Arte: Milena Branco

Que o trabalho dos garis é muito importante para manter as cidades limpas e livres de doenças, todo mundo sabe. Mas você sabe como é a rotina desses profissionais e o que é preciso para exercer a profissão?

Para te ajudar a saber mais, o Joca entrevistou Renato Sorriso, símbolo dos garis no Rio de Janeiro. Ele contou que, graças ao trabalho, conseguiu terminar os estudos, fazer faculdade de turismo e colecionar uma série de experiências – como segurar a tocha olímpica e fazer intercâmbios culturais com outros garis. Confira a conversa.

O que te fez decidir ser gari?

Em 1994, aqui no Rio de Janeiro, um prefeito abriu as inscrições para trabalhar na Comlurb [Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro, empresa do governo para qual os garis trabalham], para ser gari. Eu estava trabalhando em uma empresa na época, mas estava sem dinheiro para participar do processo seletivo da Comlurb. Minha mãe me deu o dinheiro, e eu fiz a inscrição. Na época, a prova era sobre conhecimentos gerais da empresa, como nome das ferramentas, e matérias como matemática e português. Eles davam uma apostila para a gente estudar. Eu fui chamado para trabalhar na Comlurb em dezembro de 1995. 

Como é sua rotina como gari?

Eu trabalho na Barra da Tijuca [bairro do Rio de Janeiro] há 25 anos, desde que entrei na Comlurb. Começo às 6 horas e termino às 13 horas. São oito horas corridas, porque eu não paro para almoçar para poder sair um pouco mais cedo, acho melhor fazer tudo de uma vez. Todos os garis saem na rua com uma “ordem de serviço”, que é um papel que fala para qual rua você deve ir e o que precisa fazer lá. Eu varro cinco ruas na minha área e, sempre que o fiscal passa, ele sabe quem precisa estar em qual lugar. Saio para a rua com vassoura, sacos para remover o lixo, enxada, pá, carrinho, uma chave para abrir e limpar os ralos e reco-reco – tudo isso é para os garis que limpam as ruas.

O senhor encontra muitas coisas que foram jogadas fora e que poderiam ser aproveitadas por outras pessoas?

Aqui no Brasil acho que a taxa de reciclagem é de mais ou menos 30%, mas mundialmente esse número está em torno de 70%. Os materiais que eu acho muito são plástico, madeira e latas, que deveriam ser entregues para companhias de reciclagem. Minha empresa tem caminhões de reciclagem, então a gente já faz esse trabalho, mas tem gente que joga esses objetos fora. Nesta semana, achei um tapete, por exemplo. Quando nós, garis, encontramos um objeto de valor, guardamos e levamos para a nossa gerência. Já achei também celular, uma bolsa de couro com etiqueta, ferro de passar roupa e até carteira. 

Quais são os principais desafios da sua profissão?

Acho que não é nem algo da minha profissão, talvez seja um problema da população mesmo, mas é o desrespeito com o serviço público. Eu trabalho na mesma rua há 23 anos e ela é varrida pelo menos duas vezes por dia, mas mesmo na segunda vez a gente já encontra boas quantidades de lixo [que as pessoas jogam na rua]. Hoje, como eu sou conhecido, as pessoas já me veem como artista, então elas têm mais respeito comigo. Mas tem garis que as pessoas ignoram. Tem também muitos automóveis que não respeitam a gente e passam muito perto, até mesmo quando tem garis trabalhando de madrugada. Claro que não são todos, mas acontece. Esse preconceito e essa discriminação existem com várias profissões, inclusive a minha. 

E qual é a parte mais gratificante do seu trabalho?

O mais legal do meu trabalho é que muitas crianças, quando veem os garis, pedem para tirar foto com a gente. Eu já fiz várias festas infantis em que o tema era gari, acredita? Hoje a gente consegue fazer as pessoas entenderem, começando pelas crianças, o nosso trabalho. É muito gratificante quando uma pessoa nos chama, dá um abraço ou oferece uma água ou mesmo quando ela pega o lixo dela e joga direto no caminhão para não deixar a rua suja ou nos chama para recolher um móvel que não usa mais. Até quando uma pessoa liga para criticar é gratificante, porque a gente aprende o que está fazendo de errado – muita gente fala “gari, sai do sol”, ou “coloca o chapéu” e a gente vê a preocupação delas com a gente. 

O que você acha que pode ser feito para as pessoas não sujarem as ruas?

É uma questão de educação. As pessoas precisam ter o mínimo de educação para perceber que, se elas sujarem a rua, o gari ou o porteiro, por exemplo, vão ter que limpar. Na minha área, a coleta acontece de segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, então não precisa jogar lixo na rua. Nosso trabalho é gratuito, é só ligar para o nosso telefone que a gente recolhe o material que você não usa mais, como um sofá ou geladeira, e você não paga nada. 

A Comlurb considera o senhor o símbolo dos garis no Rio de Janeiro. Como isso aconteceu?

Eu tenho certeza de que não sou símbolo dos garis, porque acho que o símbolo dos garis são todos os garis. Mas as pessoas falam isso porque eu tive o prazer de fazer muita coisa como gari. Já fui para 12 países da Europa e pude voltar a estudar depois que retornei para a Comlurb, porque eu tinha estudado só até a quinta série, se não me engano, e fiz faculdade de turismo. Eu trabalho com lixo, mas sou um luxo [risos]. Em 1998, eu comecei a trabalhar no Sambódromo, e foi aí que começou tudo. Sempre que uma escola termina de sambar, os garis entram atrás para varrer. Eu aproveitei para dar uma sambadinha entre uma escola e outra, mesmo sendo ruim de samba [risos]. Meu gerente viu e disse que eu tinha que parar de dançar, senão seria punido. Quando parei, o povo começou a gritar pedindo para eu sambar. Fui sambar e o gerente me mandou para casa e me deu três dias de suspensão. Mas o público não gostou nada disso e, quando ele viu que eu estava agradando, chamou o diretor e disse que eu estava atrapalhando o andamento do serviço e eu tinha que ser retirado. Quando ele veio falar comigo, todo o público me defendeu, então eu fui sambando na frente e os outros garis foram varrendo. Mas o trabalho dos garis no Carnaval é duro mesmo, principalmente quando chove, porque fica mais difícil limpar e as coisas grudam no chão. Acho que entre 4 mil e 5 mil garis são escalados para limpar o Sambódromo. 

Quando eu estava desempregado, jurei que daria o meu melhor para a empresa em que fosse entrar. Hoje a Comlurb me dá tudo do que preciso, eles nunca atrasaram um salário e sempre nos respeitaram. Eu já fiz três intercâmbios culturais – em que vieram três garis da Europa para cá e três garis brasileiros viajaram para lá –, dou palestras para crianças e jovens e devo tudo isso à Comlurb.

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Comentários (1)

  • catarinabarral

    2 anos atrás

    Que lindo! Amei muito esta intrevista!

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