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“E será que alguém ia querer tanto a luz do dia, se a noite não viesse de vez em quando?” é uma frase do livro infantil Pode Chorar, Coração, Mas Fique Inteiro, de Glenn Ringtved, com tradução de Caetano W. Galindo e ilustração de Charlotte Pardi. Existem diversas obras infantis que abordam de maneira lúdica temas que estão ligados à morte, à perda de algo importante e ao sentimento de luto. É com livros assim, inclusive, que psicólogos e educadores conseguem elaborar essas questões com crianças e adolescentes. 

Na psicanálise, o luto é definido como o processo de se reinventar e ressignificar a vida após a perda de um vínculo estrutural, ou seja, que era muito importante na história de alguém. Desde pequenos, sabemos que nascemos, vivemos e, um dia, iremos partir. Ainda assim, quando alguém atravessa situações de perda de familiares, entes queridos e até mesmo de relações, não há uma “receita” certa sobre como agir e lidar com a falta enfrentada. Pelo contrário: se algo não está mais ali, é preciso aprender a construir novamente sobre aquele espaço em branco. “No luto, é o mundo que fica pobre e vazio”, explica Freud, considerado o “pai da psicanálise”. 

Se para adultos essa já é uma experiência difícil e particular, como então, falar sobre luto com as crianças? Um dos maiores desafios é a própria explicação do que é a morte: nos anos iniciais, o cérebro humano ainda não é completamente capaz de entender e absorver situações de concretude.

“Aos 4 anos, por exemplo, a criança muitas vezes não acredita que o parente ou ente querido não vai voltar mais. Não é nem apenas uma questão de ‘acreditar’: você ainda não tem capacidade cognitiva para entender a irreversibilidade da morte. Lidamos com situações em que muitas vezes as crianças não querem deixar sua casa, ir morar com outros parentes, porque acreditam que os pais ainda vão voltar”, explica Samantha Mucci, professora adjunta e psicóloga do departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e fundadora do Programa de Acolhimento ao Luto (Proalu). 

O Proalu é uma ideia que surgiu inicialmente para atender o desejo de alunos da Faculdade de Medicina do Estado de São Paulo em estudar mais sobre o tema da morte. Com o início da pandemia de covid-19, em 2020, o programa passou a atender de maneira remota pessoas enlutadas que haviam perdido alguém em decorrência do vírus. Atualmente, o Proalu assiste, de maneira gratuita e via Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (Caism) Unifesp, que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS), pessoas de todo o Brasil, incluindo crianças e adolescentes.

Em São Paulo, na Vila Mariana, há um ambulatório do Proalu que recebe presencialmente crianças e jovens, dispondo de um espaço lúdico feito especialmente para esse tipo de processo terapêutico. Por se tratar de um acompanhamento pessoal, as crianças permanecem em anonimato, mas compartilham algumas das frases ditas durante as sessões. “Tio, essa dor vai passar, né?” (L., 8 anos) e “Eu não gosto mais de brincar, porque nada tem graça.” (J., 10 anos) são algumas das sentenças proferidas em meio ao processo de entendimento do sofrimento. 

De acordo com Samantha, na jornada de falar e ouvir sobre o luto com crianças, é importante não buscar nenhuma resposta definitiva. Justamente por elas ainda estarem em uma fase em que tudo que é abstrato ou mais subjetivo soa como algo literal, algumas explicações podem causar mais dor. Em vez de trazer conclusões prontas como “seu amigo virou uma estrela”, o caminho precisa estar livre para a própria criança entender o que aconteceu. 

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Rodas de conversa sobre a dor 

Já em Belo Horizonte, Minas Gerais, o cenário da pandemia de covid-19 também ocasionou outra ação acerca da saúde mental dos jovens. Na Escola Estadual Pandiá Calógeras foi realizado o projeto Help, que ganhou o nome dos próprios alunos do 8 ° e 9° anos do colégio. Roberta Andrade e Barros, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas), mestra em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em psicoterapia de família e casal, realizou uma pesquisa e produção de artigo científico, publicado pelo periódico Ensino & Pesquisa, da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), com base no trabalho feito na Calógeras. Na escola, rodas de conversa foram realizadas para debater o luto e como os jovens lidavam com sentimentos relacionados à saudade, morte e ansiedade. 

“É difícil porque não existe uma receita para elaborar a dor de uma vida que não existe mais. Para os jovens, principalmente, precisamos trabalhar em deixar claro que podemos falar sobre o que estamos sentindo, seja desenhando, brincando, montando quebra-cabeças, é possível falar de diferentes formas. Falando, é possível que ele ressignifique a experiência”, conta Roberta.

“Participar da roda de conversa sobre perda e luto foi uma experiência enriquecedora. Foi um espaço de aprendizado e reflexão, em que pude ouvir diferentes perspectivas e compartilhar sentimentos”, conclui Caio C., 17 anos, aluno da Pandiá.

Glossário: 

Psicanálise: método científico ⁠para analisar a psique humana. Desenvolvido por Sigmund Freud, neurologista.

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