Esta matéria foi originalmente publicada na edição 245 do jornal Joca
João Almeida, Felipe Neves, Gerson Silva e Alexandra Papini se conheceram na faculdade de jornalismo e, movidos pela vontade de ajudar as pessoas, criaram o coletivo 3Palitos. A ideia era levar temas políticos e sociais às escolas de um jeito leve e divertido.
Em junho, em parceria com o Joca e a Agência da Organização das Nações Unidas Para Refugiados, ACNUR, o coletivo lançou o jogo Operação Clima Tenso, que trata das mudanças climáticas e seus impactos no deslocamento forçado de pessoas. Para saber mais sobre o jogo e o trabalho do grupo, a leitora Clarice L., de 9 anos, entrevistou Felipe Neves.
O nome do coletivo é 3Palitos, mas vocês são quatro. Por que ele foi escolhido?
Na verdade, o nome não tem muito a ver com a quantidade de pessoas que fazem parte do coletivo. A ideia por trás dele foi unir dois elementos: a expressão “dois palitos”, usada quando queremos dizer que algo é muito fácil de resolver, e os três poderes da República — o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Isso porque, nos nossos jogos, explicamos como esses três poderes funcionam e quem atua neles, como vereadores, deputados, prefeitos e juristas.
Como é o processo de criação de um jogo? Vocês precisam escrever, desenhar ou testar?
Sim, a gente faz tudo isso. Primeiro escolhemos o tema do jogo — etapa que considero a mais interessante — e pensamos em formas criativas de abordá-lo. No Operação Clima Tenso, o assunto são as mudanças climáticas e, como somos jornalistas, tivemos que estudar bastante: assistimos a documentários, lemos artigos e reportagens até entender bem o tópico. Só depois disso estruturamos o jogo.
Todo o processo, da pesquisa aos testes finais, levou cerca de oito meses. Mesmo depois de pronto, o jogo ainda passa por ajustes. Criar jogos assim leva tempo, exige colaboração e muitos testes, mas é um processo muito prazeroso.
Falando do Operação Clima Tenso, como vocês tiveram a ideia de desenvolvê-lo?
Ele foi diferente dos outros jogos que criamos porque foi encomendado pelo Acnur, da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles nos pediram um jogo sobre refúgio climático, que acontece quando pessoas precisam deixar o local em que vivem em decorrência de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e incêndios florestais.
Com o tema em mãos, nós nos aprofundamos na pesquisa e desenvolvemos o jogo em parceria com o Joca, que cuidou, entre outras ações, da parte visual e participou dos testes. A ideia central é mostrar como a sociedade deve agir quando alguém é afetado por um desastre climático e como o governo deve oferecer proteção e atuar na prevenção caso novos eventos extremos ocorram.
Dos temas impactantes do jogo, qual você acha mais importante ensinar?
Desde o início, a gente quis mostrar que não adianta fazer só uma ação pontual para ajudar os afetados. Por exemplo, se uma pessoa em Porto Alegre, que passou por enchentes recentemente, precisar sair de casa após uma inundação, é claro que ela precisa de comida, roupas e remédios. Mas só isso não resolve. Depois, ela ainda vai enfrentar dificuldades para conseguir emprego, documentos e reconstruir a vida.
Por isso, a ideia principal do jogo é mostrar que é preciso um ciclo de ações para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. O próprio tabuleiro tem formato circular, reforçando essa lógica. Os jogadores passam por fases distintas, colaborando para proteger a cidade. No jogo, trabalhamos com cinco possibilidades de evento extremo: inundações, incêndios florestais, furacões, aumento do nível do mar e terremotos. A meta é ajudar as pessoas e evitar que as tragédias se repitam.
Os jogos de vocês tratam de assuntos muito sérios. Quais as dificuldades para deixá-los divertidos, legais para aprender?
Muita gente não gosta de política — acha chata, difícil ou distante. E tudo bem, porque é assim mesmo que a política muitas vezes chega até as pessoas.
Nosso desafio é transformar essa insatisfação. Nossos jogos e dinâmicas são feitos para envolver, desafiar e mostrar que a política pode ser entendida de outra maneira. Se, ao fim, a pessoa não se lembrar de todos os conceitos, mas sair com uma visão mais positiva da política e com vontade de se interessar pelo assunto, já consideramos a missão cumprida.
O que você aprende ao observar a reação das crianças jogando?
A gente aprende que nenhum assunto precisa ser proibido, chato ou burocrático. Tudo pode ser discutido, desde que com cuidado e respeito. Ainda falta consciência sobre como conversar melhor sobre temas sensíveis. Durante os jogos, é muito gratificante ver as pessoas se esforçando para entender, engajando-se, lembrando de algo que já ouviram. No fim das contas, todo assunto pode — e deve — ser debatido. Basta saber como.
Quais dicas você dá se eu ou outro leitor do Joca quiser criar jogos?
Acho que a primeira dica é sempre pensar em quem vai jogar, e não só na ideia que está na sua cabeça. É essa pessoa quem vai dizer se o jogo é divertido ou não, então o foco precisa estar 100% na experiência dela.
Pense no que pode dar errado durante a partida: alguma regra pode ser confusa? Uma etapa pode cansar os jogadores? Antecipar esses problemas contribui para garantir que o jogo continue sendo leve e divertido.
Outra dica é pesquisar sobre o tema. Mesmo que seu jogo não trate de assuntos sociais, vale a pena ver se alguém já criou algo parecido, quais mecanismos foram usados — como cartas, dados, palitos — e o que funcionou ou não. A ideia não é copiar, e sim entender o que já existe e adaptar ao seu projeto.
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