O que te levou a ser jornalista?
Quando criança, eu admirava algumas professoras, então queria ser uma. E minha geração foi muito criada pela televisão, então, às vezes, tinha um personagem que era bombeiro, e eu falava: “Ah, quero ser bombeiro”. Conforme fui crescendo, tive contato com outras opções. Escolhi o jornalismo porque sempre achei que era um caminho para mudar as coisas. Pensando de uma maneira um pouco gigantesca, um desejo de mudar o mundo. Claro que não dá para sair transformando o mundo de uma vez, mas levar informação às pessoas é uma forma de fazer isso.

#pracegover: Cynthia está sentada em um escritório. Ela veste camisa e casaco brancos. Crédito de imagem: arquivo pessoal

De onde veio a ideia para o podcast Pretoteca?
Foi a criação de um jornalista que hoje está na Globo, o Luiz Teixeira. Ele trabalhou na Band e inaugurou esse podcast em 2020. Depois que ele saiu, a Rádio BandNews FM me convidou para assumi-lo. O podcast tem o direcionamento de falar sobre esse assunto [de lutas antirracistas]. Entrevistamos pessoas negras reconhecidas nesse universo. Por exemplo, a dona Léa Garcia, que infelizmente nos deixou há pouco tempo.

#pracegover: Juan está parado diante de várias plantas. Ele veste moletom cinza com estampa de olhos. Crédito de imagem: arquivo pessoal

E qual foi o episódio que mais te marcou?
Eu citei a Léa Garcia justamente porque o dela foi um dos que mais me marcaram. Eu tinha acabado de assistir ao filme Orfeu Negro, pelo qual ela concorreu a um dos prêmios mais importantes do cinema. E, naquela época, uma mulher negra concorrer a um prêmio desse foi gigantesco! Como eu cresci vendo essa mulher na TV, a conversa foi muito marcante (…). Eu me senti abraçada, próxima, conectada com uma pessoa que eu vi entrar na minha casa a vida inteira pela televisão.

Você já sofreu racismo?
Sim. A gente sofre quase diariamente. Antigamente se pensava, não declaradamente, que o racista era aquela pessoa que falava: “Eu não gosto de você porque você é preto”. Só que não dá para resumir a isso. O racismo é algo muito sério que está dentro da sociedade (…) a partir do momento que nós somos a maioria da população e não estamos inseridos onde deveríamos estar. Eu, por exemplo, ainda sou a única apresentadora preta de rede nacional aberta na Band. E isso não é só onde eu trabalho (…). E eu não falo apenas do jornalismo. Nunca tivemos um presidente brasileiro preto, sendo que nós somos maioria.

Qual conselho você daria para eu ficar de cabeça erguida se sofrer racismo? 
Eu tenho aprendido que é importante mostrar para pessoas como você, que estão começando a vida agora, que a nossa trajetória não começou pela dor. A gente sabe que houve a escravização, um passado muito doloroso para nossos bisavós e tataravós. Mas é importante que você busque, por exemplo, histórias e livros infantis que mostram a riqueza do povo preto. A gente descende de pessoas da África que eram reis e rainhas, tem muita coisa bonita para mostrar (…). Você é gigante e pode ser o que quiser. Tem dia que vai ser difícil, mas você dá a mão para quem está do seu lado, conversa com alguém em quem confia e de cabeça erguida — porque o Juan e a Cynthia juntos podem muito mais.

Qual o seu recado final para as crianças negras do Brasil? 
Que vocês são os nossos sonhos. O fato de vocês existirem é a realização do meu sonho e de quem veio antes. Essas pessoas passaram por muitas dificuldades para que a gente chegasse hoje com uma geração tão linda como a de vocês (…). E vocês estão muito mais preparados. Até mesmo na autoestima com os cabelos. Tive meu cabelo por muito tempo alisado para esconder essa beleza da negritude (…). Então eu digo para todas as crianças negras que se unam e não se esqueçam de onde vêm, que elas podem ser o que quiserem e que ser preto é lindo demais.

LÉA GARCIA (1933-2023)
Atriz brasileira, foi indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes, pela atuação em Orfeu Negro (1959), vencedor do Oscar como melhor filme estrangeiro, em 1960.

#pracegover: Léa Garcia está sentada, conversando com alguém. Ela veste blusa branca com estampa colorida e usa colar e brincos. Crédito de imagem: Wikimedia Commons

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 213 do jornal Joca.

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