Xangai, importante centro financeiro e maior cidade chinesa em número de habitantes, está fazendo os olhos do mundo se voltaram novamente para a China em razão da covid-19, cerca de dois anos depois de a doença ter surgido nos país. Desde que os casos voltaram a aumentar no território chinês, em março deste ano, Xangai se tornou o principal ponto do novo surto na nação, com um lockdown rigoroso para todos os moradores.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) da China, as primeiras três mortes causadas pela nova onda em Xangai foram registradas em 17 de abril. Eram pessoas que tinham entre 89 e 91 anos, com complicações de saúde a não imunizadas. Desde então, mortes diárias seguem sendo registradas na cidade — foram 51 no dia 24 de abril, por exemplo.

A seguir, saiba mais sobre o que está acontecendo em Xangai, entenda a política chinesa de combate à pandemia e relembre a história do país com a covid-19.

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No dia 16 de abril, durante o confinamento para todos os moradores, homem se desloca pelas ruas vazias de Xangai usando roupa de proteção pessoal. / #pracegover: homem, com todo o corpo coberto por roupas de proteção, se deslocando em uma moto. Crédito de imagem: ANDREA VERDELLI _GETTYIMAGES

Xangai e a política “covid zero”
Desde o início da pandemia, a China tem adotado a política “covid zero”, que reúne testagem em massa da população, lockdowns frequentes e restrições de circulação em lugares públicos e outros estabelecimentos.

A estratégia resultou em baixo número de casos e mortes no país. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao longo da pandemia, a China acumulou cerca de 1 milhão de casos e pouco mais 14,8 mil mortes. No Brasil, até o fechamento desta edição, eram mais de 30,3 milhões de casos e quase 663 mil vidas perdidas.

Em março de 2022, no entanto, o país asiático apresentou um aumento expressivo de casos, principalmente em virtude da alta capacidade de transmissão da variante ômicron do vírus. Isso fez com que o governo decretasse medidas mais rígidas. Segundo Julival Ribeiro, médico infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, a política chinesa de tolerância zero foi muito eficaz no início, quando ainda havia poucos estudos sobre o vírus. No entanto, essas ações já não são tão eficientes sem uma boa campanha de imunização.

“O maior problema observado na China é em relação à vacina”, aponta o doutor Julival. “Considerando os dados que temos disponíveis, vemos que, entre idosos acima de 70 anos, apenas 48% fizeram uso da terceira dose; já para os acima de 80, a taxa cai para 20%” — saiba mais em “A vacinação na China”.

Dia a dia em lockdown
Joana Molgaard é brasileira e mora em Xangai há dois anos e meio, com o marido e duas crianças, Clara, 5 anos, e Erick, sete meses. Ela diz que, em razão da eficiência das políticas adotadas no começo da pandemia, a família nunca havia passado por um lockdown tão severo quanto o que foi instaurado recentemente. “Nunca tivemos muitos casos aqui no município. Era como se vivêssemos em uma bolha”, conta.

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Clara, filha de Joana, é testada no condomínio em que mora. / #pracegover: foto de Clara sendo testada para covid-19 por profissional protegido por roupa azul, touca branca, máscara e protetor de acrílico para o rosto. Crédito de imagem: ARQUIVO PESSOAL

Entretanto, o cenário mudou. “No fim de março, anunciaram um lockdown em duas fases”,explica Joana. A cidade chinesa é dividida pelo rio Huangpu, assim, os lados leste e oeste do rio revezariam: nos primeiros quatro dias, um ficaria confinado; nos outros quatro, o outro lado.

“Mas não foi isso que aconteceu, estamos aqui trancados”, diz a brasileira. Na segunda semana de abril, o governo decretou que cada área residencial poderia ser classificada em três níveis: “Em confinamento”, “controlado’ e “cautelar”, a depender da presença ou não de infectados.

O esquema, dentro de um condomínio, por exemplo, funciona da seguinte maneira: quando um novo caso é identificado, o condomínio é confinado e a pessoa doente é enviada a um centro de quarentena. Depois de sete dias, os moradores são testados e, se nenhum caso for detectado, as pessoas ficam livres para circular nas áreas comuns por mais sete dias. Então são novamente testadas. “Mas muitos condomínios estão optando por prosseguir com o lockdown, como forma de prevenção”, explica Joana.

No condomínio em que ela mora, os residentes se intercalam para realizar as compras para todos. O encarregado da vez fica responsável por buscar fornecedores disponíveis e encomendar comida. “Eu gosto muito de onde moro, amo a cidade e a China. Mas em relação à política de covid zero, eu acho insustentável”, afirma a brasileira. “Todo esse sacrifício valeria a pena se estivéssemos com UTIs [unidades de terapia intensiva] lotadas e um número absurdo de casos. Deveriam focar mais na vacinação dos idosos e grupos de risco, que são os que mais estão sofrendo”, conclui ela.

A vacinação na China
De acordo com um estudo publicado na revista científica Nature, em 28 de março de 2022, apenas metade dos idosos com mais de 80 anos está vacinada na China. O número é bem menor do que o das outras faixas etárias do país, já que, considerando a população total, 86,2% dos chineses estão imunizados, segundo o site Our World in Data.

“Por lá, os casos [de mortes por covid-19] estão surgindo mais em idosos não vacinados, que são pessoas que têm mais risco de desenvolver as formas graves. Por isso a grande estratégia para conter a doença é que todos que possam tomar a vacina procurem se vacinar”, diz o infectologista Julival Ribeiro. De acordo com ele, a imunização é especialmente desafiadora na China porque o país tem mais de 1,4 bilhão de habitantes.

Segundo o doutor Julival, a existência da subvariante da ômicron chamada BA.2, que está contaminando muitos chineses, é mais um motivo para tornar a vacinação essencial no país, especialmente para os idosos. “Hoje, sabemos que a proteção só vem com a terceira dose, então é preciso garantir que isso aconteça”, defende.

Para ele, um dos motivos para a baixa adesão dos idosos aos imunizantes é que essa população está mais acostumada a prevenir e tratar doenças a partir da medicina tradicional chinesa. “Na China, há uma cultura milenar, e as pessoas continuam preferindo usar medicamentos naturais e chás para tratar determinadas doenças”, relata. Ele ressalta, porém, que “já era uma tradição da cultura de vários países da Ásia usar máscara sempre que se tem algum sintoma respiratório, o que beneficia as pessoas porque dificulta a transmissão”.

Linha do tempo da covid-19 na China

Dezembro de 2019: A doença é registrada pela primeira vez, em um mercado de Wuhan onde animais silvestres vivos e mortos são vendidos.

• Janeiro de 2020: O governo da capital, Pequim, cancela as comemorações do Ano- Novo chinês. Como a data e suas festividades levam ao deslocamento de milhares de pessoas pelo país, o objetivo é evitar o contágio em aglomerações. Em Wuhan, 11 milhões de chineses são colocados em lockdown — na sequência, outros locais do país entram em confinamento. A China passa a adotar mais medidas, como testagem em massa da população.

Julho de 2020: Os chineses começam a vacinar profissionais da saúde e pessoas que trabalham nas fronteiras do país, de acordo com anúncio feito pela Comissão Nacional de Saúde da China.

Janeiro de 2021: Um ano após o início dos confinamentos, a China afirma ter controlado as transmissões dentro de seu território. Quando há novos focos, as regiões são isoladas. Os registros de novos casos e mortes são pequenos em relação aos números do restante do mundo.

Fevereiro de 2021: Um ano após as festividades do Ano-Novo chinês terem sido canceladas, medidas para conter o vírus seguem sendo aplicadas nas comemorações. Para incentivar que as pessoas fiquem em casa, o governo distribui brindes, como cupons de desconto para compras on-line.

Dezembro de 2021: Às vésperas da Olimpíada de Inverno, sediada em Pequim, em fevereiro de 2022, novas restrições são impostas: cidades voltam a controlar a circulação de pessoas para conter novos casos da doença.

Março de 2022: A China vive o pior surto de covid-19 desde o início da pandemia. São registrados 29 mil casos nas primeiras três semanas do mês. Diversas cidades, totalizando mais de 30 milhões de habitantes, entram em lockdown com níveis variados de rigidez.

Abril de 2022: No começo do mês, o confinamento é relaxado em algumas áreas. No entanto, para conter a alta de casos na região, quase todos os 26 milhões de habitantes de Xangai são colocados em lockdown.

Fontes: BBC, CNN, Folha de S.Paulo, G1, Nexo, O Globo e UOL.

Correspondente internacional
“O lockdown na minha região se iniciou em 1º de abril. Hoje, 19 de abril, ainda estamos em lockdown. Agora temos menos restrições — por exemplo, já posso circular no lugar onde moro, enquanto antes só poderia se fosse para fazer [teste de covid-19] PCR. Aqui, se você testa positivo, precisa ir para um centro de quarentena e só pode sair depois de dois testes negativos — as pessoas ficam, em média, de 14 a 20 dias em quarentena. Em 18 dias, já fiz 18 testes, que são obrigatórios [pelo governo] e gratuitos. Como Xangai é muito grande, cada região é diferente.
Os serviços de entrega e a comida estão escassos, porque nós só podemos sair na rua se tivermos uma autorização para circular. São 26 milhões de pessoas em casa e cinco plataformas de entrega para alimentar todas. Eu acordo todos os dias às 5h porque os mercados abrem às 6h, então é o melhor horário para comprar as coisas, mas nem sempre consigo, porque o sistema está sobrecarregado. E, mesmo quando consigo achar algo que quero, às vezes não tem entregador. A maneira que encontramos [para amenizar a situação] é fazer compras coletivas. O prédio inteiro faz os pedidos junto. A gente se ajuda e troca alimentos.
A população está insatisfeita, o que é algo difícil de se ver porque os chineses estão sempre muito de acordo com o governo. Acho que, geralmente, eles não têm problema em ficar em casa para conter a pandemia, mas a dificuldade de encontrar comida e os outros fatores externos geram um cansaço físico e mental. As pessoas já se cansaram disso, e estamos vendo o mundo acontecendo enquanto estamos trancados. Acho que o mais difícil é essa questão da comida, porque comida significa segurança.” Priscila Jin, brasileira de 21 anos que vive na cidade de Xangai, China.

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#pracegover: Priscila veste calça preta, blusa branca e casaco rosa. Ela está ao ar livre, com prédios da cidade ao fundo. Foto: arquivo pessoal

Fontes: CDC China, CNN Brasil, Exame, Folha de S.Paulo, G1,OMS, Our World in Data, Reuters e Nature.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição 186 do jornal Joca

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Comentários (2)

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