Lygia da Veiga Pereira conta mais sobre seu trabalho como cientista. Foto: arquivo pessoal

Entender como humanos funcionam, nos mínimos detalhes, é o que fascina milhares de cientistas. Este também é o caso da brasileira Lygia da Veiga Pereira, professora titular de genética da Universidade de São Paulo (USP) e líder do Projeto DNA do Brasil.

Em entrevista ao repórter mirim Thomas C., 10 anos, de São Paulo (SP), Lygia conta como é o trabalho com as células-tronco e fala mais sobre a pesquisa que envolve o DNA brasileiro. Confira.

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Thomas C., o repórter mirim desta entrevista. Foto: arquivo pessoal

Como foi a sua formação profissional?
Quando eu estava no terceiro ano de engenharia da computação, comecei a pesquisar sobre engenharia genética, uma novidade na época. A engenharia genética era a possibilidade de manipular os genes dos seres vivos. Fiquei fascinada e fui estagiar em um laboratório que estudava uma mosquinha, a drosófila — aquela que sempre aparece perto das bananas. Em vez de me formar em engenharia, eu me graduei em física e fui fazer doutorado em genética humana.

O que são células-tronco?
Vamos primeiro entender as células. Podemos fazer uma comparação com as paredes de uma casa: assim como elas são feitas de tijolos, os seres vivos são feitos de células. Algumas são células de músculos, outras de ossos, tem os neurônios do cérebro… Uma célula-tronco é como fosse uma célula-curinga, que ainda não decidiu se vai se transformar em célula do cérebro, coração, fígado, pele… Ela pode se transformar em qualquer tipo de célula.

No que as pesquisas com células-tronco ajudam os humanos?
O uso mais famoso é a pesquisa para desenvolver terapias [tratamentos] para diferentes doenças. Quando um carro quebra, levamos ao mecânico e ele troca uma peça. Imagine se a gente pudesse fazer isso no corpo, como trocar de coração — existem casos de transplante de órgãos, mas é algo difícil e que depende de um doador. Pense se, no caso de um infarto (quando células do coração morrem), fosse possível inserir células novas no órgão, que substituíssem as que morreram. A ideia das células-tronco é transformá-las em células de um órgão, como o coração, e utilizá-las em casos de infarto, por exemplo. A gente também usa as células-tronco para entender como o corpo funciona — sem precisar retirar células do cérebro de uma pessoa que tem uma doença, por exemplo. Com as células-troncos do doente, posso “criar” neurônios no laboratório e estudá-los.

Quando o uso de células-tronco para tratar doenças será algo disponível para a população em geral?
Tem um tipo de célula-tronco, a que é conhecida há mais tempo, que é a do sangue. O nosso sangue consegue se regenerar, tanto que podemos fazer doações de sangue sem problemas. O corpo tem uma fábrica de células do sangue, a medula óssea, que fica dentro dos ossos. As células do sangue estão o tempo inteiro sendo fabricadas. Esse tipo de célula-tronco, que faz sangue, já é usado para tratar leucemia (um tipo de câncer), quando fazemos um transplante de medula óssea — uma pessoa saudável, parecida com o paciente, doa um pouco de sua medula óssea para que o doente passe a fabricar células do sangue saudáveis. Essa terapia com células-tronco existe desde a década de 1960. Mas ainda estamos na pesquisa para usar células-tronco no tratamento de outras doenças, como do cérebro ou coração. Para o caso de doença cardíaca e de um tipo de cegueira, por exemplo, as pesquisas já saíram dos ratos de laboratório (em que o uso foi seguro e funcionou) para testes em pacientes em humanos. Mas ainda precisamos de tempo para avaliar se é seguro e funciona.

No futuro, células-tronco poderão controlar pandemias?
Elas vão ajudar no entendimento de como as doenças funcionam. Por exemplo: no nosso laboratório, temos células-tronco que foram transformadas em células do pulmão; elas podem ser infectadas com o novo coronavírus e testadas com medicamentos para ver qual deles impede que o vírus se instale.

O que é o projeto DNA do Brasil?
Vamos começar entendendo o que é DNA. O ser humano surge a partir de uma única célula. Essa célula vai se multiplicando até que algumas começam a virar pele, osso, coração… Mas como uma única célula sabe fazer essa transformação incrível? Ela segue uma receita que está escrita dentro da única célula inicial: o DNA. Ele é uma substância que fica dentro das células e tem a nossa receita, que a natureza vai seguir para formar uma pessoa. Para entender como um ser humano funciona nos mínimos detalhes, os cientistas quiseram, há cerca de 20 anos, conhecer toda a sequência do DNA humano. Mas pessoas não são iguais, e disso veio o interesse em conhecer o que há de diferente no DNA de cada um para entender qual parte é responsável por cada característica (formato no nariz, altura, cor dos olhos…). Para isso, muitos países começaram a pesquisar a sequência do DNA de milhares de pessoas e comparar esse material. Mas não tinha nenhum estudo com a população brasileira.

O que a pesquisa já mostrou?
Cada brasileiro atual é uma mistura de DNA indígena, europeu e africano, com diferentes proporções [de acordo com cada pessoa]. Isso faz com que a nossa população, do ponto de vista do DNA, seja muito distinta de outras pelo mundo. O projeto DNA do Brasil coloca o país nesse mapa de DNA humano. Com isso, vamos aprender muito sobre partes do DNA que influenciam a saúde dos brasileiros. Também identificamos pedaços de DNA de indígenas que foram exterminados no passado [durante a colonização do Brasil], mas que seguem presentes na população atual. E ainda será possível, a partir da parcela de DNA africano presente nas pessoas, dizer de qual região da África são os ancestrais delas.

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