantâneo de pagamentos) SOS Rio Grande do Sul, organizado pelo governo do estado, havia arrecadado mais de 107 milhões até o dia 20 de maio. Os Correios, por exemplo, entregaram, durante três dias de atuação, mais de 800 toneladas de alimentos, materiais de limpeza e itens de vestuário.
Segundo o governo do RS, serão necessários pelo menos 19 bilhões de reais para reconstruir o estado. Confira alguns auxílios que a população gaúcha já recebeu.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA divulgou que 2.804 médicos de todo o país se inscreveram como voluntários durante o socorro às vítimas.
O GOVERNO DO RS isentou algumas tarifas para a população gaúcha e destinou recursos para áreas como educação e saúde.
O GOVERNO BRASILEIRO anunciou, em 15 de maio, o apoio financeiro de 5.100 reais para cada família desalojada (são cerca de 240 mil famílias). Além disso, liberou um fundo de 11 bilhões de reais para colaborar com a reconstrução do estado.
UMA SÉRIE DE ESTADOS brasileiros, países e entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas, também tem ajudado o RS.
NO COLÉGIO VISÃO, Unidade Águas Claras, no Distrito Federal (DF), a estudante Alice, do 5º ano, ficou preocupada ao pensar nas crianças que não terão aulas enquanto a situação no Rio Grande do Sul (RS) não se normaliza. Por isso, ela e a mãe entraram em contato com a escola para sugerir que os alunos enviassem algo para o estado.
Assim, no dia 13 de maio, Alice conversou com os estudantes sobre tudo o que está acontecendo no Sul e, com os professores e a coordenação, eles decidiram enviar para as crianças de lá kits com cartas, livros, materiais didáticos, gibis, revistas de passatempo e materiais como folhas de papel, lápis e giz de cera. “As crianças estão sofrendo e muitas delas não têm o que fazer. Então eu acho que os livros podem tirá-las da realidade por alguns momentos”, explica Fabiana Moura, coordenadora da escola.
O colégio pretende enviar mais de 300 kits por meio da Polícia Militar do DF. No entanto, a instituição acredita que ainda não é o bastante. “Estamos enviando apenas 300 kits e devem ser milhares de crianças. Então, se a gente falar mais sobre essa ideia, outras escolas podem se inspirar a doar kits assim também”, completa Fabiana.
UMA COMBINAÇÃO DE FATORES explica o volume de chuvas no RS. Primeiro, a temperatura elevada na região central do Brasil, especialmente a partir do Paraná. O efeito é gerado por uma área de alta pressão atmosférica, cujo ar está mais denso e seco. “Isso é quase um obstáculo sólido”, explica Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Por outro lado, nesta época do ano, as frentes frias vindas da Argentina e do Uruguai são mais comuns. “Nos últimos dias, elas avançaram para o RS uma atrás da outra e, quando alcançaram a bolha de alta pressão, não conseguiram passar”, diz Seluchi. “O contraste entre ar quente e frio cria condições propícias para chuvas.” Por fim, também houve uma corrente de ar que foi da Amazônia até a Região Sul do Brasil, trazendo ainda mais umidade.
As mudanças climáticas do planeta agravam esse cenário, segundo o especialista. A quantidade de umidade atmosférica, em forma de vapor, depende da temperatura do ar. Quanto mais quente, mais vapor e maior a possibilidade de chuva. “Como a temperatura do planeta está aumentando, esse volume de água também aumenta, gerando chuvas mais intensas”, afirma Seluchi. Além disso, há o aquecimento dos oceanos, que faz com que mais umidade seja evaporada e retida na atmosfera.
O QUE TAMBÉM EXPLICA o transbordo dos rios e lagos é a formação geográfica da região. A Serra Gaúcha, que fica ao norte da capital, Porto Alegre, da Laguna dos Patos e do Lago Guaíba, tem forte influência. Quando a chuva ocorre sobre a serra, os rios que nascem ali levam as águas à parte mais baixa da região, onde está a capital gaúcha, na borda de uma enorme lagoa, que reúne parte da Laguna dos Patos e do Lago Guaíba. “A água que vai caindo em diferentes pontos do estado vai sendo captada e jogada na parte mais baixa, como se fosse um guarda-chuva ao contrário”, afirma Marcelo Seluchi.
Antes da atual tragédia, Porto Alegre já havia vivido, em 1941, outra inundação severa. Foram 22 dias de chuva ininterrupta, que desabrigaram mais de 72 mil pessoas. “Está claro que os extremos meteorológicos e desastres estão se tornando cada vez mais intensos e frequentes. É preciso definir um plano de prevenção para evitar outras catástrofes”, finaliza.
CURTO PRAZO: executar ou aperfeiçoar planos de contingência, ou seja, o que a população deve fazer em casos de enchente, orientando sobre quando é necessário sair de casa, como analisar o nível da água, realizar o aprimoramento de sistemas de alerta e treinamentos etc.
PLANOS DE REDUÇÃO DE RISCO: realizar obras para desobstruir o fundo de rios e demais cursos d’água, fazendo com que não acumulem tanta água; e reflorestamento às margens desses locais, já que a vegetação e o solo ajudam a absorver parte da água.
MÉDIO E LONGO PRAZO: é preciso investir na prevenção de desastres, executando avaliações de risco que podem levar em consideração até mesmo a mudança de bairros ou cidades inteiras de lugar.
1.059 instituições educacionais afetadas, em 248 municípios.
378.981 estudantes impactados.
571 escolas danificadas, com 219.717 alunos matriculados.
86 escolas servindo de abrigo.
“[A tragédia] é uma coisa muito triste, faz a gente pensar sobre a nossa vida, porque eu não queria estar no lugar deles. Eu estou tentando ajudar, porque era o que queria que fizessem caso fosse comigo. Os livros são para a distração (…), ficar sem estudar é algo muito ruim. As cartas são para o apoio emocional, porque muitas crianças perderam tudo e devem estar tristes. Eu escrevi que ia ficar tudo bem e que tenho familiares lá. Fico feliz de estar ajudando em uma causa muito importante.” Alice, Brasília (DF).
ALTITUDE: distância vertical entre um ponto geográfico e, geralmente, o nível do mar.
FONTES: DEFESA CIVIL DO RS, CNN, EXAME, SOS RIO GRANDE DO SUL, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO GOVERNO FEDERAL, FOLHA DE S.PAULO E GLOBO REPÓRTER.
Esta matéria foi originalmente publicada na edição 224 do jornal Joca.
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.