No dia 18 de julho, em Roma, Itália, pessoas tentam se refrescar em uma fonte durante onda de calor que fez os termômetros chegarem a 45 graus Celsius (ºC). Crédito de imagem: Antonio Masiello/Getty Images

Julho de 2023 ficou marcado na história como o mês mais quente já registrado. Além disso, o dia 6 do mês foi apontado como o mais quente de toda a média histórica, de acordo com o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, que divulga dados globais coletados por satélites e equipamentos terrestres.

Ao longo dos últimos dois meses, regiões de todo o planeta foram afetadas por ondas de calor, tempestades, incêndios e outras ocorrências (veja no infográfico algumas das principais) que podem ser justificadas por eventos naturais, como a chegada do El Niño ao Oceano Pacífico e o verão do hemisfério norte. Cientistas de todo o planeta, no entanto, apontam que as mudanças climáticas influenciam para uma maior frequência e intensidade desses episódios climáticos extremos.

A culpa é da ação humana?
Pesquisadores da World Weather Attribution (WWA) — que estudam se a causa de um fenômeno natural é ou não atribuída a ações humanas — publicaram, em 25 de julho, um relatório com as probabilidades de as ondas de calor nos Estados Unidos/México, Europa e China terem sido consequência direta ou indireta das mudanças climáticas (ocasionadas pela atividade industrial).

O estudo concluiu que as ações humanas aumentaram significativamente as chances de essas ondas de calor acontecerem, além de influenciar na intensidade delas (veja mais abaixo).

Probabilidade de ondas de calor como as recentes acontecerem (segundo a WWA):


Mundo atual
EUA/México: uma a cada 15 anos.
Sul europeu: uma a cada 10 anos.
China: uma a cada 5 anos.

Mundo sem a interferência humana*
EUA/México: praticamente impossível.
Sul europeu: praticamente impossível.
China: uma a cada 250 anos.

*Se a a humanidade nunca tivesse começado a se industrializar e, consequentemente, emitir Gases de Efeito Estufa (GEEs).

Aquecimento global e efeito estufa: o efeito estufa é um fenômeno que mantém o planeta aquecido, mas é intensificado por gases poluentes, como dióxido de carbono (CO2) — os Gases de Efeito Estufa (GEEs). Ao ser liberados (por meios de transporte ou indústrias, por exemplo), esses gases sobem para a atmosfera terrestre e ficam “presos” ali, acumulando-se em uma espécie de camada. Essa camada impede o calor de sair da Terra e, ao ser intensificada pela ação humana, leva ao aquecimento global.

Entrevista com um especialista

Christopher Cunningham é climatologista no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e estuda a previsibilidade de fenômenos como chuvas e ondas de calor — ou seja, quais sinais podem indicar uma mudança no clima nas próximas semanas. Christopher conversou com o Joca sobre os episódios recentes e sua relação com a atividade humana.

É possível prever a chegada de uma onda de calor?
Meu trabalho é estudar a previsibilidade dessa onda: quais são os mecanismos de previsão e quão bom eles são em determinar, por exemplo, quando ela vai acontecer, qual o pico de temperatura que vai atingir e quanto tempo irá durar. Mas não é possível, atualmente, prever com tanta certeza, há mais ruídos do que sinais [de que uma onda de calor está por vir]. É mais fácil prever em uma janela de duas a quatro semanas.

Para isso, existe um recurso chamado modelo dinâmico (ou modelo atmosférico), que é a representação de um processo natural — no nosso caso, de muitos processos. Ele mostra a interação entre tudo o que caracteriza o clima: biosfera [conjunto de todos os ecossistemas da Terra]; criosfera [regiões cobertas por gelo]; atmosfera; hidrosfera [todas as águas do planeta]; e muitos outros processos. Tudo isso é colocado em um computador, que gera as chances de um evento climático acontecer.

Como o relatório da WWA foi produzido? O que ele analisa?
Com certeza os pesquisadores usaram esses modelos para elaborar o relatório. A atribuição [a ações da humanidade] é uma área mais recente dentro da climatologia [estudo do clima] e tenta responder a seguinte questão: já que hoje há um grande consenso na comunidade científica de que o aquecimento global é real, é possível determinar se um determinado evento é consequência das mudanças climáticas? Ou ele aconteceria mesmo em um mundo em que os seres humanos não tivessem emitido tanto CO2 [dióxido de carbono]?

António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), disse, em 27 de julho, que nós já passamos da fase de aquecimento global e hoje vivemos a ebulição [etapa em que o líquido ferve] global. Podemos afirmar isso?
Sim, eu acredito que essa é uma fala bem apropriada e possível — não vou dar certeza, porque não foi feito nenhum estudo a respeito. Claro que todas essas previsões carregam uma margem de incerteza. E isso que ele chamou de “fase” não é algo isolado, então não é possível dizer que, por exemplo, o aquecimento global começou em determinado ano e terminou em outro. Há incertezas, hoje, com as quais temos que lidar — tanto os cientistas como a própria sociedade.

A ciência espera, daqui para a frente, que esses fenômenos se tornem mais frequentes?
Exatamente. Tanto os relatórios científicos como os resultados do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas [IPCC, organização responsável por fornecer avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima] indicam isso. Eu diria que é melhor pensar em medidas de precaução e adaptação [a esses novos cenários climáticos], para tentar diminuir os danos, além de continuar trabalhando na redução das emissões de gases.

O que podemos fazer mediante tudo o que está acontecendo?
Eu acredito bastante na questão do conhecimento, ele liberta. É importante escolher fontes de informação confiáveis para saber o que está acontecendo no mundo. E, a partir daí, refletir sobre a maneira como vivemos, geralmente, baseada no consumismo [consumo excessivo]. Precisamos questionar se não conseguimos consumir menos e reduzir a emissão de Gases de Efeito Estufa. Também temos que começar a nos interessar pelo ambiente político pouco a pouco [que é onde as decisões são tomadas].

Eventos climáticos
Saiba onde alguns dos principais eventos relacionados ao clima ocorreram recentemente

Mediterrâneo
Nesta região, uma sucessão de ondas de calor intenso atingiu países do sul europeu (como Itália, Espanha e Grécia) e do norte africano (como Tunísia e Argélia). Nos territórios grego, argelino e tunisiano houve extensos incêndios florestais por mais de duas semanas, causando mortes, queimadas e evacuação de pessoas.

Irã
O calor incomum fez o governo decretar uma espécie de lockdown nos dias 2 e 3 de agosto, para que a população ficasse em casa e pudesse se proteger.

China
A cidade de Sanbao registrou o dia mais quente da história chinesa em 16 de julho, com a máxima de 52,5 graus Celsius (ºC). Além disso, o tufão Doksuri, que passou pelo mar da China e Oceano Índico, provocou fortes tempestades em Pequim e cidades vizinhas, causando mortes e desaparecimentos (saiba mais no portal do Joca).

Japão
Nos últimos dias de julho, o tufão Khanum passou próximo ao sudoeste japonês, ocasionando chuva, ventos fortes e queda de energia. 

Canadá
Em 30 de junho, o governo decretou que os moradores da cidade de Osoyoos deixassem o local em consequência de focos de incêndio. O Canadá, desde maio, está sob alerta após uma série de queimadas em todo o país. Segundo o Centro Canadense de Incêndios Florestais, neste ano, já aconteceram 5.187 incêndios (até o fechamento desta edição), mais da metade deles em junho e julho (época que já favorece as queimadas pelo tempo mais seco).

Estados Unidos
O país sofreu com calor intenso, sobretudo o sudoeste. Phoenix, cidade no Arizona e quinta maior dos EUA, bateu recorde com 31 dias seguidos registrando temperaturas iguais ou acima de 43,3ºC. No litoral sul da Flórida, termômetros na superfície do oceano chegaram a registrar temperaturas ideais para um banho aquecido de hidromassagem (acima dos 38ºC).

Oceano Pacífico
Em junho, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (Nooa, na sigla em inglês) anunciou que o Pacífico já apresentava as principais características do El Niño (fenômeno que aquece as águas desse oceano, podendo provocar furacões, tempestades e fortes chuvas). No Brasil, as regiões Sul e Sudeste foram atingidas pela passagem de ciclones em junho e julho, ocasionando ventos intensos e temporais. No Chile, chuvas fortes provocaram alagamentos e danos à infraestrutura em boa parte do centro e sul do país. 

Ciclone: fenômeno que provoca fortes chuvas e ventos.

Antártida
Em 10 de julho, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), da ONU, publicou um relatório informando que o gelo do Oceano Antártico bateu recorde de menor extensão para o mês de junho — cerca de 17% abaixo da média. Em fevereiro, no verão do hemisfério sul, a região alcançou o mínimo de cobertura congelada de toda a média histórica, 34% abaixo do comum para o mês.

O que eu penso sobre…

“Nós tivemos um ciclone, mas não veio para nossa casa, não passou aqui perto, mas vi na internet e deu medo. Eu acho que é uma situação muito difícil, as pessoas não conseguem ir para casa. Eu sinto que agora o frio é muito gelado e o quente é muito quente. Quando está muito frio, brinco menos.” Gabriel S., 7 anos, Curitiba (PR)

Gabriel, morador da capital paranaense. Crédito de imagem: arquivo pessoal

“Eu acho que o ciclone prejudica as lavouras, o clima, o tempo, tudo dá uma recaída. As pessoas não estão cuidando muito da natureza, por isso estamos vivendo essa mudança de clima bem tenebrosa. Prejudica bastante nas plantações, acho que se não cuidarmos [da natureza], os seres humanos vão ter que se esforçar mais para tudo voltar ao normal.” Eduardo S., 8 anos, Santa Izabel do Oeste (PR)

Eduardo está atento aos prejuízos às plantações. Crédito de imagem: arquivo pessoal

Correspondentes internacionais

“É muito quente quando vamos para parques. Quando faço educação física na escola, temos que parar várias vezes para beber água, é difícil de aguentar, fica bem mais cansativo, tem pessoas que param de fazer o exercício. Me sinto menos disposta e com menos energia, brinco menos com minhas amigas fora de casa, porque está muito quente.” Gabriela G., 10 anos, Flórida, Estados Unidos

Gabriela se sente menos disposta quando faz muito calor. Crédito de imagem: arquivo pessoal

“Esse calor afeta em vários sentidos. Tempo de atividade, cansaço. Às vezes quando jogo bola no quintal com meus amigos não conseguimos jogar por muito tempo, faz muito sol e cansa demais. Me sinto mais cansado, com muito suor e menos tempo de atividades. Sou bem disposto e amo fazer esportes, mas mesmo assim me sinto mais cansado.” Miguel G., 13 anos, Flórida, Estados Unidos

Miguel sente diferença nos esportes quando a temperatura sobe muito. Crédito de imagem: arquivo pessoal

“Em Roma faz muito calor no verão, sempre, todo ano. Eu fico em casa sem camiseta pelo calor. A escola termina em junho porque não está preparada para aguentar o calor que faz em julho, esse é um dos motivos pelo qual temos três meses de férias no verão! Esse ano, quando eu voltei do Brasil, estava muito quente e eu a viajar para a Toscana no dia seguinte para ir para um acampamento. Então, levei duas garrafas de água em uma térmica para as caminhadas e pesquisei como ajudar a minha gatinha Piadina a aguentar o calor. Descobri que, como os gatos não gostam de água não dá para molhar ela, mas a gente pode passar um pano úmido nos pelos e deixar para ela deitar em cima. Ela adora!” Noah S., 11 anos, Roma, Itália

Noah tem se preocupado também com sua gata. Crédito de imagem: arquivo pessoal

“Eu morro de calor no verão, puxei a minha mãe que é calorenta. Esse ano, pela primeira vez, senti o suor escorrendo na minha testa… Achei engraçado porque faz cócegas. Quando não estamos na praia e estamos em Roma no verão eu quase nunca quero sair de casa pelo calor, saímos só no final da tarde para passear, antes é muito quente. Esse ano fui com a vovó em um parque aquático em Roma e foi muito gostoso, nos divertimos muito, quando voltamos estávamos sem luz em casa, nunca tinha acontecido. A gente descobriu que quebrou uma coisa que dá luz para as casas da nossa rua. No fim foi legal, jantamos a luz de vela. Ficamos no escuro até o dia seguinte, foi difícil dormir sem ventilador, sem ar-condicionado porque estava muito quente! Mas eu gostei de experimentar ficar sem luz e então sem TV, sem tablet, sem nada. Minha mãe leu uma história com lanterna e foi divertido!” Mia S., 8 anos, Roma, Itália

Mia passou pela experiência de uma noite de muito calor sem energia elétrica. Crédito de imagem: arquivo pessoal

Fontes: Agência Brasil, Climate Change Institute (University of Maine), Copernicus, Noaa, ONU, Organização Meteorológica Mundial, Reuters e World Weather Attribution.

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Comentários (1)

  • Estados do Brasil enfrentam nova onda de calor - Jornal Joca

    1 mês atrás

    […] todo o mundo também exercem influência no aumento de temperaturas. Saiba mais sobre o assunto na matéria do Jornal […]

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