Esta matéria foi originalmente publicada na edição 238 do jornal Joca
Jogos de tabuleiro, xadrez, crochê, caça-palavras… Há alguns anos, atividades como essas eram comuns nos momentos de lazer e tempo livre. Uma reunião com amigos era a ocasião perfeita para um jogo e, durante uma viagem de algumas horas, o momento ideal para zerar um caça-palavras. Atualmente, o cenário é um pouco diferente: todas essas opções acabam sendo facilmente substituídas por uma tela.
A mudança tem sido especialmente sentida por quem está na fase inicial de experimentação do mundo: as crianças. Esse foi o tema abordado pelo documentário LivreMente, da Usina da Imaginação, espaço cultural e educativo que promove criatividade, inclusão social e desenvolvimento comunitário por meio de atividades audiovisuais e pedagógicas. A produção foi gravada em Brasília, como parte da iniciativa do seminário “As telas nas infâncias”, na Mostra Meu Primeiro Cinema. LivreMente aborda a questão a partir da perspectiva de crianças e adolescentes, que refletem sobre passado, presente e futuro com o uso excessivo das telas.
“A minha rua ideal seria sem carro, só com crianças” e “os adultos não brincam mais com a gente porque também estão no celular o tempo todo” são alguns dos relatos mostrados nas gravações, que acompanharam uma oficina de brincadeiras do Brasil, promovida pela Usina da Imaginação, com alunos de uma escola municipal de Ceilândia, em Brasília.
“Jogamos a infância para dentro de casa, é como se fosse um ‘emparedamento’ das crianças. A questão não é demonizar a tecnologia, e sim aprender que a tecnologia também é sair desse lugar apenas de consumo. Em vez de somente consumir algo pelo celular, a criança pode aprender a criar dentro e fora dele”, destacam Rita Oenning da Silva e Kurt Shaw, idealizadores da Usina da Imaginação.
Redescoberta
No Rio de Janeiro (RJ), a escola GEO Reverendo Martin Luther King proíbe o uso de celular nas escolas (exceto para fins pedagógicos) desde 2024, antes mesmo do decreto federal sancionado em 2025, que ampliou a medida para todo o território nacional. Os alunos deixam os aparelhos guardados ao chegar à escola e os recebem novamente no horário da saída.
No início, o estranhamento foi grande. Agora, os jovens já se familiarizaram com a nova realidade e, mais do que isso, (re)descobriram opções de lazer e aprendizado. Jogos de tabuleiro, práticas artesanais como crochê, leitura compartilhada e esportes como tênis de mesa, xadrez e atletismo são algumas das atividades disponíveis na escola.
Para a diretora Joana Possidônio, a interação social entre os estudantes mudou. “Podemos vê-los, no intervalo, interagindo mais entre si, formando vários grupos enquanto brincam, jogam e conversam. Antes, cada um ficava focado no próprio celular, sem olhar para o lado”, destaca ela.
“Depois que recolheram os celulares, a interação ficou muito melhor. Antes, só jogávamos no celular. Agora, começamos a jogar xadrez, jogos de tabuleiro, dominó. Até mesmo os trabalhos de escola ficaram mais fáceis de fazer, porque ficamos mais juntos em grupos. Outra coisa que eu notei é que consegui resolver problemas com meus colegas, olhando um no olho do outro, vendo que é uma pessoa ali também. Acho que os laços se fortaleceram”, conclui Kamilly L., 13 anos, estudante do 8º ano.
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