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Mari Williams se tornou a primeira Miss Indígena de Roraima, atua como influenciadora digital nas redes sociais e é professora. Foto: @pablofelippe

Em 2016, Mari Williams, da etnia wapichana, saiu de sua comunidade para estudar e teve contato, pela primeira vez, com pessoas brancas. Hoje, aos 19 anos, a jovem se tornou a primeira Miss Indígena de Roraima, atua como influenciadora digital nas redes sociais e é professora em uma comunidade isolada chamada Raposa Serra do Sol.

Com conteúdos que variam entre humor, protesto, curiosidades e motivação, Mari luta pelos direitos indígenas. Em entrevista à Isabel C., de 10 anos, estudante do Colégio Santa Clara, em São Paulo (SP), ela revela que, apesar dos desafios, poder declarar abertamente o amor pela própria cultura, povo e identidade é o que lhe traz orgulho.

Como e por que você decidiu se candidatar a miss?
Eu nunca vi mulheres como eu em concursos de miss. Então, quando anunciaram que iam realizar o primeiro Miss Indígena e que não seria exigido um padrão de beleza, me interessei. Sempre quis representar o meu povo de alguma forma. Nós, mulheres, somos diversificadas, não temos um padrão.

O que as pessoas falam quando te veem com trajes indígenas na rua?
Geralmente, as pessoas ficam rindo e falam coisas desnecessárias. Outras ficam nervosas, assustadas. Mas algumas também elogiam, têm curiosidade, pedem para tirar foto… Uma das coisas mais bizarras que fizeram comigo foi num lugar em que eu estava tirando foto. Um grupo começou a bater a mão na boca, imitando um estereótipo indígena equivocado. Outra situação ocorreu quando eu fui a uma loja de conveniência e a vendedora ficou nervosa, me olhando com incômodo. Na hora em que foi me dar as compras, ela estava tremendo e deixou tudo cair. Eu juntei as coisas, agradeci e fui embora.

Qual o maior desafio de ser indígena atualmente no Brasil?
No Brasil como um todo eu não sei, mas eu posso te falar como eu me sinto. As pessoas acham que nós somos bancados pela Funai [Fundação Nacional do Índio], o que não é verdade. Tudo o que nós conquistamos, acham que foi a Funai quem deu. Fala-se tanto em integrar o indígena na sociedade, mas quando isso acontece, eles mesmo são os que fecham a porta para que a gente possa entrar. Aí surge a questão do preconceito, da não aceitação, das brincadeiras que fazem…

Como sua aldeia encara o seu sucesso e influência nas mídias?
Eu sou de uma comunidade e trabalho em outra que é bem mais longe e mais tradicional, a Serra do Sol. Eles são um dos únicos povos isolados aqui no nosso estado, vivem em áreas de difícil acesso. Então, lá eles não têm noção do que é a Mari Wapichana, do que é a digital influencer, do que é a internet. Eu falo para eles, mas a maioria não entende, sabe? Lá eu sou uma liderança, eu sou professora. Já na minha outra comunidade, eles já veem como um ponto positivo para eu buscar melhorias através de parceiros, levar a voz deles, as necessidades e mostrar as nossas lutas.

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A repórter mirim Isabel. Foto: arquivo pessoal

Quais os aspectos positivos e negativos de sua exposição na internet?
Um dos pontos positivos é que hoje em dia eu tenho voz para poder falar o que nós queremos, para mostrar a nossa cultura, a nossa realidade. Com essa visibilidade toda, eu posso trazer melhorias, transmitir o que o meu povo pensa, o que ele quer ou o que ele está sentindo. Sobre os pontos negativos, eu acho que, hoje em dia, temos que saber muito bem lidar com a internet. Ela é uma ferramenta muito importante, mas, ao mesmo tempo, perigosa. Porque lá tem pessoas com vários pensamentos e eu não tenho controle sobre a minha conta pública no Instagram: quem vai me seguir, quem não vai, quem pode mandar mensagem ou não. E isso acaba me deixando em uma situação muito complicada, porque, às vezes, por eu falar algo que condiz com o que eu prego, acabam me atacando com críticas. E muitas pessoas falam coisas que não sabem. Eu tenho que analisar bem o que eu vou falar, como eu vou falar, como vou me vestir, o que eu vou postar e o que eu não posso.

Quais são as maiores dificuldades sociais que vocês, como aldeia, enfrentam?
Acho que em todo o Brasil, a educação não é tão valorizada como deveria. A rede pública tende a ser precária, só que nas comunidades indígenas é pior ainda. Como eu sou professora, a realidade é bem dura. Muito dura, sabe? É uma cadeira que dura quatro horas de aula. Às vezes, as carteiras só têm três pernas e aí tem que ficar escorado na parede para não cair. Nós não temos um quadro; quando chove, alaga a sala e os meninos ficam todos molhados. Fora que as crianças de lá fazem de três a quatro dias de viagem para chegar a pé da casa delas até a escola. Aí passam a semana lá. Muitas das vezes não têm o que comer e faltam materiais didáticos. Mas essa não é a realidade de todas as comunidades, outras já são um pouco mais desenvolvidas.

Além disso, faltam medicamentos, não temos uma oferta de serviço de qualidade. Uma coisa que eu escuto muito de pessoas que vão cursar medicina é: “Eu vou trabalhar em área indígena, porque dá mais dinheiro.” Algumas pessoas vão com essa mentalidade para lá e não fazem o trabalho que realmente deveria ser feito, só estão pensando no financeiro. Tem também a questão da nossa agricultura familiar. Nós temos comunidades que estão em áreas de difícil acesso, onde a terra é infértil, a caça é escassa e, por ser uma região com muitas cachoeiras, os peixes não sobem [para realizar a pesca]. Então, o que nós precisamos é de suporte técnico e assistência.

O que você acredita que falta para o seu povo?
Nós precisamos de mais representantes na política. Temos uma deputada federal indígena aqui do meu estado [Roraima], Joênia Wapichana, defendendo os nossos direitos. Ela é contra muitos projetos de lei que nós também somos e sempre se posiciona. Nós precisamos de mais representantes para garantir os nossos direitos, que estão assegurados na Constituição. Porque o que nós temos hoje são pessoas interessadas no que está dentro do nosso território, estão atrás de riquezas. Elas querem as terras que nós cuidamos, das quais somos protetores.

O que te dá mais prazer? Ser miss, professora ou influenciadora digital?
O que me dá mais prazer é ser a Mari, porque ela é tudo isso. Como professora, eu também sou influência para meus alunos. Imagina só o que é para aquelas meninas olharem uma indígena como elas dando aula! Eu tenho amor pela minha cultura, meu povo, minha identidade e eu me emociono sempre quando eu falo disso. Por anos, principalmente quando eu estava no ensino médio, as pessoas usavam a minha identidade como algo para tentar me diminuir. Mas eu agradeço muito por ter tido os pais que eu tive. Meu pai sempre falava: “Minha filha, nunca esqueça quem tu és, de onde tu veio e nunca tenha vergonha das tuas origens. Porque tu pode pintar teu cabelo, tu pode fazer o que tu quiser com o teu corpo, mas tu nunca vai poder deixar de ser indígena, porque está no teu sangue.”

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Comentários (5)

  • maortega

    1 ano atrás

    como ela nasceu??

  • Jornal Joca

    1 ano atrás

    Oi, tudo bom? Pode nos explicar melhor a sua dúvida? Você quer entender se ela nasceu em um hospital?

  • Nicolas Henrique

    1 ano atrás

    achei muito legal porque fala sobre direitos indígenas

  • amanda.araujo@viasapienslab.com.br

    1 ano atrás

    Adorei esta notícia! E principalmente por ser de uma repórter mirim

  • gabrielao@crescimento.com

    1 ano atrás

    Que matéria incrivel! vou mostrar aos meus alunos, tenho certeza de que irão amar!

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