Créditos de Imagem: Divulgação/Baião/Todavia

O chupim é um pássaro que, após consumir arroz e outros pequenos grãos de plantações, voa em busca de uma nova colheita. Da mesma maneira são as famílias que trabalham nas fazendas: se abrigam ali temporariamente, sem ter moradia própria, até chegar o tempo de procurar um outro campo. É a partir dessa analogia que o escritor Itamar Vieira Jr. constrói a história de seu primeiro livro infantil, Chupim, ilustrado por Manuela Navas e com lançamento previsto para 9 de agosto, pelo selo Baião, da editora Todavia. Em entrevista ao jornal Joca, Itamar contou um pouco mais sobre o processo de criação do livro e dos temas abordados pela obra, que incluem a desigualdade social e a relação das crianças com o meio ambiente.

Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil? 

Eu já sabia a história que queria contar. A narrativa de Chupim tem relação com a história de Torto Arado [outro livro do autor]. Tem uma passagem que fala das crianças que trabalham na roça expulsando os pássaros. Então já existia essa ideia. Mas, em Torto Arado, essa história aparece pelo olhar de um adulto, e eu queria contar a partir de outra perspectiva. Como é que a criança vê aquilo? Para mim era importante encontrar as palavras certas. A ideia do Chupim surgiu de um convite que foi feito há alguns anos pelo meu editor. E eu continuei alimentando essa vontade, até que chegou a hora em que disse: “Acho que agora eu posso escrever”.


#pracegover: capa do livro mostra quatro crianças negras caminhando em meio à vegetação. Crédito de imagem: divulgação

Chupim conta a história de Julim, um garoto que trabalha espantando pássaros de plantações. Para ele, tudo é diversão. Como você utilizou esse olhar infantil na história?

A preocupação das crianças é apenas correr e brincar, mas elas estão atentas aos adultos. E eles estão preocupados com o que vão comer amanhã, depois de amanhã, o fato de que precisam achar um campo de arroz para trabalhar, igual ao chupim. Elas estavam correndo, embora os adultos sempre estivessem dizendo: “É para espantar as pragas, o chupim é uma praga”. E, para elas, a praga deve ser uma coisa muito feia, algo nocivo. A criança, em um primeiro momento, tem essa percepção, mas quando descobre que é um passarinho, acha aquilo tudo muito inocente, até injusto. Ela pensa: “Aqui tem arroz para todo mundo, por que a gente precisa os mandar embora?”. Julim acha que o que tem ali no campo é o sufi ciente para todos, para pessoas e animais comerem. Então, aos poucos, ele vai contrapondo a sua visão com a visão do adulto.

Partindo do ponto de que as crianças devem entender diferentes realidades, mesmo as mais difíceis, como você acha que é a forma certa de contar? 

Eu acho que uma coisa importante é que a gente nunca pode subestimar a inteligência de uma criança. Elas têm consciência sobre muita coisa. Às vezes, não sabem explicar o porquê, mas elas querem saber. Por que o mundo é desigual? Por que uns têm e outros não? Por que a gente vê crianças na rua, pedindo coisas? Elas já se perguntam muito. Então, acho que essa é uma premissa fundamental, não as subestimar. Ao mesmo tempo, é essencial também encontrar uma linguagem que vá ao encontro das crianças. Eu acho que este é o maior desafio: descobrir essa linguagem que atinja a criança de tal maneira que ela possa ler a história sem precisar de muita mediação, e também uma história que ela possa ler com os adultos.

A obra também retrata a relação da criança com o meio natural em que vive. Você acha que hoje isso se perdeu? 

Muitas vezes a criança não sabe de onde vem o alimento, que aquilo vem de uma força de trabalho antes de ela poder comer, de muitas mãos, muitos esforços. Então, acho que é importante a gente já criar essa consciência, sem contar nesse contato com a natureza. Em muitas ocasiões na cidade a gente vive um pouco alienado a tudo isso.

O ESCRITOR 

Vencedor dos prêmios LeYa, Oceanos e Jabuti, Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador (BA), é geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). O livro Torto Arado (Todavia, 2019), de autoria de Itamar, é um dos maiores sucessos da literatura brasileira das últimas décadas.


#pracegover: Itamar está parado, com as duas mãos no bolso da calça. Ele veste camisa listrada em azul e branco e calça preta. Crédito de imagem: divulgação

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 227 do jornal Joca.

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