Andreas Kastrup é educador no BUFX, centro de aprendizagem mantido pela Prefeitura de Copenhague, capital da Dinamarca. O espaço oferece oficinas de educação midiática para estudantes da rede pública, com atividades práticas que estimulam o pensamento crítico e o uso consciente da tecnologia. Como a educação midiática está integrada no currículo das escolas públicas?Acho que
Andreas Kastrup é educador no BUFX, centro de aprendizagem mantido pela Prefeitura de Copenhague, capital da Dinamarca. O espaço oferece oficinas de educação midiática para estudantes da rede pública, com atividades práticas que estimulam o pensamento crítico e o uso consciente da tecnologia.
Como a educação midiática está integrada no currículo das escolas públicas?
Acho que está integrada em todas as disciplinas. Eu não sou especialista nesse assunto, mas sou ex-professor e ensinava educação midiática nas aulas de História e Dinamarquês. Isso faz parte do dia a dia das escolas na Dinamarca. Conversamos muito sobre o que está acontecendo no mundo e no nosso país.
Existe algo que mais desperta o interesse das crianças em relação ao jornalismo?
Acho que o que mais chama a atenção é entender como as notícias são feitas. É isso que os interessa. Tentamos ensiná-los a buscar fontes confiáveis. Temos sorte na Dinamarca, porque contamos com a mídia pública — o canal de transmissão dinamarquês. É uma mídia independente, financiada pelo governo, mas com o compromisso de sempre dizer a verdade. Há também mídias privadas, mas essa mídia pública tem a confiança da população, porque todas as informações são checadas.
Todas as crianças têm smartphones e acessam mídias o tempo todo. Falamos sobre como essas mídias querem roubar o tempo delas. É um tema frequente nas conversas com os alunos.
Existe alguma lei que garanta o acesso gratuito a esse tipo de mídia?
Temos mídia livre na Dinamarca, mas não há leis específicas sobre isso. As crianças usam muito TikTok, Instagram e, em menor escala, Facebook — mais usado por adultos. Essas redes não são reguladas, então discutimos bastante esse tema. Muitas notícias chegam por TikTok, influenciadores, YouTube… Mas também contamos com mídias validadas, em que podemos confiar, mesmo sendo financiadas pelo governo. O papel dessas mídias é justamente ser imparcial.
A inteligência artificial tornou mais difícil ensinar o que é confiável ou não?
Sim. Por isso é tão importante conversar com os alunos sobre isso. Falamos sobre como a IA pode ser tendenciosa e como muitas vezes está tentando vender algo. Se algo é gratuito, é porque os dados pessoais estão sendo utilizados.
Tentamos ensinar tudo isso. Não é permitido usar celular nas escolas. As crianças entregam os celulares ao chegar e só pegam na saída. Assim conseguimos controlar o fluxo de informações durante o período escolar. Fora da escola, isso é responsabilidade dos pais. Mas não podemos ignorar o fato de que essas tecnologias existem — e mesmo com os celulares guardados, eles ainda têm acesso a computadores e internet.
Acreditamos que o mais importante é manter uma discussão aberta. Eles são o futuro. É um mundo diferente daquele em que nós, adultos, crescemos. Eu, por exemplo, só tive meu primeiro celular aos 18 anos.
Quais habilidades são mais importantes para ensinar às crianças sobre mídia?
Serem críticas. Saberem em que mídias podem confiar, encontrar as informações corretas, não confiar cegamente na IA. Vivemos em uma sociedade onde podemos confiar na maioria das mídias, o que não acontece em todos os países. Alguns jornais têm posições políticas diferentes, mas os fatos são checados. E temos mídias públicas neutras, que não podem tomar partido. O trabalho delas é apenas informar.
Conversamos com uma jornalista que comentou que o povo dinamarquês lida bem com opiniões diferentes, conversando com quem pensa de outra forma mantendo o respeito. Você acha que essa abertura ao diálogo é uma característica da cultura de vocês? E como isso se reflete no ensino de mídia para as crianças?
Sim, com certeza. O mais importante é que todos possam conversar entre si. Está tudo bem discordar. Tentamos ensinar às crianças que elas podem ter opiniões diferentes e, mesmo assim, manter um diálogo respeitoso. Se você quer ter uma opinião, precisa ter todas as informações — e as informações corretas.
Existem projetos ou parcerias com veículos de mídia locais que você considera importantes?
O Ultra NYT é um ótimo exemplo. Eles abordam temas difíceis — como guerras, por exemplo — de maneira acessível às crianças. Contrataram profissionais muito qualificados para isso. Muitos meios de comunicação têm seções voltadas para escolas, com materiais didáticos sobre jornalismo: como verificar fatos, fazer entrevistas, entender o papel da imprensa.
No lugar onde trabalho, temos uma atividade chamada “perturbações digitais”. As crianças nos visitam e precisam criar um aplicativo que “roube” o tempo das pessoas. Ao fazer isso, aprendem como os aplicativos usam notificações, recompensas e estratégias para manter o usuário conectado. Ensinamos como as big techs pensam. Ao inverter a lógica, as crianças percebem o que acontece de verdade no dia a dia digital.
O que a experiência da Dinamarca pode ensinar a outros países?
Depende do país, mas acho que ter um debate aberto é essencial. As crianças têm voz e são mais inteligentes do que pensamos. Precisamos ensiná-las como o mundo funciona e incentivá-las a serem boas pessoas. Acho que fazemos isso na Dinamarca. Temos uma sociedade segura e com baixos índices de criminalidade. Começamos cedo, conversamos uns com os outros, tentamos nos entender.
Nem sempre conseguimos, mas fazemos o nosso melhor.
O ambiente influencia na forma como as crianças aprendem?
Sim, tentamos fazer com que todas as crianças se sintam bem-vindas. A ideia é que, assim como na escola, no trabalho também seja possível encontrar um espaço saudável e feliz. É isso que tentamos construir, mesmo que nem sempre seja fácil.
Há quanto tempo você trabalha no BUFX?
Trabalho no BUFX há 7 anos, e sou professor desde 2007. O projeto foi criado pelo município de Copenhague, o governo local. Atualmente, temos cinco unidades espalhadas pela cidade, que funcionam como oficinas permanentes. Todas as escolas da rede pública podem agendar visitas conosco. Estamos abertos todos os dias e contamos com uma equipe de cerca de 15 funcionários.
Copenhague tem 75 escolas públicas. Todos os anos, cerca de 10 mil estudantes — com idades entre 7 e 16 anos, do 1º ao 9º ano — passam por nossas atividades.
Sobre o que vocês mais têm falado atualmente?
Inteligência artificial. Esse tema cresceu muito nos últimos dois anos. As escolas têm nos pedido ajuda para lidar com isso.
Na Dinamarca, criamos o School GPT, uma versão segura da IA, voltada para escolas. Diferente do ChatGPT ou de outras ferramentas abertas, ele tem proteções contra perguntas inadequadas e é exclusivo para uso educacional.
Ele foi criado pelo governo?
Sim, é financiado e mantido pelo governo. A ideia é não proibir a IA, mas criar um ambiente seguro de aprendizado. Precisamos ensinar sobre isso na escola, porque é o futuro.
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