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Blessing e Alejandra contam sobre suas origens e a vida no Brasil. Fotos: arquivo pessoal

Em 20 de junho é celebrado o Dia Mundial do Refugiado. Para saber mais sobre o tema, os estudantes Helena T. A. e Pedro L. C., representantes de sala dos 5os anos A e B do Colégio Pueri Domus, de São Paulo (SP), em nome de todos os colegas de turma, entrevistaram dois refugiados que moram no Brasil: Jaecmar Alejandra E., 15 anos, da Venezuela, e Blessing W., de 16 anos, da República Democrática do Congo (RDC).

A Alejandra e o Blessing fizeram parte do projeto #RefuTeen, do ACNUR (Agência da Organização das Nações Unidas Para Refugiados) e da organização I Know My Rights (IKMR). Com participação de jovens entre 12 e 18 anos, a iniciativa realizou oficinas para dar, a refugiados e migrantes, acesso a conhecimentos e técnicas sobre conteúdos em redes sociais. Confira o bate-papo.

Blessing, de 16 anos, da República Democrática do Congo. Foto: arquivo pessoal

Por que vocês saíram do seu país?
Blessing: Eu saí do meu país, a República Democrática do Congo, por questões políticas, por causa da minha mãe, que é jornalista e denunciou alguns crimes cometidos pelo governo, como enviar crianças para a guerra e situações de trabalho escravo. Com isso, o governo começou a ir atrás da minha mãe e tivemos que buscar uma saída. A gente não veio para o Brasil porque quis. A gente veio porque foi a primeira porta que se abriu. Quando você quer fugir de um lugar, em perigo de vida, você escolhe a oportunidade que vem primeiro.
Alejandra: Sou venezuelana e cheguei ao Brasil em 2017. Saí do meu país por questões socioeconômicas, porque lá a gente vive em uma ditadura há mais de 20 anos, e isso começou a afetar muito a minha família. A economia da Venezuela não é das melhores, a inflação é muito alta e nós éramos, na minha família, duas crianças e dois adultos. Meu pai era o único que trabalhava e minha mãe ficou grávida. Isso foi a gota d’água para a gente decidir sair. Como o Blessing disse, por ser refugiada, a gente não escolhe o país para onde vai. Eu saí quando tinha 10 anos e nem entendia direito o que estava acontecendo. Vir para o Brasil foi um golpe de sorte. A gente só soube que viria para o Brasil três dias antes de sair da Venezuela, uma pessoa da família falou para a gente vir, mas não era o plano inicial, porque a língua é algo que dificulta muito. Apesar de o português ser parecido com o espanhol, não é tão fácil de aprender. Mas tivemos que deixar de lado as dificuldades. Chegando aqui, deu tudo certo e minha irmã nasceu.

Alejandra, de 15 anos, da Venezuela. Foto: arquivo pessoal

Como vocês chegaram do seu país até o Brasil?
Blessing: Começamos a tentar vistos para países fora da África, por causa de questões étnicas que existem na África – uma etnia não gosta da outra e isso gera atritos. Conseguimos um visto para vir para o Brasil. Eu mudava de casa toda hora, porque o governo nos perseguia. Chegaram a colocar fogo em uma casa onde estávamos. No dia da saída, pegamos um avião até a África do Sul. Então, pegamos outro avião para São Paulo, em outubro de 2014.
Alejandra: Primeiro, tivemos que vender nossas coisas, tínhamos casa, dois carros, era um status social bom, de classe média alta. Era uma situação boa, e ter que vender tudo, apesar de ser material, tinha um valor sentimental. Tudo isso ser arrebatado por causa do governo foi um choque muito grande. Se para mim foi difícil ver como meus pais perderam tudo, imagine para eles, que lutaram para isso. Passamos três dias viajando de ônibus e chegamos a Roraima. Foi preciso parar um dia porque minha mãe estava grávida de oito meses. Então pegamos um avião até o Rio de Janeiro. Foi em 2017. Agora, aos poucos, estamos conseguindo melhorar.

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Helena, uma das representantes de sala dos 5os anos A e B do Colégio Pueri Domus, de São Paulo (SP). Foto: arquivo pessoal

Contem um pouco sobre a cidade natal de vocês.
Blessing:
A minha cidade é Kinshasa, a capital da RDC. Foi onde eu nasci e vivi o maior tempo da minha vida. Na África, em geral, as capitais são as cidades mais bonitas, com mais infraestrutura e qualidade. Algo que é diferente aqui do Brasil, que tem São Paulo e o Rio de Janeiro como cidades muito importantes, e Brasília não é tanto – existem menos pessoas por lá. O centro econômico por aqui é o Sudeste. No meu país é diferente, a capital é mais importante. Outra curiosidade de Kinshasa é que a gente já teve um robô de trânsito, que fazia algumas sinalizações, como um sinal de trânsito. Também temos muito pontos turísticos, como a avenida Boulevard com muitos monumentos do primeiro presidente do nosso país após a ditadura.
Alejandra: Eu venho de San Joaquín, a duas horas de Caracas, capital da Venezuela. É um lugar pequeno, com uma igreja e poucas escolas. Todo mundo se conhece e é bem familiar. Fica longe das empresas e shoppings. É uma cidade bem bonita. Eu sempre saía da escola e pegava ônibus sozinha (minha mãe não podia ir me buscar porque seria uma passagem de ônibus para mais uma pessoa e a gente precisava desse dinheiro para comprar comida) e as pessoas me conheciam. Tem uma praça aonde todo mundo vai e algumas tradições da igreja, como grupos que faziam danças em datas como Dia das Crianças e Natal. A Venezuela é muito bonita e diversa em paisagens. Tem neve, deserto e uma das Sete Maravilhas Naturais do Mundo, o Salto Ángel [uma catarata]. Não tem como ir agora, por causa da situação do país, mas quando tudo melhorar, eu vou ser uma das primeiras a voltar.

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Pedro, um dos representantes de sala dos 5os anos A e B do Colégio Pueri Domus, de São Paulo (SP). Foto: arquivo pessoal

Foi difícil sair do seu país?
Blessing: Sim, saímos eu e minha mãe, e o restante da família (primos, tios, avós) ficou. Meu pai já estava no Brasil e nos ajudou a vir para cá. Ao chegar aqui, não sabia falar português e me isolei bastante. Fiquei triste. O que me ajudou muito foi a escola. Na hora de ir para casa, eu ficava muito triste porque não teria ninguém com quem conversar em casa. Eu não tinha internet e WhatsApp, porque, no meu país, celular é coisa de adulto. Até que um dia, na aula de informática, me ensinaram a usar alguns jogos. Então eu jogava bastante. Mas eu amava a escola. E o mais difícil para mim foi conseguir me enturmar, fazer amigos, um lugar novo. E o preconceito, porque eu não sabia falar português direito e algumas pessoas me zoavam.
Alejandra: Foi difícil para mim, do nada, sair de lá porque não estava dando certo. Minha mãe disse para fazer as malas porque precisávamos sair da Venezuela. Ela pintou isso para mim e meu irmão como uma aventura. O que me ajudou a lidar com tudo. Mas, então, comecei a questionar, por exemplo, quando veria minha avó. Minha mãe se sentou com a gente, explicou tudo e, agora, eu entendo. Mas só fui entender mais velha, na época eu tinha 10 anos. Fui aprender agora a lidar com a saudade e o sacrifício que foi sair de lá. Não é fácil ter que viver com uma nova língua e uma cultura extremamente diferente da cultura da Venezuela. A saudade também me marcou muito, saudade da avó, das minhas primas, como nos aniversários sem a família.

Vocês gostaram de viajar para outro país?
Blessing: Eu gostei de vir para o Brasil, apesar da cultura diferente. O Brasil tem uma experiência multicultural distinta. No meu país, temos várias etnias que brigam entre si. Aqui no Brasil, as brigas, por exemplo, entre paulistas e nordestinos é algo mais de meme. A comida daqui não é tão diferente, tem arroz e feijão. Mas, logo que cheguei, eu não gostava de pizza. Depois me entreguei para a cultura, pizza é muito bom. Aqui fiz grandes amigos e o povo me recebeu muito bem. Tem outras diferenças de cultura, como crianças que batem boca com os pais, algo que no meu país é inaceitável. Mas, no geral, gostei bastante de vir para o Brasil, é um bom país.
Alejandra: Gostei bastante, principalmente porque me descobri como pessoa. Conheci pessoas novas, como o Blessing, meu colega de São Paulo do projeto #RefuTeen. Uma das coisas para qual o Brasil me abriu a mente foi para idiomas, descobri que tenho facilidade para aprender outras línguas. Hoje falo um português razoável, falo inglês intermediário e estou correndo atrás do italiano. A partir da minha vinda para o Brasil, descobri também que tenho uma paixão enorme pela escrita. Hoje escrevo poemas líricos e músicas. Comecei a me abrir para as palavras, poeticamente falando, depois de aprender o português. Quero também conhecer o mundo inteiro e aprender novas culturas.

Vocês gostam da comida brasileira?
Blessing:
Não é muito diferente da comida da RDC. A forma de cozinhar é que é diferente. Um exemplo é a feijoada. Lá, a gente só come o feijão e é mais seco. Aqui é mais molhada e tem as carnes da feijoada. Minha comida favorita, desde lá, sempre foi feijão com arroz. Na primeira noite, me ofereceram pizza e eu não gostei. Mas aprendi a gostar. Também não gostava de bolo, mas acabei ficando um tanto viciado em bolo. E só gostava de chocolate amargo, que era o único que tinha no meu país. Tenho saudades de comidas do meu país, como o fufu, mistura de farinha de mandioca com farinha de milho que vira um tipo de polenta. E a gente come a lagarta antes de ela virar borboleta, e carne de macaco, que é algo proibido aqui no Brasil. Na RDC, carne de macaco é como frango, é normal, uma tradição diferente.
Alejandra: Comida não foi tão difícil. Eu sou apaixonada pela culinária brasileira. Durante a pandemia, comi muita tapioca de manhã. As sobremesas também são perfeitas. Aprendi a cozinhar sobremesas por causa do Brasil, minha mãe adora brigadeiro e beijinho. E a comida não é tão diferente da venezuelana. A diferença é que vocês comem feijão a toda hora e momento. Na Venezuela, há pratos com feijão. É algo comum, mas não é todo dia. E tem coisas bem diferentes, como o abacate, que vocês comem doce e a gente, salgado. Nunca existirá abacate doce na Venezuela. A gente não tem guaraná nem açaí, que eu acho maravilhoso.

Vocês já passaram por outro país como refugiados?
Blessing: Não, só fiz a passagem pela África do Sul.
Alejandra: Também não, vim direto para o Brasil.

Como foi a participação de vocês no #RefuTeen?
Alejandra: A gente mostra para os adolescentes e as crianças que os refugiados são normais. É para lutar contra o preconceito de que os refugiados são coitadinhos. Temos páginas nas redes sociais para mostrar que somos todos iguais. Isso dentro da nossa diversidade.
Blessing: São abordados temas como direitos humanos. Tem o exemplo de um trabalho que fiz sobre a história dos direitos humanos. O objetivo é falar para os jovens o que são os direitos deles. Mostrar que diferenças existem e que precisamos respeitar as diferenças de cada um.

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Comentários (9)

  • Rosa Graziela Rodrigues

    1 ano atrás

    Amei a entrevista! Parabéns!

  • Nicolle Branisso Sinclair Magalhães

    1 ano atrás

    Eu amei essa historia me inspirou bastante para fazer minha lição sobre a noticia eu estudo no madre cabrini sabe.

  • Celine de Kerchove

    1 ano atrás

    oioioioioioioioioioioioioioioioioioioi

  • Sabrina De Andrade Prado

    1 ano atrás

    Legal😀

  • Enzo Vieira de Oliveira

    1 ano atrás

    Imagina você ser procurado pelo GOVERNO e ter somente uma opção:Fugir. A sensação deve ser horrível de se separar de todos aqueles que você mais gosta,(Se Deus quiser nunca vai acontecer isso no Brasil; Ámem) Dá agunia só de pensar!

  • lucas camargo dos santos

    1 ano atrás

    Eu acho que deve ser bem triste ir para outro país obrigatoriamente,além de ter que aprender a lingua que essas pessoas falam, tem que acostumar com a a nova cultura e as vezes vc pode ser até zoado como no caso dele, mais ainda bem que eles conseguiram de acostumar.

  • Celine de Kerchove

    1 ano atrás

    Que bom!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  • Clarice

    1 ano atrás

    Amei poder conhecer vocês!!!!

  • carla simoes clementino

    1 ano atrás

    oi

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