Você já se imaginou saindo do seu país sabendo apenas a própria língua e sem ter um lugar para onde ir? Essa é a história de Ghazal Baranbo, que fugiu da guerra da Síria com o marido e dois filhos, chegando ao Brasil só com algumas malas e sem saber o que fazer.

Em entrevista aos repórteres mirins Kauan S. e João F., ambos de 13 anos, estudantes da E. E. Professor Orlando Geribola, em Osasco, São Paulo, Ghazal conta como foi a vida dela durante a guerra e a chegada a um país com hábitos diferentes.

Como era a Síria antes da guerra?
Minha cidade, Damasco, era bonita, tranquila e tinha segurança. Por causa dos conflitos, ficou muito cara, muitas pessoas morreram ou foram para outros países. A minha vida na Síria era muito boa: tinha casa, carro, meu marido, que é engenheiro mecânico, tinha o escritório dele, e eu trabalhava como dona de casa. Ao chegar ao Brasil, comecei a trabalhar como cozinheira.

O que você fazia na Síria e com quem morava? Algum parente seu ficou lá?
Antes de me casar, eu morava com a minha mãe, pai e três irmãs e três irmãos. Todos viviam na  mesma casa. Quando casei, comecei a morar com meu marido. Meu pai, mãe, três irmãos e três irmãs continuam na Síria.

Por que vocês escolheram o Brasil?
Meu marido tinha ido para o Líbano. Quando voltou para a Síria, na fronteira, algumas pessoas o confundiram com alguém que tinha o mesmo nome, e ele foi preso por engano. Fiquei três meses sem saber o que tinha acontecido com ele. Quando ele saiu, disse: “Não posso mais ficar na Síria, preciso viajar”. Arrumei as minhas coisas na Síria, e fomos para o Líbano de carro. Ficamos dez meses lá. Durante esse tempo, procuramos países para nos mudar, como Alemanha e Suécia, mas nenhum deles permitia que fôssemos para lá, porque não tínhamos visto [permissão para que um estrangeiro entre em um país]. Só o Brasil deixou que nos mudássemos sem documento e passaporte. Mas tenho uma prima que foi para a Alemanha. O marido dela viajou para lá de barco [para escapar da guerra, muitos sírios cruzam o Mar Mediterrâneo em embarcações para chegar à Europa] e, depois de três anos, ela foi para lá.

O que você sabia sobre o Brasil quando veio para cá? Qual foi a sua reação ao chegar a nosso país?
Eu só sabia sobre futebol, Amazônia, Rio de Janeiro e café. Eu também não falava uma palavra em português. Foi difícil para mim. Achei estranho, difícil. Passei cinco meses sem gostar daqui, mas, quando comecei a aprender português e conversar com os brasileiros, passei a gostar muito deles. Os brasileiros me ajudam bastante.

O que você faz no Brasil hoje?
Eu trabalho como cozinheira de comida árabe. Há dois anos, nós tínhamos um restaurante e eu trabalhava como cozinheira-chefe. Agora, faço encomendas e cozinho na minha casa.

Por que as mulheres muçulmanas usam véu?
A minha religião, o islã, diz que preciso usar véu. As mulheres começam a usar mais ou menos com 13 anos [quando costumam entrar no período reprodutivo da vida]. Quando estou em casa com meu marido, meu pai, meus irmãos e meu sogro, não preciso usar. No entanto, quando tem outro homem que não seja um desses em casa, tenho que usar. Na rua, preciso vestir para não deixar que todo mundo veja o meu cabelo e o meu corpo.

Você tem vontade de voltar para a Síria?
Sim, mas não agora. Meus filhos estudam aqui. Quero voltar para a Síria quando eles terminarem a faculdade [além de Yara, de 14 anos, e Riad, de 17 anos, no Brasil, Ghazal teve mais uma filha, Sara, de 4 anos].

Alguém da sua família já morreu na guerra?
Da minha família, não. Mas algumas amigas, sim. Eu sou de Damasco, não tem guerra lá, mas jogam bombas na cidade de vez em quando. Depois que passa, todo mundo volta para sua vida. As pessoas já estão acostumadas.

Ghazal Baranbo mudou-se para o Brasil e tornou-se chefe de cozinha
#pracegover: Ghazal Baranbo veste véu branco que cobre sua cabeça, parte do rosto e do pescoço. O restante da roupa, com mangas compridas, é preta. Ela está em uma cozinha e três panelas estão no fogão. Foto: Stéphanie Habrich

Entenda a guerra na Síria
O conflito, que já dura oito anos, provocou grandes destruições e fez com que cerca de 5 milhões de pessoas tivessem que deixar o país. Hoje, algumas regiões da Síria estão mais seguras do que há alguns anos, mas os embates entre forças do governo e opositores ainda não acabaram. A guerra começou em 2011, quando cidadãos insatisfeitos começaram a se manifestar contra o governo do presidente Bashar al-Assad. No meio da guerra, ainda houve ações do Estado Islâmico, grupo terrorista que dominou vários territórios sírios e que hoje está enfraquecido.

Entrevista publicada originalmente na edição 137 do jornal Joca.

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