Desde a morte do norteamericano George Floyd, um homem negro e desarmado, por um policial branco na cidade de Minneapolis, em 25 de maio, pessoas ao redor do mundo têm prestado mais atenção a acontecimentos e discussões que envolvem o racismo (saiba mais na edição 151 do Joca).

É o caso da morte de Rayshard Brooks, um homem negro morto por um policial branco em Atlanta, nos Estados Unidos, em 12 de junho. O fato ocorreu após uma abordagem para verificar se Brooks estava alcoolizado. O policial envolvido foi demitido e chegou a ser preso, mas foi solto após pagar fiança (valor estabelecido para sair da prisão). Ele responderá a um processo judicial.

#pracegover: em Colônia, na Alemanha, pessoas permanecem de punhos fechados e erguidos durante 8 minutos e 46 segundos em tributo a George Floyd, durante manifestação. Foto: Andreas Rentz/Getty Images

No Brasil, casos de violência policial contra pessoas negras também foram registrados no período. Entre os dias 13 e 14 de junho, dois homens negros foram mortos em operações policiais após ter se rendido — um em Barueri, município da Região Metropolitana de São Paulo, e outro na capital paulista. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), 114 policiais envolvidos nos acontecimentos estão sob investigação.

#pracegover: em Bristol, na Inglaterra, manifestantes transportam estátua do traficante de escravizados Edward Colston para ser jogada no rio Avon. Os manifestantes apoiam a estátua, que está pichada e no chão. Foto: Giulia Spadafora/NurPhoto via Getty Images

Por conta das agressões recentes, pessoas seguiram saindo às ruas para protestar contra o racismo em países como Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Estados Unidos, França e Inglaterra. Em alguns lugares, as manifestações aconteceram mesmo após a proibição de reuniões desse tipo por causa da pandemia do novo coronavírus. Na França, por exemplo, o governo afirmou que qualquer aglomeração de mais de dez pessoas estava vetada.

#pracegover: jovem segura cartaz com a tradução do lema “Black Lives Matter” durante protesto pela morte de George Floyd e de pessoas negras vítimas da violência policial no Brasil. No cartaz, lê-se: vidas negras importam, frase escrita em tinta vermelha. Também em tinta vermelha há marcas de mãos no mesmo cartaz. Foto: Buda Mendes/Getty Images

Estátuas e monumentos
Em meio aos protestos, alguns monumentos em homenagem a personalidades ligadas ao racismo e à escravização estão sendo vandalizados ou retirados das ruas. É o caso de uma estátua do rei Leopoldo II, em Antuérpia, na Bélgica, que o governo decidiu remover. O monarca foi responsável por colonizar (ou seja, ocupar e explorar) o Congo Belga, na África, e escravizar a população da região. Um dos porta-vozes do governo da cidade, Johan Vermant, afirmou que a estátua deve ser transferida para um museu. Ao menos outras seis cidades belgas tiveram bustos do rei Leopoldo II vandalizados.

No Brasil, estátuas já foram pichadas em prol da luta contra o racismo. Em setembro de 2016, por exemplo, o Monumento às Bandeiras, na cidade de São Paulo, foi pintado com tintas coloridas. A escultura é uma homenagem aos bandeirantes, grupo que explorava o interior da América do Sul em busca de riquezas (como o ouro) e que escravizou negros e indígenas.

Entretanto, há pessoas contrárias à retirada das estátuas. Elas acreditam que é importante mostrar quem eram essas figuras históricas e o que elas fizeram.

A população negra no Brasil

  • 55% dos negros afirmam já ter sofrido preconceito por cor ou raça.
  • 75% das vítimas de violência policial são negros.
  • Brancos que se formaram na universidade ganham, por hora, 45% a mais do que os negros que têm a mesma escolaridade.
  • No mercado de trabalho, apenas 29% dos cargos mais altos, de gerência, são ocupados por negros.
  • A taxa de negros que se formam no ensino médio é de 61,8%, enquanto a de brancos é de 76,8%.

História: escravidão
Entre os séculos 16 e 19, diversos países europeus, como Portugal, Espanha, Inglaterra e França, adquiriam negros africanos e os obrigavam a trabalhar como escravos, principalmente em suas colônias. No caso de Portugal, a principal colônia era o Brasil, para onde foram trazidos quase 5 milhões de pessoas a serem escravizadas. A escravidão por aqui durou cerca de 340 anos — só acabou em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão.

#pracegover: em Santa Clara, Califórnia (EUA), Eli Harold, Colin Kaepernick e Eric Reid, do San Francisco 49ers, ajoelham-se durante execução do hino dos Estados Unidos em protesto à violência policial contra a população negra no país. Eles usam uniforme nas cores vermelha e amarela. A fundo, arquibancada cheia de pessoas. Foto: Michael Zagaris/San Francisco 49ers/Getty Images

Como era a vida dos negros escravizados no Brasil?

  • Os “donos” dos escravizados escolhiam qual trabalho eles iriam realizar. Muitos exerciam serviços em engenhos de açúcar, plantações de café, minas e domicílios (onde cuidavam das tarefas das casas), entre outros.
  • Muitas vezes, os escravizados eram obrigados a usar ferramentas de trabalho perigosas. Com isso, colocavam a vida em risco.
  • Nos engenhos de açúcar, por exemplo, eles chegavam a trabalhar de 18 a 20 horas por dia. Hoje, um trabalhador costuma atuar oito horas por dia.
  • Toda vez que se rebelavam ou faziam algo que não agradasse os “superiores”, eram castigados.
  • A alimentação, em geral, era restrita. Um escravizado cujo “dono” tinha dinheiro costumava receber alimentos como feijão, banana, arroz e farinha de mandioca. Se o “proprietário” tivesse menos posses, alguns passavam meses comendo apenas laranja e farinha.
  • Em virtude das péssimas condições de vida, a maioria dos escravizados não vivia muito. A expectativa de vida nos engenhos de açúcar, por exemplo, era de 23 anos.

O que aconteceu após o fim da escravidão no Brasil?
Os ex-escravizados ou descendentes de escravizados não receberam do governo incentivos e oportunidades para que tivessem melhores condições de vida. Com isso, muitos continuaram a viver sob condições precárias, com acesso restrito à educação, moradia e saneamento básico. As primeiras favelas, por exemplo, foram construídas por ex-escravizados. O Brasil ainda sofre as consequências do período da escravidão e do pós-abolição: muitos negros continuam sendo alvo de preconceito e tendo menos acesso a oportunidades.

Qual é a relação entre escravidão e racismo?
A ciência já provou que todas as raças têm as mesmas condições de estudar, trabalhar, inventar e praticar esportes, entre outros. Mas, em determinado período da história, os brancos (europeus e descendentes de europeus) acreditavam que faziam parte de uma raça superior e que os negros eram inferiores. Segundo o livro Escravidão – Volume 1, de Laurentino Gomes, essa tese era uma das justificativas usadas para “explicar” a escravização dos negros. Segundo essa ideologia, os negros eram naturalmente atrasados e menos capazes do que os brancos, e só poderiam se tornar mais “civilizados” caso se tornassem escravos dos brancos. Atualmente, essa teoria é considerada racista e absurda pelos mais renomados cientistas e historiadores do mundo.

Consciência desde cedo
“Crianças e jovens precisam, sim, aprender sobre racismo, porque as diferenças e desigualdades já começam a ser percebidas e vividas muito cedo”, explica Rodney William, doutor em ciências sociais e considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) umas das cem pessoas afrodescendentes mais influentes de 2019. Mas o que fazer, ainda na infância, quando o assunto é racismo? “Talvez a melhor dica antirracista seja assumir que o problema existe e é de todos”, afirma Rodney. Para ele, o fato de o racismo organizar as relações da nossa sociedade “nos faz achar ‘normal’, por exemplo, que uma escola particular quase não tenha alunos nem professores negros. Mas os porteiros, seguranças e faxineiros são quase sempre negros e, muitas vezes, ‘invisibilizados’, isto é, ninguém os nota. Já nas escolas públicas, muitas vezes, a maioria dos alunos é negra. Precisamos perceber que isso é uma desigualdade que se construiu de maneira histórica e sistemática, tendo a questão racial como base. Olhar ao redor e perceber onde estão os negros, que posições ocupam e como vivem, vai nos dar uma dimensão do problema”. Segundo Rodney, o ambiente escolar é fundamental nesse processo. “Na escola, geralmente, as crianças negras sofrem os primeiros episódios de racismo. Caso aconteça, é preciso falar a respeito e instruir, propondo ações e demonstrando que diferenças raciais não justificam tratamentos desiguais, muito menos desumanos”, diz ele.

Rodney-William-Divulgacao
#pracegover: Rodney veste roupa tradicional de religião de matriz africana, na cor azul. Ele está com a mão apoiada no queixo e sorri. Foto: divulgação

Fontes: Folha de S.Paulo, Estadão, G1, Kiwi Kids News, Nexo, Revista Fórum, Terra, Veja São Paulo e UOL, Escravidão – Volume 1: Do Primeiro Leilão de Cativos em Portugal até a Morte de Zumbi dos Palmares (Gomes, Laurentino; 2019; Globo Livros); História da Alimentação no Brasil (Cascudo, Luis da Câmara; 1967; Global Editora), CartaCapital, Portal Geledés, UOL, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, History, BBC, Canal Futura, Superiteressante e El País

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 152 do jornal Joca.

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Comentários (10)

  • sissi leite de barros zanin cruz

    2 anos atrás

    “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra” – Bob Marley.

  • Pedro Retes Nogueira, 9 anos

    3 anos atrás

    Eu odeio pessoas racistas e como vocês falaram sempre a maioria das mortes dos pretos foram causadas por policias brancos e quase sempre nenhum policial é preso

  • Letícia Silva Medeiros, 9 anos

    3 anos atrás

    Meus parabéns ao Jornal Joca por sitar este assunto tão importante. O RASISMO tem mesmo ser combatido des da infancia. As pessoas tem que aprender a respeitar os outros independentemente da sua cor ou gênero se é branco, negro, indígena ou chinês. Temos que aprender a respeirar os outros !!! BLACK LIVES MATTER !!! ????????

  • Lucas Lopes Pires de Sá

    3 anos atrás

    Acho muito injusta a desigualdade entre negros e brancos. Todos somos seres humanos e precisamos de respeito, pois só assim teremos paz.

  • Mikael Mikael Sousa Tenorio

    3 anos atrás

    TODOS DEVEMOS RESPEITAR OS OUTROS,INDEPENDENTE,DE RAÇA,COR OU GÊNERO.

  • Ana Beatriz 4B

    3 anos atrás

    Todos devemos respeitar uns aos outros não importa se é negro,indígena,ou branco todos somos iguais e temos os mesmos direitos.

  • Ana Beatriz

    3 anos atrás

    eu fico triste com essa injustiça eles deveriam sentir vergonha eles tambem importam

  • Lara Sophia Lins , 9 anos.

    3 anos atrás

    Parabéns ao Jornal Joca por publicar este assunto , que é tão importante e precisa ser debatido por toda sociedade.

  • guilherme

    3 anos atrás

    joca um jornal maravilhoso

  • Eunice

    3 anos atrás

    Gostei muito nós podemos refletir sobre o colonos e tals, e ainda falamos sobre o racismo !

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