No Brasil, jovens que têm a partir de 16 anos podem votar para escolher seus representantes em cargos políticos, como de presidente, governador, deputado e senador (caso da eleição deste ano). No entanto, projetos de cidadania presentes em colégios mostram que é possível incluir e viver a política no cotidiano bem antes de atingir a idade mínima para votar.

“A política é feita no dia a dia e existe a todo momento. A gente não pode entender política só no fato de votar ou não. Eu entendo todas as relações que existem dentro da escola como relações políticas, porque sempre envolvem interesses diversos”, explica o professor de história Diogo Lázaro de Araújo, da Emef Bartolomeu Lourenço de Gusmão, em São Paulo (SP).

Nesta reportagem especial, conheça alguns exemplos de como a política é exercida por crianças e adolescentes em projetos nas escolas.

GRÊMIOS ESTUDANTIS
Na cidade de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação orienta que todos os colégios da rede tenham grêmios estudantis, ou seja, grupos de alunos que propõem ações para melhorar o ambiente escolar. Na Emef Bartolomeu Lourenço de Gusmão, esse movimento foi implantado oficialmente no início de 2022.

“A formação do nosso grêmio é diferente da que estamos acostumados a ver em outros. É um movimento horizontal, então não temos um presidente nem representantes. Somos divididos em sete coordenadorias [como a de imprensa e a étnico-racial], e os estudantes podem trazer ideias para nós a qualquer momento. Depois, nas nossas reuniões, discutimos as sugestões”, explica uma das integrantes, Rafhaella F., 15 anos.

Por lá, o grupo que compõe o grêmio foi eleito a partir das propostas apresentadas aos colegas. Por isso os estudantes tentam unir essas ideias a novos pedidos. Eles discutem as propostas e as encaminham para a direção, que autoriza ou não sua execução — caso não seja viável integralmente, a sugestão é adequada às possibilidades da escola.

“Nossas principais conquistas foram as ações e ter conseguido dinheiro [para investir na escola]. Organizamos algumas iniciativas do Setembro Amarelo [de prevenção ao suicídio], como uma roda de conversa com uma psicóloga para debater sobre saúde mental”, explica Anna Julia B., 14 anos. O dinheiro arrecadado pelo movimento é uma verba da prefeitura destinada ao grêmio. “Ele ainda não chegou para nossa escola, mas falamos com a diretora e conseguimos dinheiro da própria escola para fazer as ações”, diz a estudante. Outros projetos foram trancas e espelhos para o banheiro, que antes não existiam e estão sendo instalados, e caixas com itens de higiene pessoal que ficam à disposição dos estudantes.

Rafhaella-Anna-Julia
#pracegover: as estudantes Rafhaella e Anna Julia estão lado a lado, em pé. Elas usam calça jeans, casaco jeans e posam para tirar uma foto com o celular. Crédito de imagem: arquivo pessoal

Já na Graded School, também na cidade de São Paulo, o grêmio é um pouco diferente: os alunos e professores votam em quem querem que assuma como presidente, vice-presidente e representante de esportes para cada segmento. “Eu sou representante do ensino fundamental 2. Primeiro você se oferece para a posição, e o diretor e o professor que cuidam do grêmio avaliam se você é responsável para o cargo ou não. Depois, tem a eleição”, explica o estudante Rodrigo M., 13 anos.

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#pracegover: Rodrigo está em pé, na frente de uma vitrine de vidro. Ele usa óculos, camiseta azul, bermuda marrom-escuro e tênis. Crédito de imagem: arquivo pessoal

“O professor responsável pelo grêmio é nossa ‘ponte’ entre os alunos e o diretor, então a gente discute ideias, cria projetos e conversa com ele para que ele possa falar com quem está acima para dar o sinal verde e começar o que a gente quer”, diz Rodrigo. “Muitas pessoas têm vontade de melhorar as coisas na escola. Por isso muitos alunos chegam até nós e dizem o que querem. Eles podem vir até nós a qualquer momento, o que tem funcionado superbem”, conta.

ADOLESCENTES EM AÇÃO SOCIAL
Com o objetivo de permitir que jovens criem alternativas para problemas da cidade em que moram, o movimento Design for Change (“plano para mudança”, em tradução livre) está presente em colégios de mais de 70 países. Criado em 2009, em Ahmedabad, na Índia, o projeto é considerado o maior do mundo quando se trata de crianças e adolescentes atuando em mudanças sociais.

Na Graded School, o Design for Change é uma atividade extracurricular para alunos entre o 8º e o 11º ano (equivalente ao 2º ano do ensino médio). “O projeto tem como objetivo ajudar pessoas em condições mais precárias. Para este ano, o movimento escolheu colaborar com Paraisópolis [comunidade em São Paulo]”, explica Rodrigo M., que também é um dos participantes.

Quem faz parte da proposta é convidado a desenvolver ações em áreas como saúde e educação e, mais tarde, participa do estabelecimento das iniciativas. “No fim do semestre, vamos ter nossas ideias elaboradas e, no começo do semestre que vem, começaremos a executá-las”, continua Rodrigo. Isso é feito com a ajuda de patrocinadores, que selecionam os projetos mais interessantes. “Podemos, por exemplo, oferecer aulas dentro da nossa escola para os jovens de Paraisópolis ou proporcionar aulas de esporte por lá”, completa ele.

Como a turma de Rodrigo iniciou o projeto na segunda metade de 2022, as propostas estão na fase inicial. Ele já optou por uma área: “Escolhi atuar na educação, pois acredito que seja o caminho para tudo. Para ter mais hospitais e empregos, entre outros, é necessário saber como fazer essas coisas”, conta.

A ideia inicial de Rodrigo é criar cursos gratuitos para a população de Paraisópolis. “Quem tiver boa pontuação em uma prova feita ao fim do curso ganharia algo, como apoio financeiro ou cesta básica. Assim, esses alunos poderiam ganhar dinheiro com o curso, já que muitas vezes abrem mão dos estudos para trabalhar”, explica. Mais tarde, quando todos estiverem com as ideias prontas, os patrocinadores escolherão uma delas e todos do Design for Change vão participar da execução.

MINICIDADES
Em alguns colégios ao redor do país, os alunos têm projetos em que elegem representantes para comandar uma minicidade dentro do espaço escolar. É o caso das unidades do Grupo SEB, em que os estudantes simulam eleições e quem for escolhido representa os colegas. “O principal objetivo é desenvolver o senso de cidadania e criar propostas sustentáveis que possam ser colocadas em prática. Os professores vão acompanhando os alunos, mostrando quais propostas podem ser implantadas, por exemplo”, explica a professora Ana Carolina Cônsoli, orientadora educacional da Escola SEB Bilíngue de Ribeirão Preto (SP).

#pracegover: Coc Lândia é uma espécie de cidade, com casas coloridas, como uma amarela. A entrada é azul com cerca brancas. O entorno tem plantas e árvores. Fica na Escola SEB Bilíngue de Ribeirão Preto (SP). Crédito de imagem: arquivo pessoal

Na Escola Thathi, em Araçatuba (SP), o prefeito é Bernardo B., 10 anos. “Os alunos do 4º ano podem se candidatar para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, escrevendo propostas e plano de governo e contando sobre suas ideias para os estudantes”, explica.

Bernardo Ciciliati Barbosa
#pracegover: Bernardo usa camiseta nas cores branca e azul-marinho. Ele sorri. Crédito de imagem: arquivo pessoal
#pracegover: imagem de um título de eleitor ficcional, especial para uma criança, da Escola Thathi, em Araçatuba (SP). Crédito de imagem: arquivo pessoal
#pracegover: minicidade da Escola Tathi com vários estabelecimentos coloridos. Crédito de imagem: arquivo pessoal

Todos do ensino fundamental 1 recebem um título de eleitor e, em determinado dia, votam em quem querem que ocupe os cargos. Os eleitos assumem seus papéis no ano seguinte, ao longo do 5º ano. No início do mandato, essas autoridades convidam estudantes que se envolveram com as eleições (como alunos que se candidataram, mas não foram eleitos) para assumir as secretarias. Um estudante que tem aptidão para leitura, por exemplo, assume a secretaria de educação. Também existem outras pastas, como secretaria do esporte e da comunicação.

A divisão das tarefas ocorre de um jeito bem parecido com a dos representantes do povo brasileiro. De acordo com o Felipe F., 11 anos, prefeito da minicidade da Escola SEB em Vila Velha (ES), são os vereadores que apresentam a maioria das propostas — assim como no sistema político do Brasil, em que esses políticos representam os cidadãos de uma cidade na Câmara Municipal e elaboram e votam em projetos de leis. “Os vereadores me passam essas propostas e eu, como prefeito, repasso as propostas para o vice-prefeito e os secretários, e a gente as avalia em conjunto”, diz. Depois, os professores da escola aprovam ou não as ideias. “Quando queremos fazer algo sobre esportes, por exemplo, falamos com o secretário de esporte e ele dá sugestões”, explica.

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#pracegover: Felipe sorri para a foto e usa camiseta cinza. Crédito de imagem: arquivo pessoal
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#pracegover: a minicidade da Escola SEB em Vila Velha (ES) tem ruas, uma pequena praça e diversos estabelecimentos coloridos. Crédito de imagem: arquivo pessoal

A prefeita eleita da minicidade da Escola SEB Bilíngue de Ribeirão Preto, Isabela P., 9 anos, vai começar seu mandato no ano que vem, mas já está se organizando: “Algumas matérias que tive em sala de aula colaboraram bastante com a minha preparação. Em história, por exemplo, aprendi sobre os prefeitos e o que eles fazem pela cidade, como os prefeitos aqui da escola”. Ela pretende concretizar as ideias que divulgou ao longo da campanha, como uma festa do pijama na escola, uma campanha contra o bullying e arrecadações mensais para ajudar quem mais precisa.

#pracegover: Isabela usa camiseta branca e azul-marinho e sorri. Crédito de imagem: arquivo pessoal


Esta matéria foi originalmente publicada na edição 196 do jornal Joca.

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