No Amazonas, todos os municípios do estado entraram em alerta
Queimadas na Amazônia começaram a cobrir o céu do Brasil, Argentina e Uruguai no fim de semana do dia 8 de setembro. Nos primeiros oito meses de 2024, a floresta teve o maior número de focos de incêndio para esse período dos últimos 19 anos.
A fumaça vem principalmente do sul da floresta (que abrange os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso) e é causada principalmente pela ação humana, que provoca queimadas com a intenção de “liberar” espaço na Amazônia para atividades como agricultura e pecuária.
Outros biomas, como o Pantanal, também vêm sofrendo com as queimadas recordes e gerando ainda mais fumaça, ao mesmo tempo que o Brasil enfrenta um período de secas que deixa a situação ainda mais grave. No Amazonas, todos os municípios do estado entraram em alerta em consequência do clima seco.
Para entender como essa fumaça se espalhou e o que a população pode fazer para evitar incêndios florestais, o Joca conversou com a meteorologista e assessora técnica especializada do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Danielle Barros Ferreira. Confira a entrevista
Como a fumaça viaja distâncias tão longas?
O deslocamento da fumaça das queimadas do Pantanal, Amazônia e Cerrado é feito pela circulação dos ventos, que tem como papel principal transportar calor e umidade de regiões tropicais para os polos. No Brasil, esses ventos saem da região amazônica em direção ao sul do país, fazendo com que a fumaça se espalhe. Lembrando que as condições de ausência de chuva, alta temperatura, baixa umidade relativa do ar e ventos fortes favorecem o alastramento das queimadas.
A seca na Amazônia pode influenciar a falta de chuva em outras regiões do país?
Sim. A Amazônia age como uma grande fonte de umidade, pois atrai para dentro do continente a água que evapora do Oceano Atlântico, com a ajuda dos ventos alísios, que sopram na região próxima ao Equador. Quando essa umidade entra no continente, forma nuvens carregadas que trazem chuvas para a Região Norte, especialmente no estado do Amazonas. Nessa fase, ocorre uma espécie de “devolução” da umidade para essas nuvens, ocasionada pelo calor e pela umidade que a própria floresta libera. Esse processo, aliado aos ventos, leva a umidade para o centro-sul do Brasil. Por isso, se o Amazonas enfrentar um período de poucas chuvas, pode ocorrer uma diminuição das chuvas em outras partes do país, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.
O Inmet alertou para uma diminuição nos níveis de chuva para setembro. Na prática, como isso afeta a população?
Com a previsão de chuvas abaixo da média e temperaturas elevadas para o centro-norte do país, a tendência ainda é de redução da umidade relativa do ar até o fim de setembro, com valores diários que podem ficar abaixo de 30% e picos mínimos abaixo de 20%. Essas condições meteorológicas em grandes centros urbanos, por exemplo, podem dificultar a dispersão de poluentes, resultando em aumento de doenças respiratórias, irritação nos olhos e alergias na pele, além de reduzir a qualidade do ar nas cidades.
O que a população pode fazer para evitar secas e focos de incêndio?
O principal é não iniciar queimadas, principalmente perto de áreas de vegetação. Não queimar lixo em terrenos ou pastagens é fundamental, assim como não acender fogueiras nesta época do ano. Se avistar algum foco de incêndio, a principal maneira de evitar que o fogo se espalhe é avisar o corpo de bombeiros.
Prevenção e combate aos incêndios
Desde 2011, o governo brasileiro busca controlar o problema das queimadas com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que atua no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nós conversamos com um representante do Prevfogo para entender como esse trabalho funciona.
Como o Prevfogo educa e capacita agentes locais para ajudar a combater as queimadas no bioma Amazônia?
No contexto dos incêndios florestais, o Ibama, por meio do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), tem atuado fortemente com ações de prevenção voltadas à sensibilização da população sobre os perigos dos incêndios florestais, potencializados pela crise climática. Para isso, o Prevfogo realiza diversas ações de educação ambiental em cada estado em que está presente. Por exemplo, em Brasília, atua em blitz ambientais, realizadas com instituições parceiras do Plano de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do Distrito Federal (PPCIF). Além disso, atende demandas de atividades de educação ambiental, como participação em eventos e realização de palestras, realiza oficinas em escolas e recebe grupos de estudantes e professores na sede.
A principal frente de ação educativa desenvolvida pelo Prevfogo é a realização das Oficinas de Educação Ambiental Para o Manejo Integrado do Fogo (Oeamif). A atividade utiliza metodologia que busca gerar o envolvimento das comunidades em que o Prevfogo atua e de seu entorno e, em especial, o protagonismo dos brigadistas para que planejem e realizem ações de educação ambiental no período em que não estão em combate a incêndios florestais. O Prevfogo também elabora materiais de comunicação e educativos para ser utilizados nessas ações de prevenção empreendidas pelas brigadas.
Atualmente, quais são os principais desafios do Prevfogo?
Certamente, o principal desafio do Prevfogo é lidar com um futuro de incertezas, gerado pelos efeitos da emergência climática, que tem provocado clima mais quente e seco em diversas regiões do país. Além disso, um grande desafio é lidar com um país de dimensões continentais, como o Brasil, com ecossistemas e realidades diversos. Nesse sentido, considerando o tamanho do país, a quantidade de brigadistas florestais disponível é proporcionalmente pequena para dar conta da quantidade crescente e cada vez em maiores magnitudes de incêndios florestais. Por outro lado, como o Prevfogo tem como área de atuação territórios federais como Terras Indígenas e territórios quilombolas, muitas vezes a ocorrência do incêndio florestal se dá em regiões remotas, de difícil acesso para seu combate, demandando uma logística complexa, arriscada e onerosa, incluindo o uso de aeronaves.
Outro desafio é lidar com a articulação com os estados, pois, atualmente, é responsabilidade de cada estado fazer a gestão do ordenamento do uso do fogo em seu território, por exemplo emitindo as licenças para a realização de queimas controladas. Com a recém-aprovada Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei no 14.944, de 31 de julho de 2024), prevê-se a padronização de processos e, ainda, o acompanhamento federal na gestão estadual no que se refere ao tema do fogo.
Existe algum dado que expresse quantas queimadas foram evitadas ao longo de determinado período (como o último ano) pelo Prevfogo?
O Prevfogo ainda não tem uma sistemática de dados que permita a análise de queimas evitadas, no entanto, tem-se percebido em diversas aéreas de atuação em que são realizadas queimas prescritas, visando à diminuição da matéria vegetal seca, a redução da ocorrência de incêndios florestais de difícil controle e, por conseguinte, de grandes impactos socioambientais.
O relatório de dez anos do Programa de Brigadas Federais, executado pelo Prevfogo/Ibama, mostra que houve redução da ocorrência de incêndios grandes e de difícil controle nas áreas de atuação do programa, ocasionada pela atuação das brigadas tanto em ações de prevenção como de monitoramento e em razão da rápida resposta para o controle de incêndios florestais detectados precocemente. Estudos já foram publicados demonstrando essa queda, como em Terras Indígenas dos Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, dos Guajajara, no Maranhão, e dos Xerente, no Tocantins.
Como cada um pode fazer sua parte para evitar que novas queimadas ocorram?
Primeiro temos que ter a clara compreensão de que o planeta tem passado por uma série de alterações no clima, potencializando a ocorrência cada vez mais frequente de incêndios florestais. Com isso, é papel de cada cidadão evitar que aconteçam, lembrando que se deve ter cuidado ao usar fogo em períodos mais secos e quentes e, sobretudo, quando estiver expressamente proibido, não queimar roças, restos de poda e lixo, fazer fogueiras, brincar de bombinhas nem soltar fogos. Além disso, quando avistar um incêndio em vegetação, a pessoa deve prontamente chamar os bombeiros, ligando 193, e, caso constate se tratar de um incêndio criminoso, denunciar pela Linha Verde, no telefone 0800 0618080.
Glossário
Pecuária: criação de animais como porcos e vacas, principalmente para a produção de carne, leite, couro e lã.
Fontes: Amazônia Plural, GZH, G1 e InfoMoney.
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