Palavras-chave: meditação, respiração, redes cerebrais, cérebro, distração, foco.
Autores
Saampras Ganesan, Nicholas T. Van Dam, Bradford A. Moffat, Valentina Lorenzetti e Andrew Zalesky
Jovens revisores
St. Albans Secondary College e Tammy.
No dia a dia, muitas vezes ficamos distraídos por nossos pensamentos e sentimentos. Podemos até deixar de perceber que estamos desatentos e passamos muito tempo sonhando acordados quando queremos nos concentrar em outra coisa. Às vezes, mesmo se notamos que estamos distraídos, pode ser difícil voltar nossa atenção para o que estávamos fazendo. A distração e a dificuldade em controlar nossa atenção podem causar vários problemas. Por exemplo, alguns alunos acham difícil aprender em virtude de distrações frequentes e por não prestar atenção às aulas. Para outras pessoas, pensar repetidamente em lembranças ruins ou preocupações pode afetar seu humor. Felizmente, pesquisas sugerem que podemos aprender a controlar nossa atenção e gerenciar distrações praticando meditação. Neste artigo, apresentamos um método simples da prática e descrevemos o que acontece no cérebro quando meditamos.
Frequentemente, as pessoas se distraem ao tentar se concentrar em uma atividade ou ouvir alguém. Por exemplo, durante uma palestra em sala de aula, um estudante pode ficar distraído por pensamentos (como “O que será que há para o jantar?”), emoções (como tristeza por ter discutido com um amigo) ou sensações (como ouvir sons de pássaros que estão lá fora ou sentir coceira), o que pode fazer com que se distancie da sala de aula. Ao fazer o dever de casa, os alunos podem acabar se vendo navegando pelas mídias sociais sem estar completamente cientes* de como isso veio a acontecer. Essas distrações podem levar a erros nas lições de casa ou provas, afetando o aprendizado e possivelmente prejudicando as notas [1].
Muitas vezes, não percebemos que estamos distraídos até experimentar algumas consequências negativas imediatas. Por exemplo, um estudante pode não necessariamente notar que estava pensando nos planos para o fim de semana durante uma palestra em classe até que o professor faça uma pergunta. Pode ser bastante desafiador controlar a atenção e gerenciar as distrações. Usar mídias sociais ou relembrar histórias engraçadas pode ser útil e importante, mas também é capaz de interferir na concentração e impactar negativamente atividades importantes, como aprender ou escutar [1].
Ocasionalmente, quando os pensamentos que nos distraem são tristes ou preocupantes, eles podem causar estresse e afetar o nosso humor. Por exemplo, algumas pessoas lutam contra diálogos internos negativos*, ou pensam repetidamente sobre problemas do passado ou do futuro. Esses padrões de pensamento também podem impedir a nossa habilidade de nos concentrar e afetar a memória, o aprendizado, as amizades e a saúde mental como um todo. Em alguns casos extremos, padrões de pensamentos negativos, preocupação extrema ou emoções intensas podem levar a problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.
Mesmo se for algo que queremos, pode ser desafiador controlar a nossa atenção e lidar com as distrações. No entanto, pesquisas sugerem que a prática regular da meditação é capaz de nos equipar com uma consciência maior sobre os pensamentos e sentimentos que nos distraem e, assim, facilitar o gerenciamento dessas distrações [2]. Das muitas técnicas de meditação, a de atenção plena* é uma das mais básicas e amplamente praticadas [3].
Durante a meditação de atenção plena, você simplesmente presta atenção à sensação da respiração: no nariz, abdome e/ou peito. Inevitavelmente, pensamentos vão te distrair e interferir e desviar seu foco da respiração. Sempre que isso acontece e você percebe que não está mais prestando atenção à respiração, apenas tenta deixar os pensamentos de lado e voltar o foco a ela (Figura 1).
Usando uma tecnologia avançada de medição cerebral chamada ressonância magnética funcional* (fMRI, na sigla em inglês), os pesquisadores podem observar o que ocorre no cérebro durante uma atividade ou estado mental. Eles têm utilizado fMRI para entender o que acontece no cérebro quando uma pessoa pensa em algo. O escaneamento com ressonância magnética funcional mede as mudanças no fluxo sanguíneo em diferentes partes do cérebro ocasionadas pela atividade das células do órgão quando estão descansando ou realizando uma tarefa. Quando as pessoas são instruídas a deixar a mente vagar e pensar livremente, a ressonância magnética funcional mostra que um grupo de regiões cerebrais trabalhando juntas, chamado de rede de modo padrão*, torna-se ativo [4]. Curiosamente, a pesquisa demonstra que a mesma rede se torna ativa quando as pessoas se distraem enquanto realizam uma atividade. Em outras palavras, refletir e ter pensamentos que distraem são amplamente apoiados por uma rede de modo padrão altamente ativa [4].
Recentemente, resultados de todos os estudos de fMRI sobre meditação de atenção plena realizados em todo o mundo (envolvendo 721 participantes no total) foram combinados e analisados [3]. O objetivo era identificar as respostas cerebrais mais consistentes durante a meditação de atenção plena em comparação com o pensamento habitual e o pensamento distraído. Verificou-se que a atividade da rede de modo padrão, que geralmente é bastante ativa durante as distrações, cai durante a meditação. Duas outras redes cerebrais também foram identificadas como ativas durante a meditação: a rede de saliência* e a rede de controle*.
A rede de saliência geralmente está ativa quando alguém processa e toma consciência dos sinais de entrada de seu corpo, como a respiração. A rede de controle, por outro lado, ajuda a mudar a atenção de um sinal ou atividade para outro. Como um árbitro julgando e concedendo pontos durante uma luta de boxe, a rede de controle faz a mediação e resolve conflitos entre dois ou mais sinais concorrentes no cérebro (por exemplo, sinais de respiração versus pensamentos que distraem).
Então, como essas três redes cerebrais podem estar envolvidas na meditação da atenção plena [3]? Quando uma pessoa começa a meditar voltando a atenção para a respiração, surge um conflito no cérebro entre dois sinais concorrentes — sinais respiratórios e pensamentos que distraem. Usando a analogia apresentada acima, pense nisso como uma luta de boxe entre a rede de saliência (que processa sinais de respiração) e a rede de modo padrão (que apoia pensamentos que distraem) (Figura 2). Para moderar essa luta de boxe, o árbitro (rede de controle) fica on-line. Se a pessoa propositadamente tentar focar a atenção nos sinais de respiração, isso aumenta as chances da rede de saliência de “dar socos mais fortes” e receber pontos da rede de controle. Como resultado, a rede de modo padrão se torna menos ativa. É neste momento que a pessoa pode se sentir focada e altamente consciente da própria respiração, com muito poucos pensamentos que a distraem ou até mesmo nenhum.
Essa diminuição na atividade do modo padrão, contudo, geralmente é curta e dura apenas o período em que a pessoa permanece no estado focado. Em razão da natureza da prática da meditação, as distrações tendem a surgir rapidamente, em especial para iniciantes. Sempre que a pessoa perde o foco na respiração com pensamentos que a distraem, a rede de modo padrão se torna mais ativa e “dá socos mais fortes”, levando a rede de controle a conceder pontos à rede de modo padrão. Isso pode reduzir a atividade da rede de saliência (Figura 2).
Toda vez que a rede de modo padrão ganha alguns pontos e surgem distrações, a pessoa que está meditando deve reconhecer com tranquilidade os pensamentos que a distraem e evitar a frustração. Depois de perceber que se distraiu, ela deve tentar retomar a atenção na respiração sem desistir. Se a pessoa que está meditando desistir ou desanimar, a rede de modo padrão pode acabar assumindo uma liderança substancial em pontos. Embora a batalha entre as redes de saliência e modo padrão possa parecer infindável no início, o treinamento regular da atenção pode aumentar as chances de o praticante conseguir superar a rede de modo padrão.
Com mais treino e experiência, aqueles que meditam podem aprender a exercer a atenção com mais habilidade e perceber pensamentos que os distraem mais rapidamente. Pesquisas mostram que a prática regular da meditação pode melhorar a concentração durante as atividades e o aprendizado e reduzir a tendência de se perder mentalmente no passado ou no futuro. A meditação também pode minimizar o impacto do estresse no humor e na saúde mental.
Lembre-se de que uma rede ativa no modo padrão certamente é útil para aprender, ter criatividade e se divertir. A divagação mental pode nos ajudar a ter novas ideias e desenvolver soluções criativas para problemas. O objetivo da meditação não é desligar completamente essa rede cerebral ou interromper totalmente os pensamentos, e sim auxiliar as pessoas a ter melhor controle sobre sua rede de modo padrão e processos de pensamento. Assim, aprender, ouvir e se divertir podem se tornar atividades mais agradáveis e produtivas, com menos distrações.
Como qualquer área de pesquisa, alguns desafios precisam ser considerados. Apesar de haver bastante evidência que mostre que a prática da meditação pode aumentar a felicidade, o bem-estar emocional e a saúde mental, ela também pode, às vezes, causar efeitos desagradáveis e se tornar opressora para algumas pessoas que sofrem de doenças mentais graves. Portanto é importante aprender e praticar a meditação com orientação adequada. Com tecnologias avançadas de medição cerebral, como fMRI, é possível tentar entender a base de alguns desses efeitos desagradáveis. Além disso, para desenvolver um entendimento mais detalhado e confiável de como o cérebro funciona durante a meditação, a área precisa de grandes colaborações internacionais, bem como de mentes jovens interessadas no assunto. Ainda há muito sobre meditação e o cérebro esperando para ser explorado por jovens cientistas em todo o mundo.
*ciente: ↑saber ou ter consciência de algo.
*diálogos internos negativos: ↑ dizer coisas sobre si mesmo usando a sua voz interna (por exemplo, “eu não sou bom o suficiente nisso” ou “eu não vou passar nessa prova”).
*meditação de atenção plena: ↑ vertente de meditação muitas vezes focada na respiração. A prática atua para treinar a atenção e a consciência dos nossos pensamentos e sentimentos.
*ressonância magnética funcional: ↑ tecnologia utilizada para medir mudanças no fluxo sanguíneo ocasionadas por alterações na atividade das células cerebrais em resposta a uma tarefa ou estado de espírito.
*rede de modo padrão: ↑ grupo de áreas do cérebro que trabalham juntas e apoiam o pensamento e o devaneio.
*rede de saliência: ↑ grupo de áreas do cérebro que trabalham juntas e apoiam o processamento e a consciência de sinais corporais internos (como respiração e batimentos cardíacos).
*rede de controle: ↑ grupo de áreas do cérebro que trabalham juntas para colaborar com o gerenciamento da nossa atenção e mudar de maneira flexível nosso foco de um comportamento/uma tarefa para outro.
Os autores declaram que a pesquisa foi realizada na ausência de quaisquer relações comerciais ou financeiras que pudessem ser interpretadas como potencial conflito de interesses.
Os autores gostariam de agradecer à senhora Richa Bhutani por suas valiosas impressões e perspectivas leigas das versões iniciais do artigo. Esta pesquisa não recebeu nenhuma doação específica de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos. Saampras Ganesan foi apoiado pela bolsa do Australian Research Training Program (RTP) e pela bolsa complementar do Graeme Clark Institute (GCI). Andrew Zalesky recebeu suporte da bolsa de pesquisa sênior do NHMRC (APP1118153) e da bolsa Rebecca L. Cooper. Valentina Lorenzetti teve apoio da bolsa de pesquisa sênior AI & Val Rosenstrauss (2022-2026), da bolsa de pesquisa do NHMRC (2023-2027; 2016833) e de financiamento da Australian Catholic University. Nicholas T. Van Dam recebeu suporte do Contemplative Studies Centre, fundado por uma doação filantrópica da Three Springs Foundation Pty Ltd.
[2] ↑ Mrazek, M. D., Mooneyham, B. W. e Schooler, J. W. 2014. “Insights from quiet minds: the converging fields of mindfulness and mind-wandering”, em Meditation – Neuroscientific Approaches and Philosophical Implications, eds. S. Schmidt e H. Walach (Cham: Springer International Publishing), p. 227–41.
[3] ↑ Ganesan, S., Beyer, E., Moffat, B., Van Dam, N. T., Lorenzetti, V. e Zalesky, A. 2022. Focused attention meditation in healthy adults: a systematic review and meta-analysis of cross-sectional functional MRI studies. Neurosci. Biobehav. Rev. 141:104846. Doi: 10.1016/j.neubiorev.2022.104846.
[4] ↑ Christoff, K., Gordon, A. M., Smallwood, J., Smith, R. e Schooler, J. W. 2009. Experience sampling during fMRI reveals default network and executive system contributions to mind wandering. Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A. 106:8719–24. Doi: 10.1073/pnas.0900234106.
Ganesan S, Van Dam NT, Moffat BA, Lorenzetti V e Zalesky A (2024) What Happens in Your Brain When You Meditate?. Front. Young Minds. 12:1274934. Doi: 10.3389/frym.2024.1274934.
Daniel Hermens
Kate Bray e Alexis Pracar
Enviado: 9 de agosto de 2023; aceito: 17 de julho de 2024; publicado on-line: 5 de agosto de 2024.
Copyright © 2024 Ganesan, Van Dam, Moffat, Lorenzetti and Zalesky
Saampras Ganesan
Saampras está fazendo um Ph.D. no Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade de Melbourne, Austrália. A pesquisa dele busca compreender os efeitos da meditação na função cerebral e vida diária e como a meditação e a atenção plena podem se tornar mais acessíveis com o uso da tecnologia para iniciantes e pacientes psiquiátricos. Saampras é copresidente da primeira associação internacional de neuroimagem do mundo (Enigma-Meditation) em meditação, que procura estudar os efeitos cerebrais da prática. A pesquisa de Saampras é apoiada por vários colaboradores internacionais nos Estados Unidos e Reino Unido. *saamprasg@student.unimelb.edu.au
Nicholas T. Van Dam
Van Dam é diretor do Contemplative Studies Centre e professor associado da Melbourne School of Psychological Sciences, da Universidade de Melbourne, Austrália. Sua perspectiva para o Contemplative Studies Centre envolve a criação de um ambiente inclusivo, receptivo e ético para investigar e pesquisar rigorosamente várias práticas contemplativas (como meditação). O programa de pesquisa de Van Dam abrange a exploração de maneiras como as práticas de meditação e mindfulness podem apoiar o bem-estar, assim como o desenvolvimento de melhores compreensão e tratamento de transtornos psiquiátricos de alta prevalência (ou seja, ansiedade, depressão e vícios).
Bradford A. Moffat
Moffat é pesquisador sênior em radiologia científica de ressonância magnética (RM) e físico-chefe da Melbourne Brain Centre 7 Tesla MRI Facility, da Universidade de Melbourne, Austrália. Ele é especialista certificado em segurança de RM com 20 anos de experiência na técnica de imagem por RM funcional (fMRI, na sigla em inglês) humana. Sua experiência em física e engenharia de RM o ajudou em vários projetos usando o scanner 7T MRI. Moffat também é coorientador do doutorado do senhor Ganesan.
Valentina Lorenzetti
Lorenzetti é vice-diretora do Healthy Brain and Mind Research Centre e chefe do Programa de Neurociência do Vício e Saúde Mental da Australian Catholic University. Ela é reconhecida como especialista no campo da neurociência do vício. Usando ferramentas avançadas de imagem cerebral, sua pesquisa se concentra em investigar os efeitos cerebrais e mentais da dependência de canabis e álcool, bem como depressão, transtornos psicóticos, jogos de azar e dependência de opiáceos. Lorenzetti também é coorientadora do Ph.D. do senhor Ganesan.
Andrew Zalesky
Zalesky colidera o Laboratório de Sistemas do Departamento de Psiquiatria e tem uma nomeação conjunta das faculdades de engenharia e medicina da Universidade de Melbourne, na Austrália. Ele está entre o 1% dos melhores pesquisadores do mundo, de acordo com citações relacionadas a seu trabalho. Atualmente, Zalesky é editor-chefe da revista Neuroimage Clinical e atua como editor associado da Network Neuroscience and Brain Topography. Zalesky é reconhecido pelas novas ferramentas que vem desenvolvendo para analisar redes cerebrais e sua aplicação ao estudo de distúrbios do cérebro. Ele é o principal supervisor do Ph.D. do senhor Ganesan.
St. Albans Secondary College – 14-15 anos
A St. Albans Secondary College é uma escola mista para crianças de 7 a 12 anos localizada a 18 quilômetros a noroeste do centro de Melbourne. A comunidade de St. Albans deu as boas-vindas aos recém-chegados a Austrália desde sua criação, na década de 1950, o que reflete na diversidade cultural e linguística de nossos alunos, bem como na vitalidade multicultural de nossa comunidade. Gostaríamos de agradecer em especial a Lina, Julien, Selina, Neha, Richard, Vincent, Leyna, e Josephine por este trabalho!
Tammy – 11 anos
Tammy tem 11 anos e atualmente está no quinto ano do fundamental. Ela tem muito interesse em ciências, especialmente a neurociência. Tammy gosta de pintar e também está aprendendo a tocar o piano e a dançar ballet. Ela tem um irmão mais novo que é muito fofo. Apesar de as vezes brigarem, eles brincam muito juntos e juntos, de mãos dadas, exploram o mundo.
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Texto traduzido do site: What Happens in Your Brain When You Meditate? · Frontiers for Young Minds (frontiersin.org)
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Muito legal! Acho que vou meditar mais
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