Primeira escola afro-brasileira do país, a Maria Felipa, que fica em Salvador (BA), tem a história africana e suas influências na cultura brasileira como referência central para o aprendizado das crianças. Nessa escola, o objetivo é oferecer uma educação que considera as tradições ancestrais do nosso povo e sua diversidade de raça, gênero e classes sociais. Para entender melhor como a instituição funciona, a repórter mirim Gabriela F., de 12 anos, conversou com Maju Passos, uma das sócias.

#pracegover: escola é verde e tem a ilustração de uma mulher. O muro que dá para a rua é pintado em tons de vermelho e laranja. Crédito de imagem: ARQUIVO PESSOAL

Como você começou sua carreira? 

Eu me formei em dança, área em que já atuei como professora, coreógrafa e pesquisadora. Hoje eu faço mestrado em dança na Universidade Federal da Bahia. Em 2020, eu me tornei sócia da Maria Felipa. Sou mãe de uma criança vista socialmente como branca — meu filho Ayo é loiro, com pele clara — e eu não queria que ele estudasse em um espaço onde não visse a mãe dele em lugares de representatividade de poder, liderança. Desde então, venho empreendendo com a minha sócia, Bárbara Carine, idealizadora da escola e mãe da Iana.

O que é uma escola afro-brasileira? 

Somos uma escola registrada pelo Ministério da Educação (MEC), assim como qualquer outra, só que temos como centro do nosso currículo pedagógico a cultura afro-brasileira, com as influências africanas e a história da África e do nosso povo. Também há foco na cultura brasileira dos povos originários.

Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram no início? 

Logo na inscrição do projeto, houve muitos questionamentos sobre o porquê de uma escola afro-brasileira. Mas isso não acontece, por exemplo, com escolas canadenses, norte-americanas, alemãs e até chinesas que temos aqui no Brasil. Depois, foi o desafio da própria comunidade, no geral, de aceitar e nos entender enquanto escola. Outro desafio é o fato de sermos duas mulheres negras líderes. Infelizmente, a gente vive em um país onde não se dá o valor merecido às mulheres. Temos a nossa liderança sempre questionada.

#pracegover: Maju Passos está sentada, com as pernas cruzadas. Ela veste uma calça preta e uma regata branca. Crédito de imagem: ARQUIVO PESSOAL

Quais são os maiores valores e princípios que guiam a educação oferecida na sua escola?

Educar para a potência, celebrar a diversidade, com um espaço educacional com crianças de classes sociais e corpos diferentes. Visamos, também, criar as bases da alfabetização e letramento trilíngue, porque trabalhamos com português, inglês e Língua Brasileira de Sinais (Libras). A gente tenta, por todas as vias, oferecer às nossas crianças um ambiente em que possam se sentir seguras para ser elas mesmas. Acreditamos que os saberes ancestrais são produção de conhecimento. Para conseguir isso tudo, temos um projeto social dentro da escola, que é particular. Nele, 30% das vagas são para pessoas negras e/ou indígenas em situação de vulnerabilidade social, ou seja, que não podem pagar.

Como você enfrenta o racismo? 

Quais foram suas principais dificuldades na infância? Minha mãe é branca e meu pai, negro; venho de uma classe social em que tive a oportunidade de estudar em escolas particulares. Eu sempre era a única negra. Racismo era uma palavra que eu nunca tinha escutado, fui começar a ouvir sobre racismo já adulta. Então, o principal desafio quando criança foi justamente viver o racismo e não identificar o que ele era. Por isso eu achava que era problema meu e fui me tornando uma criança e adolescente com vergonha de mim mesma, me achando feia, alisando o meu cabelo. Eu alisei meu cabelo por 17 anos, comecei quando tinha a sua idade. E eu estou vendo você hoje tão linda com seu cabelo trançado. Eu não tive essa oportunidade, não fui ensinada a pentear um cabelo como o meu, mesmo sendo criada em um ambiente com muito amor.

“A gente tenta, por todas as vias, oferecer às nossas crianças um espaço onde possam se sentir seguras para ser elas mesmas.”

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 228 do jornal Joca.

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