Antes de ajudar deficientes visuais no dia a dia, os cães-guia precisam passar por um treinamento chamado socialização. Nesse processo, eles vivem com uma família que os ajuda a se preparar para a tarefa que vão assumir. Isis Grace, professora da rede municipal de ensino de São Paulo (SP), é umas das pessoas que colaboram com a socialização de cães-guia.

Em entrevista a Lucas K., 11 anos, integrante do Clube do Joca, ela conta como decidiu ajudar a socializar Hanna, uma cadela de 11 meses, e quais são os benefícios que um cão-guia em treinamento traz para todos que convivem com ele — inclusive na escola em que Isis trabalha, o CEU (Centro Educacional Unificado) Perus.

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A professora Isis Grace com Hanna, a cadela que ela está ajudando a socializar. #pracegover: Isis Grace no gramado com a cão-guia Hanna, uma labradora preta. Crédito de imagem: ARQUIVO PESSOAL

Como surgiu a ideia de socializar a Hanna?
Por muitos anos, na minha casa vivíamos apenas eu e meu esposo e estávamos sempre estudando e trabalhando, então tínhamos pouco tempo para cuidar de animais. Em 2021, fui diagnosticada com câncer e, no início do tratamento, eu precisava fazer algo diferente para não pensar sobre a doença. Em julho, decidi adotar o Duck, um cãozinho pequeno e fofo, e, em setembro, adotei a Layla. Com dois cachorros em casa, decidi pesquisar sobre cursos de adestramento, porque gosto de cães bem-educados [risos]. Encontrei um vídeo que contava sobre a formação de cão-guia e fui sabendo mais sobre famílias socializadoras. Fiquei tão curiosa que busquei informações nas redes sociais e encontrei o perfil do @lucky_nos_guia, um cachorro do Instituto Iris [organização que atua na inclusão e qualidade de vida das pessoas com deficiência visual por meio do treinamento e doação de cães-guia] que está em formação para ser cão-guia. As histórias do Lucky me fizeram acreditar que seria muito divertido socializar um cão-guia.

Que tipo de benefícios os cães-guia trazem? E para os seus estudantes?
Para deficientes visuais, o cão-guia traz mais confiança durante as caminhadas, agilidade, liberdade e melhora a vida social. Já escutei uma pessoa com deficiência visual dizer que, depois que começou circular com o cão-guia, ela fez muitos amigos, porque as pessoas ficam curiosas e querem conversar sobre o animal. Socializar um cão-guia na escola pública municipal é algo incrível. Eu sou professora de educação especial [para jovens com deficiência], então a Hanna passa muitas horas comigo na escola e os alunos ficam felizes quando a veem circulando e aprendem sobre como se comportar diante de um cão-guia. Todos eles compreendem que, quando a Hanna está de colete, ela está trabalhando e não pode brincar. Mas, sem o colete, a Hanna fica livre para fazer caminhadas, beber água, comer, correr e brincar. Eles aprendem sobre respeito, tolerância e cuidados básicos com o cão. Acredito que, por conviver com um cão-guia em socialização, esses estudantes serão adultos mais compreensíveis com as necessidades das pessoas com deficiência e sobre a importância dos cães de serviço e assistência para a sociedade.

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#pracegover: Lucas usa camiseta listrada em verde e azul. Ele sorri e está em um jardim. Foto: arquivo pessoal

Do que um cachorro precisa para ser cão-guia?
Para responder a essa pergunta, vou utilizar dos conhecimentos que aprendi com o Alessandro Barbosa, treinador da Hanna. Para ser cão-guia, o cachorro precisa ser inteligente, dócil e de médio ou grande porte. Ele também precisa ser de uma raça adequada para isso — aqui no Brasil, os mais comuns são os labradores e golden retrievers. O cão que tem de 45 a 60 dias passa por um teste de comportamento para saber se não é agressivo ou extremamente medroso. Depois, e após ter recebido as vacinas necessárias, ele ficará aproximadamente um ano morando com a família socializadora. Após esse período, o animal é devolvido para o Instituto Iris e começa o treinamento específico, com duração de seis meses, em que ele aprenderá a desviar de obstáculos, o que é direita e esquerda, entre outros comandos necessários para guiar a pessoa com deficiência visual. Quando o cão é aprovado em todas as aulas, é doado para uma pessoa com deficiência visual. O animal é doado a partir da compatibilidade comportamental entre ele e o novo tutor.

E você, teve que passar por algum tipo de treinamento?
Sim, mas não tive que pagar por um curso, pois o instrutor de cão-guia nos ensina tudo o que podemos e não podemos fazer. Apesar disso, penso que, para ser família socializadora, é preciso gostar de animais e ter muita paciência, porque esse cão chega filhote e faz tudo que um filhote gosta de fazer, como comer objetos e pular nas pessoas.

Para você, o que significa ser socializadora de cão-guia?
Quando socializamos um cão-guia, vivemos a empatia, pois nos colocamos, de certa forma, no lugar da pessoa com deficiência visual e podemos praticar o desapego como um ato de amor. Pense comigo: a socialização de um cão-guia dura um ano, então passamos todo esse tempo apresentando o cachorro para as pessoas, conhecendo lugares, e depois o devolvemos para a instituição. Cuidar do cachorro e depois deixá-lo seguir seu propósito de vida é um ato de amor para as outras pessoas que precisam dele.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 188 do jornal Joca.

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