Desde a chegada da covid-19 ao Brasil e a implantação de medidas de restrição (como quarentenas e suspensão de atividades não essenciais), muitas pessoas vêm enfrentando dificuldades para pagar as contas e comprar itens necessários para a sobrevivência. De março de 2020 até hoje, milhares perderam o emprego, tiveram a renda mensal reduzida ou precisaram fechar seus estabelecimentos comerciais.

#pracegover: em uma fila, pessoas aguardam para receber doação de refeições, em
Guaianases, região da cidade de São Paulo. Foto: Alexandre Schneider/Getty Images

Essa realidade pode ser observada a partir de estatísticas. No último levantamento sobre desemprego feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, o país tinha 14,3 milhões de desempregados. Esse número, além de ser o maior para o período desde 2012 (quando o IBGE começou a fazer essa pesquisa específica), equivale a mais do que o total de habitantes da cidade de São Paulo, a maior do país.

A falta de emprego e de uma renda mínima para a sobrevivência tem contribuído para o aumento da fome no Brasil. Uma pesquisa divulgada em 13 de abril, feita pelo Grupo de Pesquisa Alimento Para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, com sede na Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, mostrou que 59% da população brasileira não comeu em quantidade ou qualidade ideais desde a chegada do novo coronavírus ao país. O levantamento incluiu todas as pessoas que disseram que, nos três meses anteriores, haviam ficado preocupadas com a possibilidade de os alimentos acabarem e passarem um período sem ter com o que se alimentar.

#pracegover: ex-taxista em bar que abriu para durante a pandemia. Ele usa camiseta de time de futebol e está apoiado em balcão. Foto: Bruna Prado/Getty Images

Nesta reportagem especial, confira histórias de pessoas que, diante de situações complicadas causadas pela pandemia, encontraram novos caminhos para viver. E veja dicas para você e sua família se houver um momento de crise.

Histórias de superação

Ana Claudia Silva, professora e fundadora da Afra Design, empresa que vende materiais escolares com personagens negros e bolsas, mochilas e uniformes de trabalho (como jalecos para professores) que trazem elementos da cultura africana
“Até o começo de 2020, nossos principais meios de vendas eram feiras e eventos afro e de educação. Quando veio a pandemia, a gente viu que não teria mais contato direto com o cliente. Então, aproveitei que já tinha o site da marca para levar a empresa para o digital. Para isso, a gente começou a pensar em estratégias para fazer as pessoas conhecerem nosso negócio. Eu sei que o produto tem uma qualidade incrível e que meus clientes sempre aprovam, mas como vou apresentar para quem for comprar? Pensei nas lives e, para não trazer o mesmo tipo de conteúdo que todo mundo, comecei a pensar em pessoas que eu já conhecia do afroempreendedorismo e outras personalidades negras importantes, como atores. A ideia era que, dessa forma, o público fosse atraído por gostar dessas pessoas — e iria conhecer a Afra Design a partir delas. Fizemos lives semanais com quase 40 convidados em 2020. Depois, pudemos até ajudar outros afroempreendedores, compartilhando seguidores. A pandemia ainda está nos impactando, mas estamos investindo em outros produtos que podem ser vendidos o ano todo, como bolsas e uniformes profissionais, diferentemente do material escolar, que vendemos mais no período de volta às aulas.”

Ysabel Camacho, cofundadora da TQ Real, empresa que vende tequeños, comida típica da Venezuela. Faz entregas na região de São Vicente (SP)
“Desde que saímos da Venezuela, sempre tivemos a ideia de empreender, mas, com a correria diária, era quase impossível fazer isso. Quando começou o isolamento obrigatório no Brasil, meu esposo perdeu o emprego. Decidimos olhar para a frente e encarar isso como uma oportunidade para tirar do papel nosso plano de ter o próprio negócio, apesar das dificuldades da pandemia. É um trabalho bem complexo tocar a TQ Real. Hoje, nós mesmos [a família] fazemos a comida, realizamos as compras, vendemos, fazemos o marketing e atendemos os clientes. O tequeño é delicioso, e os clientes têm sido os principais divulgadores do produto, usando as redes sociais. A solidariedade deles nos levou à mídia, e hoje nos conhecem até em lugares em que ainda não atuamos. Estamos muito agradecidos e felizes de deliciar paladares com o sabor venezuelano.”

#pracegover: fachadas de lojas com placas anunciando que estão disponíveis para alugar. Foto: Alexandre Schneider/Getty Images

Bate-papo com uma especialista
Para ajudar os jovens a lidar com os sentimentos que vêm com as dificuldades financeiras, o Joca conversou com Marta Gonçalves, psicóloga, psicopedagoga e professora do Instituto Singularidades.

Como lidar com o fato de que a situação financeira da família mudou? Podemos tirar aprendizados das fases difíceis. Um deles é compreender desde cedo que ter uma reserva [de dinheiro] é muito importante para as emergências. A gente não pode achar que as situações vão ser sempre iguais. Infelizmente, temos um costume no país de ter muitas dívidas. Muitas vezes, as pessoas não guardam e já contam com o dinheiro do mês seguinte sem ter nem recebido o salário deste mês. É importante saber que mesmo que você guarde muito pouco, como 10 reais por mês, no fim do ano você terá 120 reais, já é alguma coisa. Também é fundamental compreender que as coisas vão mudar. Outras pessoas também passam por fases difíceis e se recuperam. A união da família é fundamental para isso.

É importante que as crianças deem algum tipo de apoio para seus responsáveis que estão passando por dificuldades financeiras?
Sim, existem vários caminhos. As crianças podem, por exemplo, não pedir para os pais o que eles não podem pagar. Isso já é um apoio, porque os pais vão ficar muito tristes em não poder atendê-las. Se perceber que seus pais estão tristes, dê um abraço e fale que você os ama. Não é porque eles são adultos que não precisam de carinho — isso pode ser justamente do que eles precisam para criar ânimo e inventar alternativas para o momento. Muitas pessoas tiveram que reinventar seus negócios, há muitas famílias cozinhando para vender refeições, por exemplo. Se a criança ou adolescente quiser ajudar os pais nisso, dependendo da idade, pode ser um caminho. Outra alternativa é perguntar para os pais como ajudá-los. Ninguém vai saber mais do que eles o que você pode fazer.

As dificuldades financeiras das famílias podem gerar tristeza e angústia nas crianças. O que fazer a respeito?
Para cada pessoa, a receita é uma. Para algumas, ouvir uma música animada ou procurar algum tipo de meditação é uma boa ideia — tem vários vídeos no YouTube sobre relaxamento. Você tem que procurar o que é bom para você, porque pode ser que uma pessoa se sinta relaxada com o barulho do mar, mas outras fiquem até mais irritadas com esse som. Fazer exercício físico ou atividades que te relaxem também é bom. O mais importante é ter a certeza de que isso vai passar e de que não é culpa de ninguém.

É importante que as crianças fiquem por dentro da situação financeira das famílias?
É preciso que as crianças saibam que não são elas quem têm que resolver isso [a situação financeira], essa responsabilidade é do adulto. Além disso, é incumbência dos pais ou responsáveis ajudá-las no modo como lidam com isso, porque algumas crianças se preocupam demais e podem sentir angústia, insônia e até desenvolver problemas na alimentação. Por isso é tão importante que as famílias conversem para buscar o melhor caminho, já que cada família tem uma realidade diferente.

Como economizar dinheiro em momentos de crise?

  • Sugira a seus pais ou responsáveis de fazer uma lista com todas as despesas mensais da família. Isso ajuda a ter mais controle sobre os gastos da casa.
  • Estimule a família a evitar gastos desnecessários. Deixem para adquirir alguns itens quando a situação financeira estiver melhor
  • Se a família realmente precisar comprar algo, recomende que os adultos comparem o preço em várias lojas. Assim, será possível adquirir o item pelo menor valor.
  • Ajude seus familiares a reduzir as contas de luz e água. Passe menos tempo no chuveiro e apague as luzes ao sair de um cômodo, por exemplo.

A visão dos jovens e de seus pais

“Em março do ano passado, a minha mãe perdeu o emprego. Ela trabalhava como auxiliar técnica de segurança de trabalho em uma indústria alimentícia. Depois de passar seis meses procurando emprego, ela resolveu virar empreendedora e abrir uma adega. Mas [por causa da piora da pandemia] o comércio foi fechado de novo e as vendas do local caíram. Agora, com a reabertura dos estabelecimentos, as coisas estão melhorando.” Pietra C., 9 anos

“Eu me senti muito magoada quando perdi o emprego. Quatro meses antes, tinha me formado e, de repente, com a demissão, vi que tudo o que tinha planejado para aquele ano não seria realizado. Mesmo com a reabertura dos comércios, ainda nos sentimos inseguros [em relação às vendas da adega]. A nossa esperança é a vacina. Com ela, iremos seguir a vida como era antes da pandemia.” Stéfanny Karen, mãe da Pietra

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#pracegover: Pietra usa camiseta cinza e máscara rosa. Sua mãe Stéfanny está a seu lado. Ela veste blusa preta e máscara verde. Foto: arquivo pessoal

“Meus pais trabalham fazendo bolos. Com a pandemia, eles deixaram de fazer muitas vendas. Nós ficamos muito ‘apertados’ durante esta fase difícil. Para superar, meus pais fizeram vários vídeos de divulgação e conseguiram vender mais bolos. A dica que eu daria para quem está passando por dificuldades é que inventem algo novo [para conseguir ganhar dinheiro].” Helena da S., 7 anos

#pracegover: Helena usa vestido estampado e segura um bolo com seu nome nas mãos. Foto: arquivo pessoal

“Eu trabalho com artesanato. Quando a pandemia chegou ao Brasil, do dia para a noite, todos os clientes que tinham feito pedidos para festas de casamento e aniversário me ligaram para cancelar as encomendas [festas foram proibidas na pandemia]. Eu me vi em uma situação financeira muito difícil. Já tinha gastado para comprar os materiais que usaria para fazer os pedidos, mas não iria receber o pagamento dos clientes. Então, pensei comigo mesma que não poderia ficar parada. Assim, tive a ideia de fazer máscaras de tecido para vender. Tinha dias em que eu levantava às 5 horas da manhã para dar conta de fazer as máscaras e cuidar da casa e do meu filho [Miguel tem autismo e paralisia cerebral e depende da ajuda da mãe para as atividades]. Fazer máscaras acabou sendo a minha salvação financeira.” Angelita Feltrin, mãe do Miguel F., de 9 anos

#pracegover: Miguel usa camiseta cinza com estampa do personagem Darth Vader. Ao seu lado, Angelita veste roupa preta. Foto: arquivo pessoal

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 169 do jornal Joca

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Comentários (1)

  • Matérias do Joca sobre o novo coronavírus – Jornal Joca

    2 anos atrás

    […] As dificuldades financeiras da pandemia […]

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