Depois de os alunos passarem boa parte de 2020 e 2021 estudando a distância, em casa, este ano está sendo marcado pela retomada 100% presencial às salas de aula. E não faltam desafios, tanto para eles como para os professores, após tanto tempo de ensino remoto em virtude da pandemia. Para entender como está a situação agora, alguns meses depois do retorno, o Joca conversou com estudantes e educadores de todas as regiões do Brasil.

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#pracegover: dois estudantes de costas, carregando mochilas, andam abraçados. Crédito de imagem: MARCELO SILVA_AGÊNCIA BRASIL

Relação com a tecnologia
Após meses estudando em casa, às vezes com acesso fácil a aparelhos como celular, dificuldades não vistas antes da pandemia surgiram na sala de aula.

“Os alunos não têm usado muito celular em sala de aula porque não utilizamos o aparelho na escola. Mas, como durante o isolamento as crianças ficaram muito tempo diante do celular, acabaram se acostumando com a facilidade de digitar nele (as palavras já vêm prontas quando você começa a escrever) e de tudo ser muito rápido e interativo. Agora, alguns estudantes, quando precisam usar livros de papel ou ir para o quadro, acabam tendo dificuldade para interpretar textos e escrever. Ao mesmo tempo, alguns alunos não tiveram acesso à tecnologia durante o isolamento. Nesse caso, eles não podiam acompanhar as aulas remotas e perderam muito do contato com os professores e a rotina escolar.” Marcela Medeiros, professora do 3º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Jael da Silva Barradas, Boa Vista (RR)

“Eu acho que fiquei muito tempo nas telas [durante o período de ensino remoto]. Mas, agora, eu não estou achando difícil ficar sem o celular quando estou na escola. Para alguns colegas, acho que está difícil, mas para outros nem tanto. No fim, acho que os alunos conseguem aprender mais nas aulas presenciais do que on-line, porque no ensino remoto tinha mais bagunça.” Ismael V., 8 anos, aluno da Escola Municipal Jael da Silva Barradas, Boa Vista (RR)

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#pracegover: Ismael usa moletom cinza com detalhes em bege e branco. Foto: arquivo pessoal

Comportamento na sala de aula
A disposição para estudar e a concentração durante as aulas também foram afetadas.

“Alguns alunos voltaram do isolamento com muita vontade de estudar. Outros retornaram sem responsabilidade com os estudos. Tínhamos muitas faltas e, na sala de aula, alguns estudantes estavam mais dispersos e dependentes dos professores — não tinham mais a autonomia que demonstravam antes da pandemia. Acredito que, pelo tempo em casa, eles ficaram muito dependentes dos pais ou responsáveis para fazer as atividades escolares. Muitos também não tinham aparelhos eletrônicos para entrar nas aulas remotas, o que era difícil. Agora, eles já estão se habituando à volta ao presencial: estão faltando menos e a maioria assiste às aulas com mais concentração.” Rosilene Silva, professora do 4º ano da Emef Prof. Laerte José dos Santos, Osasco (SP)

“Eu me acostumei rápido com as aulas presenciais, porque gosto muito de estudar e estava com saudade de interagir com pessoas que não fossem só os meus irmãos. Mas eu conheço algumas pessoas que tiveram dificuldades para se adaptar ao ensino presencial. Na hora da aula, algumas ficam o tempo todo reclamando que estão com fome ou se levantam para conversar. Acho que fazem essas coisas porque, quando estavam no ensino remoto, podiam comer toda hora ou conversar com outras pessoas. Então criaram esses hábitos e, na escola, acabam fazendo as mesmas coisas que faziam em casa.” Emanuel R., 9 anos, aluno da Emef Prof. Laerte José dos Santos, Osasco (SP)

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#pracegover: Emanuel veste camiseta branca com detalhe verde na gola. Em seu pescoço, um colar colorido. Foto: arquivo pessoal

Relacionamento com os colegas
Estar com os amigos fez muita falta durante o fechamento das escolas. Mas o retorno trouxe desafios para os relacionamentos.

“As crianças perceberam melhor a necessidade que têm de conviver entre elas. Antes da pandemia, como isso fazia parte da rotina, elas consideravam natural. Depois do período em que tiveram aulas on-line, os alunos voltaram valorizando esses momentos, com mais vontade de estar juntos e compartilhando experiências. Eles não chegam a brigar, mas estão se impondo mais, percebendo menos os desejos do outro. Estamos trabalhando esse diálogo entre eles.” Ana Cristina Silva, professora do 3º ano do Colégio Motiva Oriental, João Pessoa (PB)

“Na aula on-line não tinha muita interação entre os colegas, até porque os intervalos eram mais curtos. No presencial, dá para interagir mais, brincar mais. De casa, não dava para discutir com um colega porque a professora ouvia tudo e logo interrompia — presencialmente, às vezes, acontecem discussões. A maior diferença que senti foi que, durante a época em que ficamos em casa, não fiz nenhum amigo novo. Mas, agora que voltamos presencialmente, fiz vários amigos novos.” Marina D., 8 anos, aluna do Colégio Motiva Oriental, João Pessoa (PB)

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#pracegover: Marina está sentada em uma cadeira na escola. Ela usa blusa branca com detalhe verde na manga. Foto: arquivo pessoal

Dificuldade para seguir regras
Escola e casa são locais em que organização, horários e regras nem sempre
são iguais. O retorno para a sala de aula deixou isso ainda mais evidente.

“A mudança de postura depois do estudo remoto foi enorme. Os alunos ficaram a maior parte do tempo em casa e, acredito, sozinhos, porque os pais precisavam trabalhar. Então a fiscalização para garantir que eles estavam fazendo as tarefas e estudando não aconteceu. Agora, quando precisamos colocar as regras, eles não estão mais aceitando, porque não estão mais acostumados com elas. Nós estamos voltando a impor regras em um passo bem lento, não queremos impor tudo ao mesmo tempo. Antes, a gente cobrava bem mais, mas eles acham que não, que agora estamos sendo bem mais exigentes. Mas é porque esqueceram. Na sala, temos vários grupos — alguns aceitam as normas e até ajudam os professores. Quando conversei com as famílias, percebi que elas determinaram uma organização em casa nos últimos dois anos, por isso o filho voltou para a escola sabendo lidar com as regras. Por outro lado, houve famílias que deixaram as regras por conta da escola. Alguns alunos já começaram a entrar no ritmo, mas outros ainda vão precisar de um tempo. O problema é que, sem a família, a escola não consegue resolver isso sozinha.” Ana Cristina Souza, professora de matemática do Colégio Positivo – Júnior, Curitiba (PR)

“Principalmente no começo, havia muita euforia de chegar à escola e encontrar os amigos. Nesse momento, até as regras mais simples pareciam difíceis de seguir, porque queríamos conversar depois de dois anos sem nos ver. A regra mais descumprida era, sem dúvida, o uso de máscara da maneira correta, mas também havia um desrespeito com o professor. Nas aulas on-line, alguns alunos só entravam para ganhar a presença e não ficavam, e agora eles querem conversar enquanto o professor fala ou mesmo ficar com fone de ouvido [durante a aula]. Antes da pandemia, já havia algum tipo de resistência às regras, mas não era tão intensa. Por causa do isolamento social, algumas pessoas ficaram mais agressivas, mas a gente não sabe como estava a vida de cada um. [Em momentos em que vejo desrespeito com o professor,] eu tento fazer minha parte, falando que o processo de produzir a aula, ensinar e tirar dúvidas é cansativo, os professores não merecem lidar com falta de respeito.” Gabriella G., 14 anos, aluna do Colégio Positivo – Júnior, Curitiba (PR)

Gabriella
#pracegover: Gabriella usa vestido colorido e está de óculos. Foto: arquivo pessoal

Uso de máscara
O entendimento sobre o direito de permanecer ou não de máscara dentro da escola é mais um dos temas da retomada ao presencial.

“Na nossa escola, os estudantes, com os pais ou responsáveis, passaram a decidir se usam ou não a máscara. A escola, porém, não exige que o façam. Por outro lado, em respeito à lei do DF [Distrito Federal] no 6.559/20, os professores e demais funcionários continuam obrigados a usar a máscara. Alguns alunos já não comparecem de máscara, e outros, por recomendação da família, permanecem indo de máscara. Já observamos que alguns vão de máscara, mas, ao entrar na sala, tiram a máscara ou a usam indevidamente. Na escola, a orientação é fazer com que todos se respeitem diante das decisões que tomaram com a família, tranquilizando os estudantes que ainda se sentem inseguros e com medo do não uso das máscaras. Nossa preocupação é com a segurança de todos, de quem usa ou não usa máscara.” Geniane Lúcia Ribeiro Martins, coordenadora pedagógica da educação infantil e fundamental I do Colégio Barão do Rio Branco, Brasília (DF)

“Eu continuo usando máscara na escola. Acredito que, apesar de o governador ter liberado o uso, a pandemia ainda não acabou. O novo coronavírus e tantos outros ainda estão aí, e a máscara é essencial para preveni-los. Na minha sala, a maioria dos alunos também ainda faz uso da máscara, mesmo que alguns já a tenham dispensado. Tanto os que optaram por permanecer com a máscara como os que decidiram mantê-la têm seus motivos, e eles devem ser respeitados.” Maria Luiza C., 14 anos, Brasília (DF)

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#pracegover: Maria Luiza usa blusa regata colorida e sorri. Foto: arquivo pessoal

Todos na escola
Uma pesquisa feita pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Fundo das Nações Unidas Para a Infância (Unicef) e do Itaú Social, divulgada em 5 de abril, mostrou que mais de 80% das redes municipais de educação do Brasil retomaram aulas totalmente presenciais. Para o levantamento, foram ouvidas 3.372 secretarias municipais de educação pelo país, entre 22 de fevereiro e 8 de março.

O estudo também aponta que um dos principais desafios para as redes públicas de ensino, agora, é localizar estudantes que não voltaram para a escola neste ano. No segundo trimestre de 2021, a quantidade de crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos que não estava matriculada em uma escola aumentou em 171% na comparação com o mesmo período de 2019. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No dia 28 de março, o Ministério da Educação (MEC) lançou a campanha Disque 100 Brasil na Escola. O número está aberto para receber ligações sobre crianças e adolescentes que não estejam matriculados na rede de ensino ou não estejam frequentando a escola. Basta discar 100 de um telefone, gratuitamente. Depois da chamada, o MEC fará o direcionamento do caso para ser acompanhado e tentar garantir que o jovem retome os estudos.

“Precisamos unir esforços, nós do MEC, os sistemas de ensino, os professores, familiares e toda a sociedade, para trazer nossos estudantes de volta às escolas e fortalecer esses vínculos. A ação nos permitirá elaborar políticas públicas efetivas e colocar em prática, de forma coordenada, iniciativas para o enfrentamento à evasão e ao abandono escolar. Vamos, juntos, garantir que nenhuma criança fique fora da escola”, disse Mauro Rabelo, secretário de Educação Básica do MEC, no lançamento da campanha.

Fontes: G1, Ministério da Educação, Todos Pela Educação e Undime.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 185 do jornal Joca.

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