Natércia Tiba Machado é psicóloga clínica e psicoterapeuta de casal e família. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre o jogo “Baleia Azul”, que incentiva os jovens a praticarem atos nocivos à saúde, e sobre problemas como bullying e depressão.

Que cuidados os pais devem tomar para evitar que seus filhos comecem a jogar o jogo da Baleia Azul?

Os cuidados para que os filhos não se envolvam em jogos como o da Baleia Azul devem começar desde cedo. Os pais devem ensinar aos filhos alguns critérios para avaliar o que é bom e o que é perigoso. Começamos a fazer isso protegendo-os, mas não basta. É necessário ensinar a avaliar, porque nem sempre estaremos com eles quando as ameaças surgirem. Devem ensinar a dialogar e a procurar ajuda sempre que acharem algo estranho, mas acima de tudo, os pais devem estar sempre informados do que os filhos jogam, quais redes sociais usam e com quem se comunicam. Só conhecendo esse universo poderão avaliar os riscos. Se os pais têm filhos que usam a internet livremente, é necessário que estejam antenados para que saibam de situações perigosas antes que as crianças comecem a se envolver.

Quando surge algo tão nocivo como o jogo da Baleia Azul é fundamental conversar, explicar o que está acontecendo, que fatos já ocorreram e proibir o acesso a qualquer link relacionado a ele. Caso os pais não tenham confiança ou controle sobre o filho, talvez seja necessário interferir de forma mais direta, suspendendo o contato com a mídia social na qual o jogo aparece. Quando digo que o trabalho começa desde cedo, quero dizer que, se os pais foram presentes, se sempre existiu diálogo e um bom relacionamento, os filhos acatarão e entenderão o pedido de manter distância dos riscos.

Na sua opinião, por que tantos jovens estão interessados nesse jogo?

A curiosidade é uma parte natural da adolescência. Os adolescentes vivem uma fase do desenvolvimento na qual testam os limites, são onipotentes e acham que nada de mal irá acontecer. Estão em um momento intenso de pulsão de vida e pulsão de morte. Se arriscam para sentir a adrenalina e confirmar que nada de mal lhes acontece. Isso faz com que sejam mais “atirados” e muitas vezes rebeldes, sentindo uma atração enorme pelo proibido. Esse jogo une muitos elementos que os atraem, como num filme de mistério. Os riscos e a polêmica atraem muitos jovens. Por essa razão, é fundamental uma educação e relação familiar bem consolidada (seja o tipo de família que for) para que entendam que, na realidade, não é apenas um jogo, mas uma armadilha que leva a um final trágico, que foge ao controle deles. Nesse momento, é importante que a palavra dos cuidadores tenha peso para eles, para que seja mais forte do que a curiosidade e a rebeldia próprias da idade.

O jogo e a série “13 Reasons Why” têm estimulado a discussão sobre depressão. Há alguma maneira de prevenir a depressão? Como é possível tratar os jovens deprimidos?

Aqui esbarramos em um ponto bastante complexo. Para facilitar a compreensão, vou dividir a depressão em 3 tipos: 1. Depressão Endógena, 2. Depressão Reativa, 3. Depressão por fragilidade (específica da geração atual).

A depressão endógena é aquela que se desenvolve de dentro pra fora, por um desequilíbrio neuroquímico. Em geral há casos nas gerações passadas. A prevenção, nesse caso, está relacionada ao conhecimento de uma possível “tendência” familiar e conhecimento da doença, para saber em que momento costuma surgir (fases do desenvolvimento como adolescência ou momento do ciclo de vida, como chegada de um filho…). Mesmo a endógena sofre influências do ambiente e das relações. A pessoa pode ter a tendência, mas nunca desenvolver o quadro, assim como pode não ter tendência nenhuma, mas ter vivências tão desestruturantes que acaba desenvolvendo um quadro depressivo.

No caso da depressão reativa, a pessoa pode não ter nenhum quadro na família, pode nunca ter apresentados traços depressivos, mas teve uma vivência tão dolorosa que acabou deprimindo ou uma história de vida de muito sofrimento, ou relações afetivas destrutivas. Nesse caso, as pessoas que convivem devem alertar se acharem que a pessoa está muito depressiva e sugerir que procure ajuda profissional.  Assim como em outros quadros psicopatológicos, como Transtornos de Ansiedade, Transtornos Alimentares, quanto mais houver informação, mais a população será capaz de identificar e procurar ajuda. E quanto mais cedo a ajuda, mais, nós profissionais da área da saúde mental, poderemos ajudar.

O terceiro tipo de depressão chamei de depressão por fragilidade. Eu não a classificaria como patologia como as anteriores, mas como uma patologia social, pela extensão que atinge a geração atual. É o caso das pessoas que crescem sem desenvolver a resiliência, que é a capacidade de se reestruturar após um sofrimento ou uma frustração. Diferente da reativa, o sofrimento é desproporcional ao ocorrido, ou seja, a pessoa está frágil demais e acaba reagindo de forma depressiva a situações que são comuns a maioria de nós ao longo da vida. Infelizmente, esse é o perfil da geração atual, tanto de adolescentes como de jovens adultos. Pessoas que se frustram e reagem agredindo o outro ou a si mesmo. Pessoas que estabelecem uma relação doente com seus desejos a ponto de não terem flexibilidade para rever a vida e os objetivos.

Nesse caso, a prevenção pode acontecer para a geração seguinte. Os pais podem e devem se informar mais e se empenhar para educar os filhos com resiliência. Essa é uma missão ingrata porque a sociedade caminha de modo a satisfazer cada vez de forma mais imediatista os desejos. Precisamos ensinar aos filhos que sofrer faz parte da vida e que isso nos fortalece. Esse fortalecimento pós sofrimento tem se tornado cada vez mais raro. Quando essa geração se vê diante de um sofrimento, se desespera porque aprendeu que devem ser felizes e acham que a felicidade é um sentimento pleno e constante.

Em relação aos que estão deprimidos agora, nos resta tratá-los, cuidá-los, vigiá-los (porque perdem a noção de crítica e cometem loucuras com os outros e com eles mesmos) e principalmente aprender uma lição: há algo muito errado na educação dos nossos filhos e na sociedade, precisamos mudar já!

O bullying também anda sendo um assunto muito discutido. No entanto, muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre a diferença entre bullying e brincadeira.

Eu começaria diferenciando a brincadeira da ofensa. A brincadeira acontece quando todos os envolvidos se divertem. Quando algum ou alguns não se divertem, se incomodam com a atitude, passa a ser uma ofensa.

Feita essa distinção, podemos falar em bullying. O bullying é o processo no qual acontecem ofensas e agressões a uma mesma pessoa por um determinado período de tempo. Se uma criança briga com outra na escola e a ofende, não é bullying, é uma ofensa, mas se uma criança ou um grupo ofende e agride sempre a mesma criança por um longo período, deixando-a em um lugar sem reação por medo de que a situação piore, aí estamos falando em bullying.

Em geral a vítima de bullying tem muita dificuldade em reagir, justamente por medo de agravar a situação. Por essa razão, deve haver informação e mobilização dentro dos ambientes onde costumam acontecer para que, se presenciada por outras crianças, estas avisem os adultos ou responsáveis. Aquele que presencia uma agressão e não faz nada acaba se tornando cúmplice e dando força ao agressor. Reagir não significa interferir diretamente na situação, mas sim informar alguém que possa interferir.

O que pais e professores podem fazer para evitar o bullying?

O primeiro passo é o conhecimento do que é, como acontece, que tipo de situação favorece, como reagir e/ou ajudar quem está sofrendo.

Os pais precisam conversar sobre esse tipo de agressão e explicar que, em geral, a pessoa agredida tem dificuldade em reagir, por essa razão não devem jamais presenciar algo e calar-se. Outro ponto é manter-se informado sobre os amigos e as relações dos filhos, chamá-los em casa, levar e buscar, oferecer para acompanhar em programas. Em geral, o adulto, já mais experiente, percebe quais têm perfil de bullies (em geral são os engraçadinhos que bancam os sabichões), e então pode alertar o filho (não julgar o outro, mas estar atento sempre). É fundamental também estar próximo aos filhos no dia a dia, para notar alterações de humor ou sintomas que surjam inesperadamente, como receio de ir à escola, crises de ansiedade, choros frequentes, entre outros. Nesse caso, deve-se conversar com o filho em questão e ainda averiguar na escola o que pode estar acontecendo.

Vale destacar que, muitas vezes a situação não é de conhecimento dos professores e nem dos vigias, pois acontecem às escondidas. Sendo assim, é fundamental que a escola seja parceira, para que possa observar de forma mais atenta e até mesmo estratégica situações nas quais o bullying pode ocorrer.

Em relação aos professores, a informação é também o primeiro passo, tanto entre o corpo docente quanto com os alunos, mas é necessário ir além da informação. O ideal seria que fossem feitas campanhas, dinâmicas de classe, trabalhos em grupo, para que compreendessem o que é bullying e como é o sofrimento infringido à vítima. Além disso, é importante que haja um espaço de diálogo para que os alunos saibam que podem recorrer a eles caso necessário. Com todos atentos, fica mais difícil acontecer e, se acontecer, logo se identifica.

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