Juliana Ferrari e Vinicius Matsuei venderam “tudo o que tinham” para realizar a viagem dos sonhos, uma volta ao mundo em um ano. Eles passando por cerca de 35 países da Oceania, Ásia e Europa. Psicóloga especializada em formação de professores, Juliana havia acabado de concluir o mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
Juliana Ferrari e Vinicius Matsuei venderam “tudo o que tinham” para realizar a viagem dos sonhos, uma volta ao mundo em um ano. Eles passando por cerca de 35 países da Oceania, Ásia e Europa. Psicóloga especializada em formação de professores, Juliana havia acabado de concluir o mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP) e ansiava por fazer algo prático que ajudasse os mestres. Uma das conclusões de sua tese sobre a representação dos professores nas telenovelas brasileiras era a de que eles têm um espaço limitado para opinar sobre a educação e raramente são chamados para debates estruturais.
Foi preciso ter uma câmera na mão para que a ideia do projeto Teachers of the World (professores do mundo, em tradução literal) tomasse corpo. Na primeira parada da viagem, nos Estados Unidos, o casal comprou uma filmadora profissional e teve um estalo. “Vamos fazer um documentário, dar voz para eles. O problema dos professores a gente conhece, mas como resolver? Como ajudar?”, conta Juliana.
Designer gráfico e ilustrador, Vinicius pesquisa mobiliários educativos e também é fascinado pelo universo da educação. A dupla tinha muitas curiosidades para colocar à prova durante a viagem. Será mesmo que no Japão os professores são mais valorizados, uma vez que o até o imperador se curva aos mestres? Será que os professores estão satisfeitos em países que alcançam altos desempenhos nos rankings internacionais? Como é a experiência educacional em uma escola internacional, como a Green School, em Bali?
A jornada começou em novembro de 2015 e até o momento eles já percorreram Nova Zelândia, Japão, Filipinas, Malásia, Indonésia, Vietnã, Tailândia e estavam na China quando concederam entrevista ao Porvir via skype, enfrentando dificuldades de conexão e as restrições à internet (serviços do Google e do Facebook são bloqueados no país). As histórias dos professores estão sendo publicadas em um site e no Facebook, em inglês e português.
Atualmente o casal está percorrendo a Índia, país que escolheram ficar por um mês. Depois a viagem seguirá pela Rússia, Leste Europeu (Letônia, Estônia, Lituânia, Ucrânia) e União Europeia, onde pretendem visitar Alemanha, França, Espanha, Portugal, Itália, Áustria, Grécia, República Tcheca, e, se o orçamento permitir, Suécia, Noruega e Finlândia.
Até o momento, 30 professores concederam entrevistas e os planos são chegar a 100 profissionais. Para chegar aos entrevistados, Juliana e Vinicius contam com as amizades que fazem durante a viagem. Buscam conexões humanas para contar as histórias de vida dos professores. A experiência provou que, se buscam contato através da escola, o discurso do entrevistado muda, vira institucional. E não é isso que eles estão buscando.
No site, é possível conhecer a história de 17 professores entrevistados em seis países: Brasil, Nova Zelândia, Filipinas, Japão, Indonésia e Malásia. Em comum, eles destacam o amor à profissão e aos alunos. As queixas também são semelhantes: salários baixos, falta de recursos nas escolas e sobrecarga de trabalho.
“Eu acho que essas crianças que você pode inspirar são uma grande esperança. Eu quero que minhas crianças digam: ‘Eu posso fazer a diferença no mundo’. Eu tenho o emprego mais maravilhoso do mundo, porque eu posso inspirar pessoas a fazerem coisas maravilhosas e isso, para mim, é fazer uma coisa maravilhosa”, declarou a professora Angela Teague, da Nova Zelândia, em um depoimento emocionante publicado pelo projeto.
No site, é possível conhecer o professor Lucrecio Teorimo, que vive nas Filipinas uma realidade parecida com a de muitos professores brasileiros. “Muitas vezes tentamos fornecer, a partir de nossos bolsos, alguns materiais para as classes serem melhores para as crianças. Eu acho que isso é trabalho do governo, mas às vezes esta é a única maneira. […] Toda vez que temos uma nova atividade ou evento, precisamos contribuir para que a escola possa fazê-lo de uma maneira interessante”, relatou.
Os professores Angela Teague (Nova Zelândia), Emi Tomimatsu Antunes (Japão) e Lucrécio Teorima (Filipinas)
Já no Japão, a professora brasileira Emi Tomimatsu Antunes relata que o sistema educacional tem como objetivo que todos sejam iguais e que as responsabilidades do professor com a criança vão além dos muros da escola. “Sempre que uma criança começa a se destacar ela é cortada, para caber naquilo que é esperado. Quando eu cheguei aqui no Japão, eu vi as crianças desenhando. Todas elas desenham! Todas! E desenham muito bem. Mas é tudo igual […] No Brasil, a responsabilidade do professor é mais resumida à escola, às vezes só à sala de aula. Aqui não. O aluno é responsabilidade do professor na escola, no caminho de casa e às vezes até dentro de casa alguns assuntos são de responsabilidade do professor”, destacou em seu depoimento.
Sem nenhum apoio financeiro para a viagem, o casal de brasileiros pretende procurar parceiros na volta, prevista para outubro, ou realizar um financiamento coletivo para custear a produção de um livro e um documentário sobre os professores do mundo. Confira trechos da entrevista concedida ao Porvir:
Porvir – Vocês estão viajando pelo mundo para ouvir professores. Como surgiu a ideia para esse projeto?
Juliana – Quando decidimos viajar, eu estava finalizando o meu mestrado sobre como as novelas brasileiras mostram os professores, os personagens. Uma das coisas que a gente percebeu é que o professor tem um espaço muito limitado em opinar sobre a educação. A gente vê muito pouco a fala desse professor opinando sobre o que está acontecendo. Queríamos saber se era assim só no Brasil, ou em todo o lugar. Além de conhecer outros sistemas e tentar trazer uma coisa nova.
Porvir – Vocês saíram do Brasil com um roteiro pré-definido? Como vocês selecionam os professores?
Juliana – A gente chega na cidade que está visitando, normalmente no hostel ou em algum restaurante, ou onde a gente fizer amizade, e pergunta se as pessoas conhecem algum professor. Uma coisa leva a outra. É bem natural, a gente nem entra em contato com as escolas, para ser uma coisa mais humana. Se a gente entra em contato com a escola, fica mais institucional, eles acham que têm que fazer propaganda. E quando você pergunta sobre o sistema, eles travam, não falam mais sobre si. A gente quer falar deles, do que eles sentem, e por isso vamos por vias naturais.
Porvir – Como é a receptividade?
Vinicius – A Malásia é bem fechada, eles não abrem o sistema para estrangeiros. A gente não conseguiu visitar nenhuma escola.
Juliana – Nas Filipinas muitos professores quiseram falar. Depende do país. Cada um tem a sua peculiaridade, a gente não está forçando a barra. Até para não ser oficial, porque quando é, muda o discurso.
Porvir – De que forma vocês estão documentando as histórias desses professores?
Juliana – Filmando, gravando áudio (que é todo transcrito), fotografando. Nossa ideia é fazer um documentário quando voltarmos ao Brasil, tentando escancarar essa necessidade de olhar para o professor, cuidar de quem ensina. É um material muito rico, porque eles têm histórias muito legais, os vídeos estão geniais. Eu sou meio fã de professor (risos). A gente conheceu uma professora em Okinawa de 70 anos, que hoje é dona da escola. Deu mais de uma hora e meia de entrevista, ela tinha muita história para contar. Perguntamos para uma professora francesa, mais idosa, que conhecemos na Indonésia, o que poderíamos fazer para ajudá-la, porque ela reclamou muito do sistema, de como era cansativo, de como não via a hora de se aposentar, e ela respondeu: “Continuem fazendo isso. A voz que vocês estão dando para os professores neste documentário é algo do qual a gente nunca gozou. Continuem ouvindo as pessoas e contando a história delas”. Pra gente isso foi uma mensagem de que temos que continuar mesmo.
Fonte: Porvir e Instituto Singularidades, parceiro do Jornal Joca
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