Guarino Colli, coordenador da Rede Biota Cerrado. Crédito de imagem: Cecília Vieira/reprodução

O meio ambiente brasileiro é dividido em biomas, conjuntos de vida vegetal e animal com características próprias de cada região. No país, são seis: Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal e Cerrado. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), órgão responsável por proteger e monitorar as áreas de preservação do Brasil, o Cerrado é a segunda maior formação vegetal do território nacional, cobrindo cerca de 25% da área. Para conhecer mais sobre esse bioma, o repórter mirim Marc K., de 8 anos, conversou com Guarino Colli, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Rede Biota Cerrado, grupo de estudo voltado ao bioma.

Guarino, você gosta de estudar bichos e plantas desde criança? Quando decidiu ser biólogo?

Eu gosto de bicho desde que era muito novo. Na casa em que morava com meus pais tinha um quintal muito grande, e eu gostava muito de subir nas árvores, porque tinha pé de jabuticaba, goiaba, manga, jambo, laranja, limão, ameixa… E tinha muitos bichos que apareciam por lá também, muitos insetos. E eu fazia coleção de insetos. Depois, fui gostando mais ainda, tanto no ensino médio, como na faculdade.

Qual é exatamente o trabalho da Rede Biota Cerrado?

A rede é um grupo de pessoas — umas moram aqui em Brasília, outras em São Paulo, no Rio, Piauí, Mato Grosso… E a maior parte é professor ou professora de universidade. Também tem muitos alunos, que ainda estão aprendendo. Todos nós gostamos de trabalhar com a biota [conjunto de seres vivos] do Cerrado. Daí resolvemos nos reunir para estudar os animais e as plantas desse bioma, porque ele é diferente. Tem coisas que só tem aqui. E, hoje, as pessoas estão plantando muito para produzir alimento, como soja, para vender a outros países, mas, quando fazem isso, as plantas e os animais vão desaparecendo. Tem espécies que estão quase entrando em extinção. Então, nós estamos muito preocupados com a conservação do Cerrado, para que todo mundo possa conhecê-lo.

Quais são os maiores desafios?

Para a gente trabalhar, nós temos que viajar muito. Então temos que ter carro, computador, dinheiro para a gasolina, para a gente acampar, comer… A gente também analisa o DNA [estrutura microscópica que determina características dos seres vivos] dos animais e das plantas, para saber quem é parente de quem. Então, tudo isso precisa de muito dinheiro. E a nossa maior dificuldade é ter esse dinheiro para fazer todas essas coisas, sabe? O dinheiro, atualmente, vem do governo. E, quando a gente olha as notícias no jornal, às vezes a gente vê como falta dinheiro para muita coisa no país. Então, a maior dificuldade é ter dinheiro para a gente fazer as coisas que quer.

Tem algo que a gente possa fazer para ajudar?

Tem sim! A coisa mais difícil que tem, quando a gente está em uma escola, é conversar com as pessoas. Porque todo mundo pensa que o cientista só fica dentro do laboratório e não consegue nem conversar direito. É sempre um velhinho careca com os olhos bem apertadinhos, maquinando algo para destruir o mundo. Então, é muito legal quando a gente conversa com as pessoas, porque fica sabendo daquilo que a sociedade precisa. A rede aprende muito quando fala com pessoas iguais a você. Eu, por exemplo, estudo sapos e cobras. Então, eu fico pensando: “O que o Marc gostaria de saber sobre esses bichos? Será que ele se preocupa em conservar essas espécies? Será que gostaria de conhecer mais?”.

Quais são os principais bichos e plantas específicos do Cerrado?

Tem muitas espécies por aqui e quase metade delas tem só no Cerrado. Por exemplo, de todas as espécies de sapos, rãs e pererecas que tem nesse bioma (cerca de 200), metade não há em nenhum outro lugar. A mesma coisa para serpentes, lagartos, plantas e insetos.

Você já ouviu falar do pequi? Ele é uma árvore que dá uma fruta com sementes amarelas. Todo mundo daqui come com comida salgada e é algo que só tem aqui. Tem o lobo-guará, com as pernas bem compridas. Ele não vive em grupo (alcateia) como o lobo que tem em outros países, ele vive sozinho. Tem também muitos sapos e cobras daqui. Tem um lagarto chamado teiú, que, aqui no Cerrado, é vermelho. Em São Paulo, se você for ao zoológico, você verá um teiú preto e branco.

Eu vi uma vez uma espécie de caranguejo canibal. Tem algo parecido no Cerrado?

Você sabe que os animais muitas vezes fazem isso, comem outros da mesma espécie. E isso é até comum, dependendo do bicho.

Tem animais em risco de extinção por aí? Quais?

Tem muitos animais assim, um deles é o lobo-guará, que eu estava falando para você. Tem também o tamanduá, que tem um focinho bem comprido e uma língua fininha que usa para comer formiga e cupim. Ele está ameaçado, porque ele não consegue correr muito. Às vezes, as pessoas põem fogo no Cerrado e, quando isso acontece, ele tenta fugir, mas não consegue. Tem o tatu-canastra, que é o maior do Brasil — você pode ficar em pé em cima dele que o animal te leva, de tão grande que é. E tem muitos sapinhos, lagartos e cobras que estão ameaçadas de extinção.

Tem muitas espécies que estão ameaçadas porque só vivem em um lugar único e pequeno. No Cerrado, tem as chapadas, que são como montanhas que, com o tempo, foram deixando de ser pontudas e ficaram achatadas. Elas são lugares com muitas espécies que vivem só lá, isoladas.

Quais são os maiores problemas ambientais do Cerrado? A maioria é de origem natural ou causada pelo homem?

O maior problema que tem é o homem, é até triste a gente falar isso… A gente tem sempre que produzir mais alimentos, ter água limpa para todo mundo, eletricidade. Só que, quando produzimos eletricidade, é preciso de um lugar no ambiente para colocar a usina [tipo de fábrica]. Para gerar energia, há diferentes maneiras. É possível, por exemplo, produzi-la a partir da força das águas. Nesse caso, há grande impacto ambiental, porque é preciso de um espaço muito imenso para fazer uma represa, onde tudo fica debaixo da água. Então, às vezes, a barragem é tão grande que alaga as cidades. Aí as pessoas têm que se mudar e os animais e plantas que havia ali acabam morrendo.

Que dica você daria para crianças que pensam em ser biólogas?

A dica que eu dou é ir muito para o mato, passear muito, fazer trilha, andar na floresta, ficar olhando os animais e as plantas, tirar fotos. Porque assim a gente fica curioso, e a curiosidade é legal, porque faz a gente aprender muitas coisas.

E tem gente que traz coisas do Cerrado para casa, né?

É, pode trazer, só não é bom trazer animais e plantas vivas.

ESSA MATÉRIA FOI ATUALIZADA EM 11 DE ABRIL, ÀS 11H, COM O AC’RÉSCIMO DO CRÉDITO DA IMAGEM: “CECÍLIA VIEIRA/REPRODUÇÃO”.

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