Um bate-papo sobre a iniciativa, que hoje atende a mais de 80 comunidades rurais
Em 2001, a historiadora Sylvia Guimarães, ao lado de Laís Fleury e Maria Teresa Meinberg (conhecida como Fofa), saiu de São Paulo para iniciar um projeto-piloto de educação em municípios do Pará, distribuindo livros por cidades rurais e realizando a formação de mediadores de leitura para crianças. No ano seguinte, elas dedicaram mais dez meses à iniciativa, visitando 53 comunidades da Amazônia Legal (região amazônica brasileira que corresponde a quase 60% do país). Foi assim que nasceu o projeto Vaga Lume, que, com cerca de 890 voluntários atuantes, atende hoje a 86 comunidades rurais, com espaços de leitura e aprendizado.
Para conhecer mais sobre a iniciativa, que completa 20 anos em 2022, Lilian P., de 9 anos, conversou com Sylvia, cofundadora da Vaga Lume. Lilian já teve a oportunidade de conhecer uma das bibliotecas do projeto na Amazônia e guarda boas memórias da experiência. “Eu achei legal que a gente pintou as mãos na parede e deixou uma lembrança importante lá e no meu coração. Achei muito diferente que a biblioteca está no meio da floresta. Muitos dos livros que eles leem lá a gente também lê aqui”.
De onde você se inspirou para fazer a Vaga Lume?
Eu sempre gostei de viajar, da natureza. E, quando era pequena, eu já via alguns livros sobre a Amazônia e ficava com muita vontade de conhecer. Aí, quando eu fui crescendo, decidi que queria ser professora, porque gostava de trabalhar com crianças. E eu fiquei com a ideia de que queria ser professora em lugares onde as pessoas não tinham acesso a professores, escolas e livros. Aí eu encontrei a Fofa e a Laís, minhas amigas que tinham um sonho parecido com o meu. Juntas, criamos a Vaga Lume.
Por que você escolheu o nome Vaga Lume?
Eu achei que as crianças iam entender o que era e se identificar. O vaga-lume só tem no mato, na floresta, é difícil ver em uma cidade que já tem muita luz. Ele é pequenininho, mas faz aquela luz! Então não é um holofote que vai resolver tudo, é uma luzinha que cada um tem a sua, sabe? E muitos vaga-lumes juntos iluminam.
Quantas bibliotecas vocês têm e onde elas estão localizadas?
Hoje, elas estão localizadas em comunidades rurais da Amazônia Legal, que pega quase 60% do território do Brasil. Temos 86 bibliotecas ativas.
Como vocês sabem onde colocar as bibliotecas?
Quando a gente começou a Vaga Lume, a gente telefonava para as prefeituras e perguntava por comunidades que queriam uma biblioteca. Depois de um tempo, passamos a conhecer as comunidades e aí começamos a perguntar quem tinha interesse para as próprias pessoas da Amazônia que a gente conhecia. Hoje, a gente só coloca uma biblioteca nova em comunidades que demonstram esse interesse: elas fazem uma carta ou uma reunião e nos informam para que querem a biblioteca. Aí a gente vê se elas têm condições ali (como pessoas para ser voluntárias) e se nós temos recursos para criar e manter essa biblioteca. Ou seja, é uma parceria: a escolha tem que vir dos dois lados para dar certo.
Como funciona o projeto, se vocês estão aqui em São Paulo?
Aqui em São Paulo é só o nosso escritório, como se fosse o quartel-general da Vaga Lume. Nós aqui fazemos o que conseguimos: comprar os livros, montar os kits, distribuir, fazer vídeos etc. Só que as pessoas que fazem a Vaga Lume estão espalhadas [pelas comunidades onde o projeto se encontra], além de alguns funcionários que estão em Belém [capital do Pará].
Que tipos de livros vão para as bibliotecas? Como vocês escolhem esses livros?
A gente recebe muito livro, lê muito livro, vai na livraria todo ano, lê tudo que tem e a gente vai vendo. Os livros têm que ter recomendações muito boas sobre as histórias e as ilustrações. E [eles precisam ser] de diversas partes do mundo, de vários povos e origens, para as pessoas conhecerem a diversidade que existe no mundo. Além disso, a gente pensa em todas as crianças, desde os bebês até os adolescentes. Nós queremos que as crianças gostem dos livros e se relacionem com eles, as letras, histórias, pessoas da biblioteca desde pequenos.
Qual o maior desafio que o projeto tem hoje?
Atualmente, o maior desafio é crescer, porque temos 86 bibliotecas. É até bastante, mas tem muitas comunidades na Amazônia interessadas em ter a Vaga Lume. E a gente quer chegar lá, quer crescer e multiplicar os vaga-lumes. E aí, para crescer, é difícil, porque você tem que ter um plano, recursos, pessoas e ser bem organizado para poder crescer com qualidade.
Como as crianças do Brasil podem ajudar o trabalho da Vaga Lume?
As crianças já ajudam só de conhecer a Vaga Lume e se juntar a ela. Às vezes, a gente se reúne numa coisa só pelo sentimento mesmo, a gente torce por aquela coisa, depois a gente comunica, divulga, fala dessa coisa no Instagram. Hoje é assim, né? Quando você divulga as coisas em que você acredita, você vira um apoiador. As crianças também podem falar para suas escolas para ter parceria com a Vaga Lume, porque a gente faz uma troca entre as escolas. Vocês também podem convencer a família de vocês a, um dia, visitar uma das bibliotecas, visitar as comunidades. E, assim, sempre procurar acompanhar a Vaga Lume, porque nós vamos existir por muitos anos e, se as crianças nos acompanharem, quando forem adultas, elas poderão colaborar de outras maneiras também.
Como você se sente hoje, 20 anos depois de ter começado esse projeto?
Eu me sinto muito feliz, porque vejo que o projeto deu muito mais frutos do que eu imaginava. É como se fosse uma árvore que você planta e depois vê o tanto de frutos que dá. Você se admira, né? Tem muitas crianças como você, Lilian, que começaram a pensar em coisas novas com a Vaga lume. Então isso é muito gratificante, porque quanto mais a gente se torna consciente, tenta entender melhor o mundo, mais o mundo pode melhorar.
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