Em protesto na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, em junho, manifestante levanta a mão em punho, simbolo de resistência na luta contra o racismo. Foto: Ira L. Black/Corbis via Getty Images

Desde a morte do norte-americano George Floyd, um homem negro e desarmado, por um policial branco na cidade de Minneapolis, em 25 de maio, pessoas ao redor do mundo têm prestado mais atenção a acontecimentos e discussões que envolvem o racismo (saiba mais na edição 151 do Joca).

É o caso da morte de Rayshard Brooks, um homem negro morto por um policial branco em Atlanta, nos Estados Unidos, em 12 de junho. O fato ocorreu após uma abordagem para verificar se Brooks estava alcoolizado. O policial envolvido foi demitido e chegou a ser preso, mas foi solto após pagar fiança (valor estabelecido para sair da prisão). Ele responderá a um processo judicial.

No Brasil, casos de violência policial contra pessoas negras também foram registrados no período. Entre os dias 13 e 14 de junho, dois homens negros foram mortos em operações policiais após ter se rendido — um em Barueri, município da Região Metropolitana de São Paulo, e outro na capital paulista. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), 114 policiais envolvidos nos acontecimentos estão sob investigação.

Por conta das agressões recentes, pessoas seguiram saindo às ruas para protestar contra o racismo em países como Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Estados Unidos, França e Inglaterra. Em alguns lugares, as manifestações aconteceram mesmo após a proibição de reuniões desse tipo por causa da pandemia do novo coronavírus. Na França, por exemplo, o governo afirmou que qualquer aglomeração de mais de dez pessoas estava vetada.

Estátuas e monumentos

O Monumento às Bandeiras, em São Paulo, após ter sido pintado com tintas coloridas em 2016. Foto: YouTube/ Reprodução

Em meio aos protestos, alguns monumentos em homenagem a personalidades ligadas ao racismo e à escravização estão sendo vandalizados ou retirados das ruas. É o caso de uma estátua do rei Leopoldo II, em Antuérpia, na Bélgica, que o governo decidiu remover. O monarca foi responsável por colonizar (ou seja, ocupar e explorar) o Congo Belga, na África, e escravizar a população da região. Um dos porta-vozes do governo da cidade, Johan Vermant, afirmou que a estátua deve ser transferida para um museu. Ao menos outras seis cidades belgas tiveram bustos do rei Leopoldo II vandalizados.

No Brasil, estátuas já foram pichadas em prol da luta contra o racismo. Em setembro de 2016, por exemplo, o Monumento às Bandeiras, na cidade de São Paulo, foi pintado com tintas coloridas. A escultura é uma homenagem aos bandeirantes, grupo que explorava o interior da América do Sul em busca de riquezas (como o ouro) e que escravizou negros e indígenas.

Entretanto, há pessoas contrárias à retirada das estátuas. Elas acreditam que é importante mostrar quem eram essas figuras históricas e o que elas fizeram.

História: escravidão
Entre os séculos 16 e 19, diversos países europeus, como Portugal, Espanha, Inglaterra e França, adquiriam negros africanos e os obrigavam a trabalhar como escravos, principalmente em suas colônias. No caso de Portugal, a principal colônia era o Brasil, para onde foram trazidos quase 5 milhões de pessoas a serem escravizadas.

A escravidão por aqui durou cerca de 340 anos — só acabou em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão. 

Como era a vida dos negros escravizados no Brasil?

• Os “donos” dos escravizados escolhiam qual trabalho eles iriam realizar. Muitos exerciam serviços em engenhos de açúcar, plantações de café, minas e domicílios (onde cuidavam das tarefas das casas), entre outros. 
• Muitas vezes, os escravizados eram obrigados a usar ferramentas de trabalho perigosas. Com isso, colocavam a vida em risco.
• Nos engenhos de açúcar, por exemplo, eles chegavam a trabalhar de 18 a 20 horas por dia. Hoje, um trabalhador costuma atuar oito horas por dia. 
• Toda vez que se rebelavam ou faziam algo que não agradasse os “superiores”, eram castigados.
• A alimentação, em geral, era restrita. Um escravizado cujo “dono” tinha dinheiro costumava receber alimentos como feijão, banana, arroz e farinha de mandioca. Se o “proprietário” tivesse menos posses, alguns passavam meses comendo apenas laranja e farinha.
• Em virtude das péssimas condições de vida, a maioria dos escravizados não vivia muito. A expectativa de vida nos engenhos de açúcar, por exemplo, era de 23 anos.

Qual é a relação entre escravidão e racismo?
A ciência já provou que todas as raças têm as mesmas condições de estudar, trabalhar, inventar e praticar esportes, entre outros. Mas, em determinado período da história, os brancos (europeus e descendentes de europeus) acreditavam que faziam parte de uma raça superior e que os negros eram inferiores. Segundo o livro Escravidão – Volume 1, de Laurentino Gomes, essa tese era uma das justificativas usadas para “explicar” a escravização dos negros. Segundo essa ideologia, os negros eram naturalmente atrasados e menos capazes do que os brancos, e só poderiam se tornar mais “civilizados” caso se tornassem escravos dos brancos. Atualmente, essa teoria é considerada racista e absurda pelos mais renomados cientistas e historiadores do mundo.

O que aconteceu após o fim da escravidão no Brasil?
Os ex-escravizados ou descendentes de escravizados não receberam do governo incentivos e oportunidades para que tivessem melhores condições de vida. Com isso, muitos continuaram a viver sob condições precárias, com acesso restrito à educação, moradia e saneamento básico. As primeiras favelas, por exemplo, foram construídas por ex-escravizados. O Brasil ainda sofre as consequências do período da escravidão e do pós-abolição: muitos negros continuam sendo alvo de preconceito e tendo menos acesso a oportunidades.  

Consciência desde cedo
“Crianças e jovens precisam, sim, aprender sobre racismo porque as diferenças e desigualdades já começam a ser percebidas e vividas muito cedo”, explica Rodney William, doutor em ciências sociais e considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) umas das cem pessoas afrodescendentes mais influentes de 2019.

Mas o que fazer, ainda na infância, quando o assunto é racismo? “Talvez a melhor dica antirracista seja assumir que o problema existe e é de todos”, afirma Rodney. Para ele, o fato de o racismo organizar as relações da nossa sociedade “nos faz achar ‘normal’, por exemplo, que uma escola particular quase não tenha alunos nem professores negros. Mas os porteiros, seguranças e faxineiros são quase sempre negros e, muitas vezes, “invisibilizados”, isto é, ninguém os nota. Já nas escolas públicas, muitas vezes, a maioria dos alunos é negra. Precisamos perceber que isso é uma desigualdade que se construiu de maneira histórica e sistemática, tendo a questão racial como base. Olhar ao redor e perceber onde estão os negros, que posições ocupam e como vivem, vai nos dar uma dimensão do problema”.

Rodney William, doutor em ciências sociais e considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) umas das cem pessoas afrodescendentes mais influentes de 2019. Foto: Divulgação

Segundo Rodney, o ambiente escolar é fundamental nesse processo. “Na escola, geralmente, as crianças negras sofrem os primeiros episódios de racismo. Caso aconteça, é preciso falar a respeito e instruir, propondo ações e demonstrando que diferenças raciais não justificam tratamentos desiguais, muito menos desumanos”, diz ele.

A população negra no Brasil 

55% dos negros afirmam já ter sofrido preconceito por cor ou raça.

75% das vítimas de violência policial são negros. 

Brancos que se formaram na universidade ganham, por hora, 45% a mais do que os negros que têm a mesma escolaridade.

No mercado de trabalho, apenas 29% dos cargos mais altos, de gerência, são ocupados por negros.

A taxa de negros que se formam no ensino médio é de 61,8%, enquanto a de brancos é de 76,8%.

Outros casos de racismo pelo mundo

Estados Unidos
No início do século 20, o racismo estava presente até nas leis norte-americanas. Em alguns estados e cidades, negros não podiam, por exemplo, ser proprietários ou até mesmo ocupar determinadas casas e não tinham permissão para dividir o mesmo espaço que os brancos nos ônibus (negros só podiam sentar na parte de trás e, caso a parte da frente, destinada aos brancos, estivesse cheia, tinham que ceder um assento na parte de trás aos brancos).   

África do Sul
De 1948 a 1991, o país possuiu um sistema chamado de Apartheid, na qual negros não tinham os mesmos direitos do que os brancos. Negros não podiam, por exemplo, estudar na mesma escola ou casar com pessoas brancas. Além disso, 90% das terras eram destinadas aos brancos, enquanto os negros só tinham direito a 10% das propriedades. 

Termos racistas que ainda são usados

“Cor de pele”: muita gente se refere a um tipo de rosa claro como “cor de pele”. O problema é que essa cor não representa o tom de pele de todas as pessoas. 

“Criado-mudo”: chamar as mesinhas que ficam ao lado da cama de “criado-mudo” é uma referência à época em que os negros eram escravizados. Aqueles que eram obrigados a fazer tarefas de casa eram chamados de criados, sendo que alguns tinham que passar dias e noites parados em silêncio ao lado da cama de quem serviam para segurar coisas, como copos d’água. Por isso, sempre que for se referir a esse objeto, opte por chamá-lo de “mesa de cabeceira”.

“Cabelo ruim”: se referir ao cabelo afro (que é cacheado ou crespo) como “ruim” é algo que deprecia a beleza das pessoas negras.

“A coisa está preta” ou “passado negro”: usar a palavra “preta” no sentido de algo negativo reforça o racismo.

“Lista negra”: a expressão, que significa que a pessoa está com uma imagem ruim, também associa o termo “negro” a algo negativo.

“Doméstica”: algumas pessoas ainda usam esse termo para se referir a funcionárias que prestam serviços em casas. Entretanto, ele possui origem racista, pois vem de uma época em que os negros eram tratados como animais que precisavam ser domesticados.

O que eu penso sobre…
“Se chegou no ponto de a gente protestar naquela terça-feira em que tudo parou [movimento conhecido pela hashtag #blackouttuesday nas redes sociais, ocorrido em 2 de junho] e todos colocaram fotos pretas no feed, é porque estamos cansados de ver nosso povo morrendo. Mas eu acho que não adianta a gente fazer protestos se as pessoas não mudam. Acho que o racismo vai acabar quando as pessoas começarem a mudar, quando a educação nas escolas começar a mudar e quando as outras pessoas nos virem como pessoas e perceberem que podemos ter os mesmos direitos que elas. A maioria dos brasileiros são pretos, mas a maioria das pessoas que estão no poder não são. O jeito para podermos mostrar nosso poder e talento é com as pessoas nos chamando para falar, mas não só no Dia da Consciência Negra. Porque falar sobre racismo é importante, mas não é só sobre isso que sabemos falar, a gente sabe falar sobre outras coisas também. Não adianta as pessoas brancas colocarem fotos escrito ‘pare de nos matar’ só porque estavam no momento e depois esquecer. Se você postou isso, vai ter que nos acompanhar nessa luta e nos dar voz para que possamos falar. Os brancos precisam dar crédito e entender o que estamos falando. Se falamos que os pretos estão morrendo, eles não têm que duvidar, precisam entender.” Soffia C., 16 anos, de São Paulo (SP)

* Esta reportagem é uma versão estendida da matéria publicada na edição 152 do Joca.

Fontes: Escravidão – Volume 1: Do Primeiro Leilão de Cativos em Portugal até a Morte de Zumbi dos Palmares (Gomes, Laurentino; 2019; Globo Livros); História da Alimentação no Brasil (Cascudo, Luis da Câmara; 1967; Global Editora), CartaCapital, Portal Geledés, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, History, BBC, Canal Futura, Superiteressante, El País, Folha de S.Paulo, Estadão, G1, Kiwi Kids News, Nexo, Revista Fórum, Terra, Veja São Paulo e UOL

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Comentários (12)

  • Miguel Letier

    3 anos atrás

    Eu também sou branco e o racismo é uma ação assustadora.#BLACKLIVESMATTER

  • Manoel De Jesus Ribeiro De Alencar Alencar

    3 anos atrás

    eu sou um menino branco mais nao tolero racismo ate o neymar nao gosta

  • Christiane

    3 anos atrás

    TODOS SOMOS IGUAIS não podemos julgar o outro por fora, as vezes as pessoas são diferentes por fora mas são meigas, legais, bondosas... Mas sabemos que o mundo não vai mudar agora, talvez daqui a um tempo teremos justiça.

  • Nataly Alves Porto

    3 anos atrás

    Todos somos iguais, temos que respeitar, FORA RACISMO

  • beljoca

    3 anos atrás

    Todos somos seres humanos, todos somos iguais , e todos somos pessoas! BLACK LIVES MATTER!

  • Joana

    3 anos atrás

    Eu sou um dos piores exemplos para falar sobre isso sou uma menina branca e de classe media alta, mais eu acredito em um mundo melhor então acho que posso lutar também.

  • Denise Grabarz

    3 anos atrás

    nossa essa publicação é triste mas interesante

  • Mariza Mariza Martins Pires

    3 anos atrás

    Para mim isso é um assunto muito delicado de lidar e devemos continuar lutando pela liberdades de todos não importa a cor das pessoas

  • Felipe spina

    3 anos atrás

    Para mim isso é um assunto muito delicado de lidar e devemos continuar lutando pela liberdades de todos não inporta a cor

  • Tiago Meschiatte Ubinha

    3 anos atrás

    Isso é uma coisa muito séria, para mim isso é muito importante, devemos continuar lutando sobre a igualdade social negra, sobre os direitos que todos temos, merecemos ser todos tratados bem, esses protestos é uma causa boa de pessoas que devem se importar sobre a igualdade, esse luto é muito importante para negros, algo precisam conversar sobre isso, e ver que providencia vai ter a respeito, medidas precisam ser tomadas, e com muito cuidado, eu tenho só 10 anos e sei muito bem sobre a importância que tem de luto sobre a igualdade social.

  • dudu

    3 anos atrás

    eu concordo com isso pois isso tem que acabar

  • Isabella Beatriz Graifman Rivera

    3 anos atrás

    isto e um assunto muito serio,em muitas redes sociais estao falando sobre isso (tik tok,tweetr e instragam)E ISTO E MUITO BOM!! DEVEMOS CONTINUAR SIM!!ADULTO OU CRIANCA,DEVEMOS AJUDAR!! #BLACKLIVESMATTER

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