Juliana e um pássaro da espécie azulão, durante um de seus estudos de campo. Foto: Arquivo pessoal

Você sabia que algumas pessoas tiram animais da natureza para vendê-los, de maneira ilegal? Isso faz parte do tráfico de animais. A boa notícia é que existem instituições e profissionais que trabalham para combater essa situação. É o caso da Juliana Machado Ferreira, uma das fundadoras e diretora executiva da Freeland Brasil, organização não governamental (ONG) que atua no combate ao tráfico de espécies da fauna e flora. Confira a entrevista que ela deu à repórter mirim Sofia dos S., de 8 anos.

A repórter mirim Sofia dos S., de 8 anos. Foto: arquivo pessoal

Como a ONG protege os animais dos traficantes?

Atuamos em diferentes faces dessa questão. Só existe a venda ilegal de animais porque existe quem compra. Então, fazemos palestras e trabalhamos com mídias e feiras de ciências em escolas, por exemplo, para tentar diminuir essa demanda e mostrar para as pessoas por que a venda de animais é controlada. A gente também apoia o combate ao crime com dados e ferramentas para fortalecer a legislação [conjunto de leis] e garantir que ela seja aplicada corretamente. Enquanto tem gente que está fazendo um trabalho super-relevante de ir lá e proteger o indivíduo, a gente tenta trabalhar com a situação de forma mais ampla. 

Para onde os traficantes levam os animais?
Primeiro, os animais são roubados da natureza por causa de encomendas ou para revenda. Depois disso, outro traficante começa a preparar cargas maiores [um número maior de animais para revender], que geralmente vão para polos importantes de comercialização, como as capitais do Sudeste. Mas o tráfico varia muito. No Norte, por exemplo, existe grande coleta de ovos e carnes de caça que são vendidos em mercados locais ilegalmente.

O tráfico é difícil de resumir porque existem muitos usos para diferentes consumidores, que procuram espécies distintas. Aqui no Brasil a gente pensa muito no tráfico de passarinho e papagaio, porque o volume é muito grande, mas a gente tem o tráfico de peças de carne e o tráfico para indústrias de cosméticos, por exemplo. Os animais que são resgatados e contabilizados são só os que foram resgatados vivos, mas a gente não pode esquecer que tem toda uma questão de tráfico de peles de répteis e carnes de caça, por exemplo, também.

Quais são os impactos do tráfico de animais?
São muito sérios, como o sofrimento dos animais que são coletados e transportados de forma horrorosa e passam a vida em cativeiros que, geralmente, são inadequados. Por mais que a pessoa que tenha um animal ilegal ame seu bicho, o cativeiro provavelmente é inadequado. Para mim, é uma violação de bem-estar que alguns animais, que evoluíram anos até conseguir voar centenas de quilômetros, passem a vida em uma gaiola. Além disso, quando o traficante tira espécies de onde estão e as leva para viver em outro lugar, elas podem se tornar prejudiciais para as populações de animais locais, trazendo doenças ou competindo por comida, por exemplo. Todos os animais têm uma função na natureza, isso mantém um equilíbrio. É como uma cama elástica: se você pula em um ponto, quem está do outro lado balança também. 

Depois que os animais são apreendidos, eles só podem ser soltos na natureza se forem soltos na hora. Mas, se não forem, eles têm que ir para centros de triagem e reabilitação de animais silvestres, que vão avaliar esses bichos, porque muitas vezes eles estão machucados ou fora da área onde ocorrem naturalmente. Como eu disse, a gente não pode soltar um animal em uma área onde ele não ocorre porque isso pode causar uma série de problemas. A gente precisa garantir que ele mostre certos comportamentos, como reconhecer seu alimento natural e fugir dos predadores. Tudo isso pode ser reaprendido com um bom treinamento.

O que acontece com os traficantes de animais quando eles são descobertos?
Quando a gente fala de tráfico de animais, tem que pensar em uma série de ações que fazem parte disso. O tráfico envolve a coleta ilegal [do animal em seu ambiente natural], o transporte ilegal e a manutenção ilegal. São várias ações de diferentes pessoas que buscam ter um ganho em cima do animal, que está sendo utilizado de forma irregular.

Quando eles são descobertos, a consequência depende muito se há algum agravante (o tráfico em geral ocorre com outros crimes, como corrupção e contrabando e, quando isso acontece, a consequência é mais grave). Tem também outros agravantes, como o número de espécies [traficadas] e se a espécie é ameaçada ou não. Tudo isso muda um pouco.

Mas, no geral, os crimes contra a fauna na nossa legislação federal são entendidos como sendo de menor potencial ofensivo, que são aqueles que a lei coloca a pena máxima [ou seja, tempo de prisão máximo] como menor de dois anos. Eles acabam caindo nos juizados especiais, que permitem ao infrator assinar um acordo em que ele pode pagar uma multa ou fazer um serviço à comunidade ou doar cesta básica e, depois, ficar livre. Essa infração também fica na ficha [Certidão de Antecedentes Criminais, que mostra os crimes que a pessoa cometeu] deles por cinco anos. Depois, é apagada.

Na minha opinião, isso é um grande problema nos casos dos grandes traficantes. Muito compram os animais por um preço muito baixo e depois vendem por bem mais caro. Se são pegos, eles só precisam pagar uma multa e, em cinco anos, estão tranquilos. Mas hoje já existe uma preocupação de não oferecer esse acordo quando a pessoa é pega novamente, por exemplo.

Em geral, eles vão para a delegacia e vão embora. Isso é frustrante para o policial, porque ele fica com vários animais apreendidos e o traficante vai embora.

Como é o trabalho da ONG?
A missão da Freeland Brasil é a conservação da biodiversidade por meio do combate ao tráfico de espécies silvestres, tanto da flora como da fauna, mas principalmente da fauna. Nós trabalhamos em três frentes principais: educação e conscientização; apoio às agências que combatem o crime de tráfico, por meio de capacitações e desenvolvimento de materiais e pesquisas; e políticas públicas e articulação internacional, em que a gente trabalha, por exemplo, analisando projetos de leis. Eu gosto de dizer que essas frentes são um tripé, porque, sem uma delas, as outras não se sustentam.

Como é seu dia a dia protegendo os animais?
De 2006 a 2014, eu fui voluntária colaboradora da organização S.O.S Fauna, que apoia a polícia após a apreensão dos animais para mantê-los vivos depois da soltura. A maior taxa de morte não é antes da apreensão com os traficantes, e sim depois disso, porque os agentes não têm apoio e infraestrutura para cuidar dos animais. Já na Freeland a gente não resgata os animais diretamente, atuamos de forma mais sistêmica [palavra que se refere a método e organização]. Isso no dia a dia não é tão divertido, mas tem um impacto muito grande para os animais. Minha rotina é ficar sentada na frente do computador escrevendo relatórios, fazendo reuniões e analisando dados e projetos de lei. De vez em quando, a gente trabalha com servidores públicos de diferentes agências, como a Polícia Federal e o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] para coordenar e capacitar os membros de lá.

Juliana durante um trabalho no campo. Foto: arquivo pessoal

Como você decidiu trabalhar resgatando animais?
Atualmente, eu não resgato animais diretamente, mas eu nasci amando os animais. Eu cresci em uma chácara e tive muito contato com eles, e meus pais sempre diziam que eu sempre tive um senso de justiça muito apurado. Eu já sabia que queria trabalhar com a natureza e os animais, então entrei na faculdade de biologia e, na pós-graduação, comecei a trabalhar com genética da conservação.

Comecei a me interessar em como as decisões [sobre a conservação da fauna e flora] são tomadas e passei a me sentir desconfortável em ficar muito tempo fechada na universidade desenvolvendo pesquisas, porque entendi que o público tinha pouco entendimento em relação a determinadas coisas, como o motivo pelo qual a venda de animais é controlada.

No meio do meu mestrado, em 2004, eu descobri o lugar mais legal do mundo, que é um laboratório que lida com crimes envolvendo fauna silvestre dos Estados Unidos. Depois de muita insistência, consegui fazer um estágio lá como voluntária e voltei por vários anos. Lá, aprendi muito sobre tráfico de fauna, flora e madeira internacional e me interessei muito por esse assunto.

Em 2006, descobri o trabalho da S.O.S Fauna e comecei a aprender sobre o tráfico que acontecia dentro do Brasil. Aprendi muito sobre as necessidades [para a apreensão dos animais], porque o S.O.S Fauna dá um apoio fenomenal na apreensão. Isso me interessou muito, desde o bem-estar dos animais – que ficam muito debilitados e são seres vivos que sentem medo e dor – até a falta que esses animais fazem na natureza. Eu comecei a ver como essa questão era importante e aprendi que o tráfico só acontece em conjunção com outros crimes, como corrupção e contrabando. Então, comecei a ver que não era só uma questão ambiental, e sim criminal.  

Quais são os principais desafios no trabalho na ONG?
Os recursos financeiros. Por exemplo: eu faço uma proposta de um projeto e mando para diferentes fontes de financiamentos, que aprovam ou não esse financiamento. Quando esse projeto é aprovado, a gente usa o pagamento para a equipe, os custos do projeto e para manter nosso escritório (para pagar o aluguel, por exemplo). Como a gente não tem uma fonte de renda regular, se acabar um projeto e a gente não conseguir aprovar outro, a gente passa a não ter pagamento e a equipe fica sem [receber] até a gente conseguir aprovar outro. Além disso, a gente vê um monte de problemas e quer ajudar em tudo, mas precisamos entender quais são os nossos limites.

Como nós podemos ajudar os animais?
Existem muitas formas, desde se voluntariar em uma ONG que trabalha com isso até doar e conseguir doações [para apoiar a causa]. Falar sobre esse problema para conscientizar o leitor também é fantástico, porque ajuda a reduzir a demanda pelo tráfico. Mas também é necessário buscar informação e tratar do assunto de forma que não seja julgando a pessoa que tem um animal ilegal, e sim conversando com ela para explicar. As pessoas têm seus motivos, muitas vezes não têm conhecimento sobre por que não precisamos ter animais silvestres, por exemplo, presos dentro de casa. Isso também depende muito das pessoas que fazem as leis [políticos eleitos] e de quem comanda o país, então é preciso pensar bastante em quem a gente elege e apoiar quem se importa com essa causa. 

*Esta reportagem é uma versão estendida da matéria publicada na edição 162 do Joca.

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Comentários (2)

  • pietra.pierozzi@alunopueri.com.br

    2 anos atrás

    Amei

  • Antony

    3 anos atrás

    acho muito errado tirar qualquer animal de seu lar sendo silvestre ou não sendo, mais que bom que existe as ongs que salvam os animais.

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