Esta matéria foi originalmente publicada na edição 235 do jornal Joca
“E será que alguém ia querer tanto a luz do dia, se a noite não viesse de vez em quando?” é uma frase do livro infantil Pode Chorar, Coração, Mas Fique Inteiro, de Glenn Ringtved, com tradução de Caetano W. Galindo e ilustrado por Charlotte Pardi. Existem diversas obras infantojuvenis que abordam de maneira lúdica temas que estão ligados à morte, à perda e ao sentimento de luto. Elas ajudam psicólogos e educadores a elaborar essas questões com crianças e adolescentes.
Na psicanálise, o luto é definido como o processo de se reinventar e ressignificar a vida após a perda de um vínculo estrutural, ou seja, de alguém muito importante. Diante da perda de familiares, amigos e até mesmo relações, não há uma receita de como agir e lidar com a ausência.
Como então falar sobre luto com crianças? Um dos maiores desafios é a própria explicação do que é a morte. Os pequenos não têm capacidade cognitiva para entender a irreversibilidade da situação. “Aos 4 anos, por exemplo, a criança não acredita que o parente ou ente querido não voltará mais”, explica Samantha Mucci, psicóloga e professora adjunta do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no qual também é fundadora do Programa de Acolhimento ao Luto (Proalu).
O Proalu surgiu inicialmente para atender o desejo de alunos da Escola Paulista de Medicina da Unifesp de estudar mais sobre o tema. Na pandemia de covid-19, o programa passou a atender de modo remoto pessoas enlutadas que perderam alguém em decorrência da doença. Hoje, em São Paulo, o Proalu recebe presencialmente crianças e jovens, dispondo de um espaço lúdico criado especialmente para esse processo terapêutico. “Tio, essa dor vai passar, né?” (L., 8 anos) e “Eu não gosto mais de brincar, porque nada tem graça” (J., 10 anos) são algumas das sentenças proferidas nas conversas.
De acordo com Samantha, na jornada de falar e ouvir sobre o luto é fundamental não buscar nenhuma resposta definitiva. Justamente por eles ainda estarem em uma fase em que tudo que é abstrato ou mais subjetivo soa como algo literal, algumas explicações podem causar mais dor. Em vez de trazer conclusões prontas, como “seu amigo virou uma estrela”, o caminho precisa estar livre para a própria criança entender o que aconteceu.
Rodas de conversa
“É difícil porque não existe uma receita para elaborar a dor de uma vida que não existe mais. Para os jovens, principalmente, precisamos deixar claro que podemos falar sobre o que estamos sentindo, seja desenhando, brincando, montando quebra-cabeças, é possível falar de diferentes formas”, afirma Roberta Andrade e Barros, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas) e mestra em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A especialista realizou uma pesquisa que envolveu a escola Estadual Pandiá Calógeras, em Belo Horizonte (MG), onde foi criado um espaço de confiança e acolhimento para crianças e adolescentes. As rodas de conversa do projeto Help, nome escolhido pelos próprios alunos do 8° e 9° ano, foram realizadas na pandemia de covid-19.
O objetivo era debater o luto e como os jovens lidavam com sentimentos relacionados à saudade, morte e ansiedade. “Participar da roda de conversa sobre perda e luto foi uma experiência enriquecedora. Foi um espaço de aprendizado e reflexão, onde pude ouvir diferentes perspectivas e compartilhar sentimentos”, diz Caio C., 17 anos.
Glossário
PSICANÁLISE: método terapêutico e científico estabelecido para analisar a psique humana. Desenvolvido por Sigmund Freud, neurologista.
FONTES: PROALU E ROBERTA ANDRADE E BARROS.
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